30 junho 2007

ELES SÃO OBA!, EU SOU EPA!

Diogo Mainardi

"Os Oba! são otimistas, alegres e donos de um caráter flexível. Os Epa!, por outro lado, são censuradores, precavidos e facilmente escandalizáveis. Os brasileiros sempre foram esmagadoramente Oba!. Somos uma espécie de paradigma universal do Oba!, com focos
isolados e desorganizados de Epa!"

"O mundo se divide em dois tipos de pessoas: as que gritam Oba! e as que exclamam Epa!". Quem disse isso? Demócrito? Santo Agostinho? Leibniz? Nietzsche? Nenhum deles: foi Ivan Lessa, no Pasquim. A frase resume tudo o que conseguimos aprender até hoje sobre o ser humano. De acordo com Ivan Lessa, os Oba! são otimistas, alegres, aproveitadores, oportunistas, barulhentos e donos de um caráter flexível. Os Epa!, por outro lado, são censuradores, precavidos, desconfiados, facilmente escandalizáveis, dotados de um caráter rígido e de pouquíssimo senso de humor.

A popularidade de Lula já foi analisada sob diferentes prismas. Faltou um: o que aplica à realidade política a tipologia do Oba! e do Epa!. Os brasileiros sempre foram esmagadoramente Oba!. Somos uma espécie de paradigma universal do Oba!, com focos isolados e desorganizados de Epa!. O grande mérito do lulismo foi separar claramente as duas categorias: uma para cá, outra para lá. Tome-se a última pesquisa CNT-Sensus, publicada alguns dias atrás. Entre os eleitores que ganham até 380 reais, 72,3% festejam Lula com um alegre e ruidoso Oba!. Entre os que ganham mais de 7 600 reais, há apenas 31,7% de Oba! e uma arrasadora maioria composta de 65,9% de censuradores e escandalizados Epa!.

É bom que os que ganham até 380 reais estejam dizendo Oba!. Podemos parar de nos preocupar com eles. Quanto menos a gente se preocupar com eles, melhor para eles e melhor para nós. Agora que o lulismo reintroduziu no Brasil uma pitada de identidade de classe, contrapondo ricos e pobres, temos de encontrar um jeito de preservá-la. Quando um jornalista do Oba! Oba! vier pedir anúncios à sua empresa, diga Epa! e mande-o procurar o governo. Quando um ator ou cantor do Oba! Oba! aparecer pleiteando patrocínio para seu espetáculo, diga Epa! e nem o receba. Quando um professor universitário tentar doutrinar seu filho com o Oba! Oba! de Mészáros, Guattari ou Sachs, diga Epa!, tire seu filho da universidade e arrume-lhe um emprego. Quando um diretor de TV propuser uma minissérie esteticamente arrojada a partir da obra do Oba! Oba! Ariano Suassuna, diga Epa!, mude de canal e veja um enlatado americano.

É assim que eu protesto contra a turma do Oba!: todos os dias, às 4 da tarde, interrompo minhas atividades para ver a reprise de um episódio de The Office, a prova mais evidente da superioridade moral e intelectual da turma do Epa!. De tanto assistir a The Office, é capaz que um dia eu ainda consiga derrubar Lula. Reinaldo Azevedo, em seu blog, comparou os antilulistas àqueles cavaleiros medievais do Monty Python que acreditam poder derrotar seus inimigos berrando um estridente Ni!. É verdade. Se 100.000 pessoas se reunissem na Candelária e berrassem juntas Ni! ou Epa!, o governo cairia na hora. O problema é que a turma do Epa! jamais conseguiria se organizar para reunir 100.000 pessoas num mesmo lugar. É bem melhor ficar em casa vendo TV e zombando da turma do Oba!.

29 junho 2007

DERROTA A SER COMEMORADA

Editorial da Folha de S. Paulo

A proposta de implantar o sistema de votação em lista fechada no país, além de ruim na sua essência, enfrentava uma grande dificuldade para que fosse aprovada na Câmara. A maioria dos deputados teria de aceitar conferir um cheque em branco às oligarquias partidárias, que seriam as responsáveis de fato pela ordenação das listagens impostas ao eleitorado.
Esse fator natural de resistência foi responsável pelo naufrágio da lista fechada na quarta. Tampouco emplacou a fórmula confusa, a chamada lista flexível, ensaiada para tentar salvar algo da proposta original. O fato a comemorar é que está derrotada, e não deve voltar à pauta tão cedo, a idéia de obrigar o eleitor a votar em listas preordenadas pelas cúpulas partidárias nos pleitos para vereador e deputado.
Os deputados deveriam agora aproveitar o momento e derrubar a proposta do financiamento público exclusivo de campanhas, bem como a sua versão "flex". Esta escancara que os proponentes da regra querem mesmo, em meio a promessas de que o sistema diminuirá a corrupção, é aumentar o dinheiro que os contribuintes já repassam às legendas.
Derrubados os pilares da "reforma política" que só interessava às elites partidárias, a Câmara poderá debruçar-se sobre uma agenda que esteja em sintonia com os anseios da sociedade. Em vez de ampliar os saques do erário, as siglas deveriam aprovar a prestação de contas instantânea, na internet, de candidatos e partidos -com identificação do doador e do destino dos recursos.
Em vez de retirar poder do eleitor, é preciso garantir, com a fidelidade partidária, que a configuração das casas legislativas expresse a vontade das urnas. E o desejável objetivo de fortalecer os partidos não precisa ser perseguido por meio de uma absurda concentração de poder nas cúpulas. Basta que o Congresso aprove uma versão constitucionalmente robusta da chamada cláusula de barreira.

BOLA DA VEZ

NELSON MOTTA

Ao rasgar a alma, expor as vísceras e se dizer vítima de tentativa de assassinato moral, o senador Renan Calheiros pode até ser muito inteligente, como diz sua ex-amada Mônica, mas o estilo é brega demais.
O veterano senador Gilvan Borges foi direto ao ponto, com autoridade: "Se for investigar todos os senadores a fundo e levá-los ao Conselho de Ética, não sobra um".
Mas não é verdade: sobram todos.
Só os idiotas não perceberam que os conselhos de ética não foram criados para punir os parlamentares, mas para protegê-los. Se julgados pela Justiça, mesmo em seus foros privilegiados, eles estão submetidos às mesmas leis e critérios que todos os cidadãos. No conselho, são julgados pelos colegas, entre o espírito de corpo e o de porco, a solidariedade corporativa e a formação de quadrilha. Não pode mesmo dar certo, na verdade é feito para não dar certo. Sabe como é, brasileiro é muito sentimental.
Com Renan e Roriz sob os holofotes - um tentando provar que tinha, e o outro que não tinha dinheiro-, o Senado passou à bola da vez, e a turma da Câmara está festejando: é um duplo alívio nas atribulações de boa parte de seus membros. A cada novo escândalo, os envolvidos no anterior comemoram: já quase nem se fala em Zuleido e na Operação Navalha. Ninguém se lembra mais dos nomes dos sanguessugas. A imprensa e o público estão viciados em escândalos, querem sempre mais, mais fortes. E os envolvidos também.
Ao se solidarizar com Roriz, Renan estava principalmente agradecendo ao correligionário e colega pecuarista por ter dividido o fogo da imprensa com ele. Sabe como é, uma mão suja a outra.
Roriz, depois de muito chorar, rezar e pedir compaixão a seus pares, aguarda sereno e confiante o próximo escândalo.

"UM CARA DESSES"

ELIANE CANTANHÊDE

Quando os filhos são pequenos, chutam a canela da empregada, e os pais acham "natural", fingem que não vêem. Já maiores um pouco, comem o que querem, na hora em que querem, não falam nem bom dia para o porteiro e desrespeitam a professora. Na adolescência, vão para o colégio mais caro, para o judô, para a natação, para o inglês e gastam o resto do tempo na praia e na internet. Resolvido.
Dos pais, ouvem sempre a mesma ladainha: o governo não presta, os políticos são todos ladrões, o mundo está cheio de vagabundos e vagabundas. "E quero os meus direitos!" Recolher o INSS da empregada, que é bom, não precisa.
É assim que os filhos, já adultos, saudáveis, em universidades, são capazes de jogar álcool e fósforo aceso num índio, pensando que era "só um mendigo", ou de espancar cruel e covardemente uma moça num ponto de ônibus, achando que era "só uma prostituta".
A perplexidade dos pais não é com a monstruosidade, mas com o fato de que seu anjinho está sujeito - em tese - às leis e às prisões como qualquer pessoa: "Prender, botar preso junto com outros bandidos?
Essas pessoas que têm estudo, que têm caráter, junto com uns caras desses?", indignou-se Ludovico Ramalho Bruno, pai de Rubens, 19.
Dá para apostar que ele votou contra o desarmamento, quer (no mínimo) "descer o pau em tudo quanto é bandido" e defende a redução da maioridade penal. Cadeia não é para o filho, que tem estudo e dinheiro, um futuro pela frente. É para o garoto do morro, pobre e magricela, que conseguir escapar dos tiroteios e roubar o tênis do filho.
Isso se resolve com o Estado sendo Estado, com justiça, humanidade e educação - não só com ensino para todos e professores mais bem treinados e mais bem pagos, mas também com a elementar compreensão de que "o problema", e os réus, não são os pobres. Ao contrário, eles são as grandes vítimas.

28 junho 2007

SÓ...RIA!

José Simão

Boi, boi, boi. Boi da grana preta. Acorda esta criança. Que é filha de empreiteira! Esse é o novo hit da nova dupla sertaneja Renan e Roriz, os animadores de vaquejada.

E antigamente era filha de chocadeira, agora é filha de empreiteira. Antigamente, ter filho fora do casamento dava bode; agora, dá vaca.

Essa história não vai acabar em pizza, vai acabar em estrogonofe

E a Mônica do Renan vai posar para a "Playboy". Aí vira Playboi. Se fosse a Dercy, seria Playlanca. E se fosse a Sandy, seria PLAYCENTER!

E aí o cara chegou pra loira: "Que curvas, hein?". "Nem me fale. Eu bati o carro sete vezes pra chegar nessa festa."

Cartilha do Lula:
Mais um verbete pro óbvio lulante. "Cálculo renal": companheiro Renan calculando as vacas.

UTI DA PALAVRA

CARLOS HEITOR CONY

Desde criança estranho qualquer tipo de sigla. Sei que são necessárias e práticas, reduzem qualquer conceito ou fato a poucas letras. Lá atrás, em respeito ao nome de Deus, os judeus criaram a primeira sigla, que foi Javé, uma combinação cabalística de conceitos cuja soma se refere a Adonai, o Senhor.
Não entendo línguas orientais, mas sei que os criptogramas funcionam mais ou menos como siglas, determinado sinal significa uma árvore, a repetição do mesmo sinal significando floresta.
Fiquei pasmo quando me explicaram que SOS, que eu sabia ser o pedido de socorro, significava "save our soul" (salve nossa alma). Em princípio, quem pede socorro quer salvar a pele, e não exatamente a alma. Seria o "save our skin".
A tecnologia, em seus diferentes estágios, inundou o mercado com siglas complicadíssimas. Ler o placar de uma Bolsa de Valores ou a rota de um avião que vai de um lugar a outro é topar com uma sucessão de siglas esotéricas, algumas impronunciáveis, porque não têm vogais.
Louvemos a Aids, que pode ser dita, o SUS, que é quase uma variação do SOS, e outras poucas que entram fácil pelo ouvido e pela compreensão. Daí a precariedade dos dicionários, que não podem acompanhar a velocidade com que são criadas as siglas que participam do nosso cotidiano.
VHS, DVD, MPB, TPM, PTA, PAC - poderia encher milhares de páginas citando milhares de siglas. Os manuais de redação dos jornais tentam disciplinar o uso ou o abuso desse recurso, que, afinal, procura poupar tempo e espaço na comunicação oral ou escrita.
Um dia, chegaremos à simplificação máxima do MTYJ - "me, Tarzan, you, Jane". Em matéria de linguagem, atingiremos o topo e poderemos ir definitivamente para a UTI da palavra.

"FEDENDO"

ELIANE CANTANHÊDE

Sabe o que o plenário do Senado parecia ontem à tarde, durante o discurso de renúncia do senador Sibá Machado da presidência do Conselho de Ética? Parecia uma arena, com petistas, tucanos, democratas, peemedebistas etc. no centro, prontos para serem devorados pelos leões - ou pelos próprios erros.
A perplexidade, a humilhação, a vergonha pairavam no ar. Renan Calheiros, o pivô da crise, presidia a sessão. Sibá, a terceira baixa do conselho, discursava, simples, coloquial, um tanto desfocado. E vieram os elogios de praxe, típico nhenhenhém de quando não há o que dizer, só lamentar.
Até que... o senador Jarbas Vasconcelos botou o dedo na ferida, ou nas feridas, com a tarimba de dois mandatos de governador em Pernambuco, a coragem de ex -""autêntico" do velho MDB e a independência de dissidente do atual PMDB. Doeu, mas fez bem.
Ele se referiu ao processo contra Renan como "trapalhada", disse que o Senado está com a imagem "maculada" e indo para o "imponderável". "Como instituição, está-se estrangulando." "Não pode ficar sangrando e, mais do que isso, fedendo." "O Congresso não pode mergulhar na lama." Silêncio, troca de olhares, discreta aprovação.
Quando a situação se deteriorou (há dias, ou semanas?), Jarbas não pediu nem a renúncia nem a cassação de Renan, mas, sim, que ele se afastasse da presidência -""para não nos causar constrangimento, inclusive o que causa hoje, presidindo a sessão".
Sentado à mesa principal, Renan Calheiros, envelhecido, sem energia, tinha cadeiras vazias à sua esquerda e à sua direita a maior parte do tempo. Será que os senadores estavam com vergonha de serem fotografados ao lado dele? O constrangimento era imenso, doído, quase palpável. De Renan e também do Senado, que se transformou em arena porque quis.

27 junho 2007

ÊNIO VERRI: MINISTRO?

O deputado estadual e atual Secretário de Estado do Planejamento, Ênio Verri, está sendo cogitado para assumir um ministério. Por enquanto, ainda não há informações sobre qual ministério seria. Mas, com a experiência e competência de Ênio Verri não fica difícil a escolha para o presidente Lula.
Quando Ênio foi eleito, publicamos aqui que acreditávamos em seu nome e que com certeza, ele iria se destacar. Esta não foi uma previsão difícil, pois quando se alia competência e seriedade, as coisas acontecem de forma natural.
E aí está o resultado do trabalho desenvolvido por Ênio Verri.

26 junho 2007

AGRICULTOR X SEM TERRA

O gasto que o governo federal tem para assentar uma família sem terra no país é de R$ 58,1 mil na região Sul e Sudeste, segundo dados do próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário, e incluem investimentos em 2004 e 2005, sem contar gastos com a manutenção da família nos primeiros anos.

Comparando estes custos acima aos investimentos feitos com o pequeno agricultor e o pequeno agro-negócio, que são produtores que às custas de muito esforço e determinação, permanecem ainda tirando seu sustento da agricultura, chegamos a triste conclusão de que há um desequilíbrio no fiel da balança, pois estes que possuem afinidades com a terra por não ter deixado nunca suas origens não têm tido a mesma sorte em receber incentivos para permanecer no campo, gerando renda. Isto nos leva a pensar: quando deixaremos de ser um país que pensa nas pessoas somente quando elas deixam de ser solução e passam a ser um problema social? Ou melhor, não pensa nas pessoas nem no país, mas sim na imagem de quem governa? Pois o dia em que um governante pensar no que é melhor para o país e para as pessoas, certamente teremos um país mais justo e melhor, onde não precisaremos esperar que um agricultor vire um sem terra e sem emprego, para receber benefícios, o que poderá ser tarde, pois este já não tem mais intimidade com a terra.


Acredito num país melhor, mas isto depende de todos nós, não só dos governantes, pois estes são eleitos por nós, o nosso voto não deve ser do mais bonzinho, ou daquele que simplesmente ajuda a pagar uma conta de água ou luz, pagar cervejas ou pinga em um bar, mas sim aquele que pensa em construir condições para que todos tenham dignidade para sustentar suas famílias de forma condizente com seu esforço na busca de uma vida melhor.

23 junho 2007

A FADA SININHO

Diogo Mainardi

"Quando a bomba dos piratas está para estourar no colo de Lula, aparece Elio Gaspari, batendo as asinhas. Ele carrega a bomba para longe e – bum! – estoura junto com ela, sempre pronto a se sacrificar pela Terra do Nunca"

Peter Pan tem a fada Sininho. Lula tem Elio Gaspari. Elio Gaspari é a fada Sininho de Lula. Quando a bomba dos piratas está para estourar no colo de Lula, providencialmente aparece Elio Gaspari, batendo as asinhas. Ele carrega a bomba para longe e – bum! – estoura junto com ela, sempre pronto a se sacrificar pela Terra do Nunca.

A última bomba que Elio Gaspari afastou de Lula foi Vavá. Num artigo recente, ele ficou vermelho de raiva, como a fada Sininho, e afirmou que Vavá estaria sendo "covardemente linchado porque é irmão do presidente da República". O artigo foi elogiado e reproduzido por todo o agitprop lulista, do site do PT ao blog de José Dirceu. Elio Gaspari argumentou que a meta dos linchadores de Vavá era atingir a jugular de Lula. Para isso, eles o teriam desqualificado como "lambari, deseducado e pé-de-chinelo". Eu entendi direito? Elio Gaspari está dizendo que, quando Lula chamou Vavá de lambari, ele pretendia atingir, na realidade, sua própria jugular? Lula queria dar um golpe nele mesmo?

Elio Gaspari, em seu artigo, garantiu que nenhum governante teve uma família que "veio de origem tão modesta e continuou a viver em padrões tão modestos" quanto Lula. Para que sua tese pudesse vingar, ele relegou marotamente a um mero parêntese o principal caso de sucesso familiar dos da Silva: "(Noves fora o Lulinha da Gamecorp)". De acordo com Elio Gaspari, Vavá é igual a Billy Carter, o caipira alcoólatra que virou lobista do governo líbio e foi usado para atingir seu irmão, Jimmy Carter, o presidente americano que "passará para a história como um exemplo de retidão". Presumo que, para Elio Gaspari, o governo Lula também seja um exemplo de retidão. Noves fora Waldomiro Diniz. Noves fora Delúbio Soares. Noves fora Marcos Valério. Noves fora Duda Mendonça. Noves fora Jorge Lorenzetti.

A imprensa está cheia de gente disposta a se imolar por Lula. Elio Gaspari é melhor do que os demais porque ninguém o associa a Lula, e sim a José Serra. Se ele livra a cara de Vavá, Vavá deve ser inocente, porque Elio Gaspari é serrista. Se ele livra a cara de Freud Godoy, Freud Godoy deve ser inocente, porque Elio Gaspari é serrista. Uma parte da esquerda, representada por Elio Gaspari, acredita que o melhor para o país é uma espécie de compromisso histórico entre PT e PSDB, como se os dois partidos saqueassem menos do que PMDB e DEM. Para que o compromisso histórico se realize, é necessário salvaguardar Lula.

Poucos dias depois de denunciar o linchamento de Vavá, Elio Gaspari apresentou mais uma teoria estapafúrdia. Ele defendeu que, "se a prisão de um compadre do presidente é recebida pela sociedade como um indicador de que a roubalheira aumentou, aumentará a roubalheira". Sim: Elio Gaspari está atribuindo a roubalheira a quem protesta contra Lula. O pior é que ele faz isso baseado no caso de Hong Kong. Em 1974, Hong Kong criou uma agência independente, com poderes draconianos, para perseguir a roubalheira estatal. Deu certo. Muitos corruptos foram descobertos. Muitos corruptos foram presos. É um modelo a ser imitado. Pena que a fada Sininho do lulismo esteja em outra. Ela só quer salvar Peter Pan. Bum!

21 junho 2007

RENAN E MANGABEIRA

CARLOS HEITOR CONY

"O Senado está tranqüilo, trabalhando normalmente, e é isso o que o povo quer". A declaração foi feita na manhã de ontem, na CBN, pelo ainda presidente daquela casa do Congresso, Renan Calheiros. Acredito que ele esteja mal informado. Há mais de duas semanas que os senadores estão engolfados num dos processos mais complicados de sua história.

Preço do boi de Alagoas, recibos de firmas fictícias, faturas rasuradas de açougues do interior alagoano, lobistas pagando pensão a uma ex-gestante transformada em mãe de uma filha de senador, uma tonelada de documentos que, examinados no banheiro por Epitácio Cafeteira, obrigou-o a pedir licença da Comissão de Ética para tratamento de saúde, um ex-coveiro que chegou ao Senado sem voto porque é suplente e agora acumula a função de relator e presidente da comissão, tudo isso escapa das atribuições de uma casa do Poder Legislativo.

Por falar em "casa", a tolerância a respeito de tanta trapalhada na vida pessoal e contábil de Renan Calheiros está ameaçando transformar o Senado, literalmente, numa casa de tolerância. Vozes autorizadas das melhores expressões de nossa vida pública, e que integram o Senado, já se manifestaram a favor do afastamento do atual presidente do cargo que ocupa.

A mídia, numa das raras ocasiões de unanimidade, vem apontando diariamente para o grau de desmoralização de um colegiado no qual o corporativismo de alguns de seus membros menospreza a opinião pública.

Renan Calheiros deve se mirar no exemplo do Mangabeira Unger, que teve um longo prazo para ocupar o ministério que tratará do nosso distante futuro. Sempre há tempo para pedir perdão por uma besteira do passado, desde que a humildade do gesto garanta a vaidade transitória do poder.

REPORTAGEM INVESTIGATIVA

ELIANE CANTANHÊDE

Em mais de três horas no aeroporto de Congonhas, anteontem à noite, sem afinal embarcar, tive tempo suficiente para descobrir a tal "elite branca", perversa e inimiga do Lula, do PT, do povo e do próprio país. A perigosa elite que anda de avião!
Nas filas do check-in, do controle do código do cartão de embarque, do detector de metais, dos sanduíches (imensas) e do próprio embarque, a "elite" disfarçava bem. Não me pareceu ameaçadora, e sim gente como a gente: funcionários e funcionárias, empregados e empregadas, empresários e empresárias, profissionais liberais, estudantes, artistas, fotógrafos, pais e mães que dão duro e andam pra lá e pra cá de avião para reuniões, entrevistas, acordos, negócios e shows. Não estavam passeando, nem estavam aí para brincadeira.
Mas, enfim, a ministra do Turismo mandou todo mundo relaxar e gozar e, sinceramente, aquelas milhares de pessoas estavam até bem relaxadas e gozadas. Ninguém exigia "meus direitos", nem xingava o governo nem a mãe de ninguém.
Talvez pela culpa. Os banqueiros e grandes empresários que andam de jatinho estão felizes da vida com o governo, mas os profissionais que têm de se virar nas companhias aéreas se sentem vítimas, mas são vilões. Afinal, andar de avião virou pecado, coisa de rico, desalmado, antipovão. Quanto mais atraso, melhor. Bem feito!
Até 29 de setembro de 2006, tudo ia muito bem, sem atrasos e sem caos. Caiu o Boeing da Gol e tudo mudou. Equipamento? Buraco negro? Nevoeiro? Consoles? Não, apenas inverteram-se todos os papéis: os controladores não controlam e param o país quando bem entendem, o comando da Aeronáutica bate cabeça e não comanda, o ministro da Defesa se defende e viaja, e Lula... bem, lava as mãos.
No mais, isso também mudou: a classe média virou "elite" e "golpista", precisa se purificar...

INCOMPETÊNCIA CRÔNICA

Editorial da Folha de S. Paulo

O termo "crise" já não se presta a qualificar o que ocorre nos aeroportos brasileiros. "Crise" vem do grego "krísis", palavra que, no vocabulário hipocrático, designava o "momento decisivo", a partir do qual o paciente ou bem melhorava ou iria ter com Caronte, o barqueiro que transportava as almas para o reino dos mortos.
Os problemas no setor aéreo se arrastam já há praticamente nove meses e nada de decisivo acontece. O paciente nem se cura nem morre, permanece experimentando as agruras de uma moléstia crônica e, ao que tudo indica, além da competência terapêutica do governo.
Desnecessário dizer que nove meses é tempo suficiente, se não para recuperar inteiramente o setor, pelo menos para apresentar um diagnóstico preciso do caso e traçar uma estratégia de tratamento adequada.
O governo, entretanto, não chegou nem perto disso. A Aeronáutica minimiza a obsolescência de seu equipamento, preferindo atribuir a desordem à insubordinação dos controladores. Estes, por seu turno, insuflados por promessas irresponsáveis feitas pelo governo, continuam à vontade para lançar operações-padrão e tentar arrancar concessões na base da chantagem.
Falham também as companhias aéreas. Não são as principais responsáveis pela balbúrdia, mas têm sido incapazes de desenvolver um sistema para manter seus clientes informados e para diminuir seu desconforto.
Quanto ao passageiro, que paga pesadas taxas aeroportuárias para ter um sistema operacional, depois de amargar horas em filas sem ter o que comer e beber e sem saber o que está acontecendo, é instruído pela ministra do Turismo a "relaxar e gozar".
Num país menos relaxado, tais fatos fariam o governo se mexer.

