11 janeiro 2008

ESCOLA: FÁBRICA DE CIDADÃOS

Anna Veronica Mautner

[...] SE EM CASA SOMOS, CADA UM DE NÓS, ESPECIAL E ÚNICO, É NA ESCOLA QUE DEVERÍAMOS APRENDER A SER IGUAIS PERANTE A LEI

Parece-me importante manter independentes, na medida do possível, família e escola, para que cada uma delas possa realizar suas funções. À família, cabe forjar homens, e é específico da escola formar cidadãos. Assimilar uma informação nova é tarefa dependente do status que atribuímos à fonte emissora: se vemos a origem da informação como respeitável, nossa tendência é aceitá-la.
Acontece que os professores, importante fonte de informação, vivem uma ampla desmoralização. Não são levados a sério nem pelo governo, nem pelos alunos, passando por pais e também pelos mestres entre si. A família é regida pela tradição, pela afetividade e é predominantemente oral. A escola é uma instituição submetida ao Estado, direta ou indiretamente. São comunidades letradas, com regras estabelecidas dentro de um sistema hierárquico.
Para a criança, é complicado passar do lar, do afeto e da oralidade para a impessoalidade da instituição pública letrada. Na escola, as relações são ordenadas por estatutos, leis escritas, além de ideologias e metodologias educacionais. A transição é realizada por meio do professor, a quem cabe prepará-la para ser cidadão do mundo. Por que um professor que não é prezado deveria ser levado a sério pela criança? Como ela se sente nessa transição é parte da soma dos sinais que ela capta: como os pais se referem aos professores, como percebem a hierarquia da escola e o estado de ânimo do professor.
Já vai longe o tempo em que os professores eram cidadãos dignos de todo o respeito: conhecidos pelo nome, saudados respeitosamente quando encontrados e lembrados anos depois. Dizem que tudo mudou e que eles são mal pagos. Concordo parcialmente com o fato, mas não com seus efeitos. Afinal, quem determina salários são adultos que já foram alunos e que são hoje pais de alunos.
Não sei se o dinheiro é determinante. Não são poucos os estudos sobre desempenho de tarefas nos quais o pagamento não é decisivo. Veja-se todo o movimento de voluntariado! Destaco um fato que parece inócuo, mas que simbolicamente é importante. Parece-me significativa a mudança na forma de tratamento dos mestres. Eles deixaram de ser "seu fulano" para ser "tio". É uma penetração do lar na escola.
Junto com a oralidade, veio o desprestígio da escrita que regra as relações no mundo. As pessoas, para bem viver, deverão obedecer às regras da família, da comunidade e da nação. Quando geramos a indefinição entre família, comunidade e nação, estamos dizendo que a informalidade deve prevalecer, pelo menos naquele momento - da entrada na escola.
Para facilitar a adaptação à escola, invadimos sua autoridade de formadora de cidadãos, e o excesso da presença dos pais dilui a fronteira lar-escola.
Não ousaria afirmar, mas ouso levantar a lebre de que esse jeito de lidar com a instituição que tem por missão esculpir cidadãos pode facilitar o desrespeito futuro a regras, leis e estatutos. Se em casa somos especiais e únicos, é na escola que deveríamos aprender a sermos iguais perante a lei. Mas se é aí que descobrimos que existem "jeitinhos" e que mamãe pode nos proteger...
Na vida pública, devemos suportar revezes no estatuto da cidadania. Caso contrário, criamos não um estado de exceção, mas estado de exceções.


*


Prá mim, a relação escola-família sempre foi um problema. Em vários momentos, uma intervenção foi inevitável.
Mas é fundamental que cada um cumpra seu papel, reconhecendo sempre a importância do outro.
Família educa, escola ensina.

Nenhum comentário: