16 janeiro 2008

EM CARTA, REFÉM NARRA TORMENTOS

FABIANO MAISONNAVE

Texto de Luis Mendieta, seqüestrado pelas Farc em 1998, foi trazido por Consuelo González

Narrativa fala em doenças, correntes, indiferença e humilhações; coronel fez jornada se arrastando após ter problema circulatório

Os dias de comoção não têm fim na Colômbia. Após o reencontro entre a ex-seqüestrada das Farc Clara Rojas e o filho, Emmanuel, no domingo, o personagem agora é o coronel da Polícia Nacional Luis Mendieta, 50, e sua carta sobre os nove anos em cativeiro enviada por meio de Consuelo González, recém-libertada pela guerrilha.
A provas de vida de Mendieta e de mais sete seqüestrados foram entregues por González aos familiares logo após chegar a Bogotá, anteontem. O encontro foi na casa de Patricia, filha da ex-congressista.
Nas cartas e fotos, o duro tratamento aos homens seqüestrados, que passam a noite acorrentados. O ex-congressista Jorge Eduardo Gechem, refém há quase seis anos, diz que sofreu sete paradas cardíacas e pede a Fidel Castro que intervenha para ser levado a um hospital de Cuba. "Se me recupero, iria a um presídio de Havana, na minha qualidade de refém político à espera do acordo humanitário", escreve.
O relato mais minucioso é o da carta de Mendieta. Na rádio Caracol, sua filha, Jenny, leu o texto com voz embargada. À rádio W, sua mulher, María Teresa, disse: "Desta vez ele não tem nem esperança". Leia, a seguir, trechos da narrativa:



Nascimento de Emmanuel
"Vimos que Clara estava grávida e que poucos meses depois teve seu filho, a quem chamou Emmanuel, em condições subumanas na selva. Dias depois, em duas ou três oportunidades, alguns de nós pudemos pegar o bebê no colo porque o levaram para o lugar onde estávamos, porque homens especiais da força pública fizeram coisinhas para ele, roupinhas, sapatinhos, brinquedinhos, bolsinhas e muitas outras coisinhas."

Viagem em redes
"À medida que se passavam os dias, e a viagem era inclemente, a pé, alguns de nós fomos adoecendo. Foi o que aconteceu com Ingrid [Betancourt], [tenente Raimundo] Malagón, [capitão Julián] Guevara [morto em cativeiro] e eu. Carregaram-nos em redes amarradas a um pau, fazendo as vezes de maca."

Saúde frágil
"Quando se iniciou o tratamento, me fizeram massagens nas pernas com Yodora, desodorante em creme, e, como criança, comecei do começo. Depois consegui dar alguns passos com paus, ou melhor, forquilhas que pareciam muletas, e ir ao banheiro sozinho."

Passatempo
"Nos últimos quatro anos não temos tido livros para ler (...). O mais importante é o tempo que (...) temos passando estudando por uma hora. Às vezes, durante o dia, inglês; em outros dias não estamos com ânimo para isso, ou por outros fatores, como a chuva. (...) Não obstante, pela idade, os neurônios perdidos em função das doenças do cativeiro, a falta de materiais de estudo (livros, cadernos, lápis, etc.), esse trabalho é dificultado, e aprender é difícil. Mas continuamos. Fazer isso funciona como terapia."

Solidariedade
"Como é lógico em função de minha doença, me tiraram a corrente com cadeado do pescoço, mas eram eles que tinham que carregar minhas coisas pessoais, e de um dia para outro elas desapareceram. Ou seja, fiquei sem nada exceto a roupa do corpo. Felizmente, no início da via crucis, [o sargento Arbey] Delgado se ofereceu para colaborar, carregando pacotinhos nos quais guardava as fotos (...) Delgado colaborou dando-me duas cuecas, um lençol e uma toalha. (...) [o ex-governador] Alan [Jara] me deu papel higiênico de presente, [o capitão Enrique] Murillo me deu pasta de dente

Angústia
"Não é a dor física o que me detém nem as correntes no pescoço o que me atormenta, mas a agonia mental, a maldade do mau e a indiferença do bom, como se não valêssemos, como se não existíssemos."


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E o presidente Hugo Chávez ainda pede para que as Farc não seja considerada como terroristas...
O que são, então?!

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