NADA DE APRENDIZADO

Editorial da Folha de S. Paulo

Com aumento de cargos preenchidos por políticos, o governo Lula reincide num vício que ajudou a produzir o mensalão

Em atos e discursos, o governo Lula está empenhado em reescrever a história recente. Na narrativa enviesada, o mensalão -e todas as graves distorções da política nacional que o escândalo revelou- vai se tornando uma nota de rodapé. Se tanto.
Logo após a seqüência de notícias dando conta da dimensão do valerioduto e suas ramificações nos negócios do governo e no Congresso, a gestão Lula, atordoada, ao menos fingia estar preocupada em atacar algumas das causas dos desmandos. O mês de julho de 2005 começava com a promessa de redução drástica nos cargos de confiança da máquina federal, onde vicejam negociatas de todo calibre.
O Planalto falava em reduzir o número de postos preenchidos por critérios políticos (havia 20 mil na administração direta) para 4.500, num prazo de até oito meses. "O presidente fará uma reforma que vai enxugar o número de ministérios e reduzir os cargos de confiança", afirmava o então líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).
Nada disso, obviamente, aconteceu. Passou o tempo, Lula foi reeleito e, dois anos depois, seu governo anuncia o oposto: vai aumentar os cargos de livre provimento, que ultrapassarão 22 mil, e reajustar suas remunerações. O objetivo é satisfazer a clientela de sempre -ora inflacionada pela hipertrofia da aliança que une comunistas, liberais, neopentecostais, sem-terra, ruralistas, peemedebistas de todos os currais e tantos outros.
Não se acomoda inteiramente ao governo Lula o rótulo aplicado aos Bourbon, aqueles que "nada aprenderam e nada perdoaram" após a Revolução Francesa. O presidente sabe perdoar. A posse ao filósofo Mangabeira Unger, ácido crítico do governo até há pouco tempo, foi só a manifestação mais recente do espírito de reconciliação presidencial, que já contemplara Sarney, Collor, Maluf, Quércia.
Já na incapacidade de retirar lições dos traumas históricos, a cúpula lulista se aproxima bem da dinastia francesa. Cenas explícitas de corrupção nos Correios e o envolvimento em desmandos de assessores no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Instituto de Resseguros do Brasil e na Casa da Moeda, entre outros, não tiveram valor pedagógico nenhum para o governo.
Pelo contrário, o Planalto parece ter tomado a impunidade como salvo-conduto. Não apenas replica o loteamento político da máquina federal mas o amplia. Seria cômico, se não representasse prejuízos para o cidadão -como contribuinte e usuário dos serviços públicos-, o fato de a base governista estar discutindo ampliar o financiamento público de campanhas e torná-lo exclusivo neste momento.
Quer-se proibir a doação privada às legendas justamente quando estão sendo aumentados os pontos de contato (cargos de confiança) entre os partidos enquistados na máquina pública e os lobbies e os negociantes interessados em contratos e concessões do Executivo e de estatais.
O paradoxo é apenas aparente. As ações se compõem no sentido de fertilizar o submundo das negociatas à custa do erário.

19 junho 2007

PRINCÍPIOS DE GOEBBELS

Do Blog do Rigon

Os 11 princípios de Joseph Goebbels, ministro da propaganda do Partido Nazista alemão (a mais conhecida é "Uma mentira repetida mil vezes se converte em uma verdade"):

Princípio de simplificação e do inimigo único. Adotar uma única idéia, um único símbolo. Individualizar o adversário em um único inimigo.

Princípio do método de contágio. Reunir diversos adversários em uma só categoria ou indivíduo. Os adversários hão de constituir-se em suma individualização.

Princípio da transposição. Carregar sobre o adversário os próprios erros ou defeitos, respondendo o ataque com o ataque. Se não podes negar as más notícias, inventa outras que as distraiam.

Princípio do exagero e da desfiguração. Converter qualquer anedota, por pequena que seja, em ameaça grave.

Princípio da vulgarização. Toda propaganda deve ser popular, adaptando seu nível ao menos inteligente dos indivíduos aos quais é dirigida. Quanto maior seja a massa a convencer, menor há de ser o esforço mental a realizar. A capacidade receptiva das massas é limitada e sua comprensão escassa; ademais, tem facilidade para esquecer.

Princípio de orquestração. A propaganda deve limitar-se a um número pequeno de idéias e repeti-las incansavelmente, apresentando-as uma e outra vez de diferentes perspectivas, mas sempre convergindo sobre o mesmo conceito. Sem fissuras nem dúvidas. É daqui que vem a famosa frase: "Se uma mentira se repete suficientemente, acaba por converter-se em verdade".

Princípio de renovação. Há que emitir constantemente informações e argumentos novos a um ritmo tal que, quando o adversário responder, o público esteja já interessado em outra coisa. As respostas do adversário nunca poderão contrariar o nível crescente de acusações.

Princípio da verosimilhança. Construir argumentos a partir de fontes diversas, através dos chamados globos, sondas ou de informações fragmentárias.

Princípio do silenciamento. Calar as questões sobre quais não se tem argumentos e dissimular as notícias que favorecem o adversário, também contra-programando com a ajuda de meios de comunicação afins.

Princípio da transfusão. Por regra geral, a propaganda opera sempre a partir de um substrato pre-existente, seja uma mitologia nacional ou um complexo de ódios e prejuízos tradicionais. Se trata de difundir argumentos que podem se transformar em atitudes primitivas.

