09 janeiro 2008

ALÉM DE IMPOSTOS

JANIO DE FREITAS

O Legislativo só se justifica ao se sujeitar ao governo? Ou há algo de errado aí ou não tem razão de ser o Congresso

Há muito mais, contra todos nós, do que novos impostos e velhos impostos aumentados na medida provisória que foi o primeiro gesto presidencial de Lula em 2008. Esse retorno aos pacotes, abomináveis já no nome, realça um problema que se agrava sem, no entanto, merecer atenção alguma. São os procedimentos contrários às normas democráticas mas, com meras aparências de atos legais e muitas vezes nem isso, incorporados aos métodos de governo.
O motivo básico da extinção da CPMF foi o sentimento muito difundido, ao qual o Senado neste caso correspondeu, de que a carga de impostos estava pesada demais. Não foi aversão particular à CPMF, se bem que a renovação de sua provisoriedade fosse muito criticada. Foi o fato de vir dela a oportunidade de um corte na massa de impostos.
Tivemos, então, uma decisão do Poder Legislativo, por derrubada pelo Senado, como órgão revisor, da aprovação da Câmara a novo período de CPMF. E, implícita na derrubada, uma decisão coerente com a parte do país que tem a percepção, ou alguma informação, dos impostos que nos oneram. A votação na Câmara foi determinada pela obediência da maioria, a chamada "base aliada", à ordem do governo.
A decisão do Poder Legislativo, porém, não tem validade prática. O que extinguiu, com apoios ponderáveis na população, pode ser reposto pelo governo, sem mais exigência do que alguns artifícios, além do mais, vários deles de legalidade muito duvidosa. O Poder Legislativo só se justifica quando se sujeita ao governo? Ou há algo de perigosamente errado aí ou não têm razão de ser o Congresso e as tumultuantes eleições de que resulta.
E como o governo se impõe? É, apenas, como governa o ano todo, todos os anos. Com a simplicidade de uma medida provisória. A partir de sua posse, Lula emitiu, em média, uma MP a cada quatro dias úteis. Conta que lhe dá o benefício de nem descontar, dentre os dias úteis, os dias em que esteve viajando e, portanto, não despachou na Presidência. Em relação a 2007, mesmo se lhe dermos o benefício de descontar apenas os seus dias de viagem, sem fazê-lo em relação aos fins de semana e feriados, a média de Lula fica em uma MP emitida a cada 3,5 dias.
Não sei como denominar esse sistema institucional. Mas democrático, por certo não é.

Além da conta
No palavrório sobre a perda e a recomposição orçamentária para este ano, por efeito da queda da CPMF, o governo está exagerando em uma coisa e outra, e os comentários o têm acompanhado. É da técnica tradicional dos governos brasileiros, na elaboração do Orçamento da União submetido ao Congresso, prever arrecadação inferior à de fato esperada. O governo Lula tem mostrado habilidade especial nesse truque. Com o qual é obtida a vantagem imediata de diminuir a voracidade dos parlamentares por alterações que os beneficiem e, como vantagem posterior, a colaboração de excedentes para os saldos anuais formidáveis.
Na lengalenga da perda e dos cortes, o velho expediente não se confunde com precaução, é truque mesmo. Inclusive porque o governo nem estaria obrigado a gastar as verbas destinadas pelo Orçamento, que é apenas autorizativo do que pode gastar se quiser.

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