Princípio da unanimidade. Chegar a convencer muita gente que pensa 'como todo o mundo', criando uma falsa impressão de unanimidade.

IGUALDADE PARA OS DESIGUAIS

Todos são iguais perante a Lei (Art. 5º da Constituição Brasileira).

Será que este Artigo da Constituição foi escrito para nós, brasileiros, ou é para servir apenas de mais uma utopia criada com o objetivo de impor igualdade para os desiguais? Porque é assim que entendemos sua aplicação.

Enquanto vemos uma classe privilegiada ocupar cargos de Deputados, Senadores, Governadores e até integrantes do Judiciário, cometendo crimes dos mais variados, e quando são pegos inventam as mais esfarrapadas desculpas que estão mais para conto da carochinha do que para a verdade, e diante do corporativismo existente e do fato que o julgamento cabe a estes mesmos, o resultado é um só: impunidade absoluta.

Enquanto do outro lado, temos a igualdade dos que podemos chamar de desiguais, que são trabalhadores, pais de famílias, pagadores de impostos, mas sem direito à saúde digna, educação, segurança e lazer. Para estes, que são os maiores responsáveis pela grandeza da nação, a Lei é aplicada, e em muitos casos com severidade. E para distanciar ainda mais as diferenças entre os iguais e desiguais, citamos alguns exemplos recentes: por seis votos a cinco os Ministros do STF estabeleceram que a Lei de Improbidade Administrativa não pode ser aplicada a detentores de cargos em primeiro escalão, outro exemplo é o que os partidos governistas querem mudar na legislação eleitoral, que estabelece a lista fechada, ou seja, não iremos mais votar no candidato a deputado, mas sim numa lista determinada pelo Partido. Perguntamos: onde há nisto democracia, cadê o direito de escolha? Sem contar que em nosso entendimento abre-se uma grande brecha que beneficia aqueles que têm maiores condições econômicas, até para comprar uma vaga de deputado. Tudo isto e muito mais, está acontecendo de forma lenta e sutil, e justamente por aqueles que mais lutaram contra as injustiças e falta de liberdade em nosso país.

Mas até quando iremos assistir a tudo passivamente, quando iremos acordar do sono da indiferença a tudo que está acontecendo? Brigamos, protestamos quando somos feridos em nossos direitos individuais, mas não percebemos quando somos feridos nos direitos coletivos, que a médio e longo prazo pode significar prejuízo ainda maior.

A sociedade que queremos depende de cada um de nós, principalmente quando a assunto é coletivo.

SELEÇÃO SEM POVO

RUY CASTRO

De 1958 a 1982, o Brasil teve um caso de amor com sua seleção de futebol. E ela fazia por onde: venceu três Copas do Mundo, jogou partidas inesquecíveis no Maracanã e no Morumbi e consagrou três gerações de jogadores. Havia mais craques na praça do que vagas no time, e nada superava a honra de uma convocação.
Fora da seleção, esses jogadores entravam em campo todos os domingos por seus clubes -nossos clubes. Podiam ser amados ou odiados no fragor doméstico, mas, no que vestiam a camisa amarela, cessava o vodu. A seleção tinha até torcedores próprios, e não apenas entre os que só se ligam em futebol na Copa por um vago ardor patriótico.
Mas isso acabou. A seleção é, há muito, um feudo de jogadores que atuam no exterior, defendendo camisas com as quais nada temos a ver. Por vários motivos, também não a assistimos em nossos estádios -há sete anos, por exemplo, ela não joga no Rio. E, como aconteceu na última Copa, a seleção, convocada na Europa, não veio ao Brasil nem para pedir a bênção do povo que representava. Deu no que deu.
As razões são muitas, mas o fato é que a seleção se divorciou do povo. Não é mais o Brasil. Reduziu-se a uma legião estrangeira que, mecanicamente, canta o hino antes do jogo. Ex-ídolos nacionais como Kaká, Ronaldinho Gaúcho e Robinho preferem jogar por seus milionários clubes a jogar pela seleção. E estão certos: só quem vai à Europa sabe o que eles representam em paixão para os torcedores desses times. São deuses em suas cidades.
Vem aí uma opaca Copa América. Os craques a desprezam e a torcida brasileira, com razão, também não está nem aí. Qualquer campeonato local envolvendo o Arapiraca, o Botucatu ou o Cascavel será mais emocionante, se um desses for o nosso clube de coração. A camisa precisa estar perto do peito.

18 junho 2007

A FORÇA DO POVO

O artigo de Pedro Simon (senador, PMDB-RS), publicado abaixo, expressa exatamente a minha opinião.
E mais uma vez cito a (triste) frase de Lima Barreto: "O Brasil não tem povo, tem platéia."
Enquanto o povo brasileiro assistir pacificamente a tudo, nada mudará.
Eu, você, nós, temos o direito e o dever de lutar por um Brasil melhor, mais forte e mais justo. Comecemos agora mesmo. Saiamos às ruas; conscientizemos nossos filhos, parentes, amigos e vizinhos; busquemos informação sobre nossa política, economia, educação e saúde; consultemos nossos direitos na Constituição, enfim, exerçamos nosso direito à democracia (ela ainda existe, não?).

Mais um pensamento para sua reflexão: "Nada muda se eu não mudar."

Vamos lá. Reage, Brasil!

P.S. - Preste atenção na última frase do artigo.


REAGE, BRASIL!


PEDRO SIMON

Não creio que as mudanças venham de dentro para fora. Daí a conclamação. Que o povo brasileiro ocupe as ruas e exija mudanças de atitude

Eu tive o cuidado, nesses dias, de reler os meus pronunciamentos, nos últimos 15 anos, sobre corrupção e desvios de recursos públicos. Fiquei, primeiramente, impressionado com a quantidade. Mas o que mais me impressionou nessa minha volta a um passado não tão recente é a atualidade de todos os meus discursos. Eu poderia escolher, aleatoriamente, qualquer um deles e repeti-lo, hoje. Mudaria o nome da operação da Polícia Federal ou o da CPI. O dos atores envolvidos, nem sempre.

Imagine a implantação, como eu defendi, já em 1995, da chamada CPI dos Corruptores. Na verdade, ela se confundia com uma CPI das Empreiteiras, tão reclamada agora. A comissão morreu no nascedouro, pela falta de vontade dos partidos e dos líderes partidários de investigar os desvios que, já então, povoavam a imprensa.

Se ela se concretizasse, não haveria hoje, quem sabe, necessidade da Operação Navalha, nem da Xeque-Mate, nem das outras operações e CPIs anteriores, como a dos Sanguessugas, a das Ambulâncias, a do Mensalão, a dos Correios, a Furacão, a Gafanhoto, a Matusalém, a Anaconda e tantas outras, com suas respectivas e criativas nomenclaturas.
Não sei quantas operações ainda virão. Nem como se chamarão. Nem quantas CPIs ainda se instalarão. Nem como se comportarão. Espero que não se esgote a criatividade da PF. Nem as minhas esperanças.

Não tenho nenhuma expectativa de que as mudanças que a população tanto reclama, em termos de valores e referências, venha a ser concretizada de dentro para fora. As últimas pesquisas de opinião pública dão conta de que essa mesma população também não acredita mais nas suas instituições públicas. É que nunca, em nenhum momento da nossa história política, os três Poderes da República estiveram tão contaminados pela corrupção. Há um poder paralelo, que se entranha no Congresso, no Executivo e no Judiciário, que faz com que as instituições públicas percam a legitimidade diante da sociedade civil.

É por isso que, apesar das nossas melhores intenções, não há que esperar, a partir do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, pelo menos no curto prazo, as mudanças políticas, obviamente no espaço democrático, que a sociedade tanto reclama.

Ocorre que a realidade brasileira, hoje, tamanha a barbárie, não pode esperar mudanças além do curto prazo. E, aí, há que ter uma imensa mobilização de fora para dentro.

É preciso que o povo seja, de fato, senhor da história. Sujeito, e não objeto. É preciso que a sociedade brasileira volte a exercitar a força das ruas.

Um movimento, que poderia orientar-se sob o lema "Reage, Brasil". Ora, um país com tantas e tamanhas riquezas como o nosso não pode permanecer mergulhado na barbárie.
Não pode conviver com a corrupção, com a miséria e a pobreza, com a violência, com o analfabetismo e com tão precárias condições de vida.

Por isso, a conclamação. Que a população brasileira ocupe, de novo, de maneira pacífica e democrática, as ruas e exija mudanças de atitude dos gestores da coisa pública, em todos os níveis. Que reclame por uma reforma política que legitime, verdadeiramente, as suas instituições democráticas.

Que imponha o término da corrupção. Que obrigue o fim da impunidade, principalmente para quem se locupleta com o sagrado dinheiro público. Que reconstrua um Estado em novas bases, verdadeiramente voltado para a democracia, a soberania e a cidadania. E que as leis busquem, de fato, o interesse coletivo, e não a sanha perversa de alguns. E que todos sejam iguais perante a lei, como determina a nossa Constituição Federal.

Ainda está presente na nossa memória o movimento das Diretas-Já, que marcou um dos momentos mais sublimes da nossa história e deu suporte para a abertura política e o resgate das liberdades democráticas.

Quem não se lembra dos jovens caras-pintadas, movimento que também ocupou as ruas de todo o país na luta contra a corrupção? Quem não se lembra de tantos outros momentos em que a sociedade ditou, verdadeiramente, os melhores rumos para a construção da história do país?
É hora de a sociedade organizada reagir. A partir dos movimentos das igrejas, das escolas, das famílias, dos sindicatos, das organizações de classe. Reagir, em todos os sentidos da palavra e da ação: de demonstrar reação, de protestar, de se opor, de lutar, de resistir. De agir, de novo.

A decência vai aonde o povo está.

A SALVAÇÃO

DANUZA LEÃO

A primeira coisa a fazer é pedir férias; em seguida, entre numa livraria e compre todos os livros que quiser

O Pan-Americano já chegou, praticamente, e quem gosta de esportes está vibrando. Mas as coisas ainda vão piorar; serão provas o dia inteiro, de todas as modalidades, e quem não puder estar presente basta ligar a televisão em qualquer canal para saber de tudo o que está acontecendo, da dor muscular de um jogador de vôlei ao romance que começou entre dois nadadores. Nada lhe será poupado.
Mas existirão os que odeiam esportes e durante um mês a vida não será fácil. É pensando no sofrimento deles que estou escrevendo.
A primeira coisa a fazer é pedir férias de um mês; em seguida, entre numa livraria e compre todos os livros que tiver vontade -os que puder e os que não puder (para isso existem os cartões de crédito). Depois, telefone para os jornais e revistas de que é assinante e diga que vai viajar, só volta em 15 de agosto, e que por isso quer suspender suas assinaturas, o que será um grande caminho andado. E mesmo que ainda não tenha acontecido a cerimônia de abertura do Pan, aconselho vivamente a tirar da parede a tomada da televisão, para ir se acostumando.
Verifique se a secretária eletrônica está funcionando e só atenda telefonemas de pessoas que, como você, odeiam esportes. Elas são em número muito maior do que você pensa, só que talvez não tenham coragem de dizer. E quando atender, fale de um filme que viu, de um livro que leu, e corte, sem cerimônia, qualquer tentativa de falar sobre competições, medalhas, qualquer coisa que se refira você sabe a quê.
Vai passar um mês isolado, mas o isolamento é necessário, às vezes, para pensar na vida. Aproveite para sonhar com tudo que gostaria de fazer e ainda não fez, os lugares onde gostaria de ir e ainda não foi, os romances que gostaria de ter e ainda não teve. Perca suas inibições e escreva; escreva sobre o que se passa na sua alma, sobre seus anseios mais secretos. E como não vai poder sair de casa nem um só dia antes que o acontecimento acabe, aproveite para arrumar sua casa. Todas, absolutamente todas, estão precisando de uma geral, tipo arrumar as gavetas, botar a papelada em ordem, jogar fora um monte de roupas que não vai usar nunca mais; faça essas coisas que nunca tem tempo de fazer, e isso lhe trará uma grande paz.
Só saia para dar uma volta com o cachorro, mas não se afaste de casa mais de 20 metros, pois o perigo anda à solta. Finja que surtou e não cumprimente o porteiro, pois ele terá, seguramente, um comentário a fazer sobre o assunto que você mais quer evitar na vida.
Quando o estoque de comida estiver acabando, peça por telefone e seja bem antipático com o entregador, para evitar você sabe bem o quê.
O problema vai ser a volta à vida normal. Muita gente ainda vai estar falando sobre o assunto, e você não pode confessar seus verdadeiros sentimentos sobre o mês tão palpitante -para eles- que passou, pois ninguém vai entender.
Invente, então, uma bela mentira; diga que passou o mês internado no hospital com a suspeita de uma doença grave e rara, e que os médicos exigiram que durante algum tempo você trabalhe e vá para casa, sem conversar sobre assunto algum.
E só volte a ser a pessoa que era antes quando os jornais anunciarem um novo escândalo -talvez a suspeita de um superfaturamento nas obras do Pan.
Aí você pode voltar a ser a pessoa que era, pois tudo estará esquecido, tão esquecido como o mensalão, a mesada que a gestante recebia de Renan Calheiros pelas mãos do lobista de uma empreiteira, do nome da construtora Gautama, de Vavá, da cafajestada de Lula com Mangabeira Unger e da grossura de Marta Suplicy, aquela moça que carrega um sobrenome tão nobre.
Ou você já esqueceu?

LISTA FECHADA

A Câmara dos Deputados deve aprovar o voto em lista fechada para eleições proporcionais?
Folha de S. Paulo


NÃO


Uma piora na qualidade da representação
JOSÉ ANÍBAL


Nesses dias de início de votação da reforma política, ouvimos com freqüência que nosso sistema eleitoral proporcional, "pior do que está, não pode ficar". Pode! Basta adotarmos o sistema de lista fechada ou qualquer outro atalho -como lista flexível- com o propósito de restringir ainda mais a representatividade dos parlamentares.
Também foi freqüente ouvir nesses dias a respeito do desgaste dos parlamentares quanto à obtenção de recursos para financiamento das campanhas. Criou-se uma indevida relação entre aprovar as listas e ter o financiamento público de campanha.
Cabe perguntar, como diria Ulysses Guimarães: como Sua Excelência, o eleitor, foi tratado nesses dias em Brasília? Para dizer o mínimo, como pano de fundo, longe, muito longe de ser o personagem principal que representa correntes, tendências, esperanças e desejos que devem ser resgatados pelos parlamentares em sua função de representação.
O que está em pauta, no atual estágio do debate, é se o eleitor vai escolher entre uma multidão de candidatos, votando num e, muitas vezes, elegendo outro -inclusive de outro partido-, como é atualmente, ou se as direções partidárias oferecerão uma lista com os nomes dos candidatos preordenados para ser sufragada.
Os dois modelos não contemplam um aspecto vital do aprimoramento e da progressiva melhora da representação popular, ou seja, a possibilidade de o eleitor reconhecer o seu deputado e fiscalizá-lo, punindo-o ou premiando-o na eleição seguinte.
Reforçar a qualidade da representação e, dessa forma, fortalecer a própria democracia deve ser o ponto principal da reforma política, que é defendida por 11 entre dez parlamentares. Se assim é, o objetivo central será construir uma relação mais estreita entre a população e o eleito, e não escondê-lo numa lista.
A tramitação da reforma política começou com uma tentativa enviesada e totalmente equivocada, para dizer o mínimo, de estabelecer o voto em lista como condição para combater outros males de nosso remendado sistema eleitoral.
É óbvio que podemos votar a fidelidade partidária e o fim das coligações proporcionais imediatamente. E abrir um procedimento acordado entre todos os partidos para decidir sobre o novo modelo para constituição da representação popular. Inclusive -e inevitavelmente, se quisermos fazer uma verdadeira reforma- com mudança constitucional para tratar do voto distrital. Caso contrário, a reforma não vai andar, se restringindo a um jogo de conveniências que, no limite, pode comprometer nossa democracia e o Parlamento, que já está debilitado, perdendo vitalidade e a confiança da população.
Os males da nossa representação não se resolvem com lista fechada ou aberta. Corrupção, mensalão, desdém com o que pensa a sociedade, impunidade, corporativismo etc. têm várias origens, mas, sem dúvida, a principal é a escassa possibilidade de o eleitor fiscalizar o parlamentar. Para isso, é imprescindível o voto distrital, que não só aproxima o eleitor do eleito como propicia a fiscalização.
A lista fechada retira do eleitor a possibilidade de escolher seu candidato e, dessa forma, faz piorar ainda mais a qualidade da representação, afastando o eleitor do eleito.
É equivocado dizer que a aprovação da lista fechada facilitaria o caminho para o voto distrital. A única certeza do voto em lista fechada é que o poder das burocracias partidárias seria eternizado. Os debates dessa semana mostram que é possível avançar, na Câmara, para um sistema eleitoral que resgate a legislatura atual de seu precoce envelhecimento, prenunciador de crise que podemos evitar.
É necessário colocar a votação do voto distrital na ordem do dia da Câmara. O debate no Parlamento e na sociedade definirá se o sistema será puro ou misto. Não há outro caminho para construir a centralidade de Sua Excelência, o eleitor, como recomendado por Ulysses. Aliás, esse processo de reforma pode -e seria bom se assim fosse- engendrar ampla participação popular, como nas Diretas-Já. O Brasil precisa.


SIM

Racionalização do debate político LUIZ SÉRGIO


Não há sistema eleitoral perfeito. À luz dessa compreensão, a comissão especial encarregada de discutir a reforma política elaborou proposta do voto em lista. Para tanto, considerou a excessiva personalização do voto, induzida por um sistema que fragiliza as instituições partidárias e exacerba o individualismo, tanto dentro quanto fora dos partidos, ao mesmo tempo em que contribui para pulverizar de maneira artificial as forças políticas.
O voto em lista tem a virtude pedagógica de racionalizar o debate político e permitir ao eleitorado conhecer o programa que está escolhendo. O atual sistema não permite um debate racional. A cada eleição, é uma balbúrdia de siglas, materiais diversos e propostas desconexas que invadem ruas e lares, produzindo muito barulho, pouco esclarecimento e nenhuma politização. Tudo resulta em bancadas fragmentadas, eleitos exóticos e ingovernabilidade.
Os adversários do voto em lista alegam que sua adoção tira do eleitor o direito de escolher seu candidato. Pura embromação, pois ignora que hoje o eleitor pode votar num candidato e contribuir para eleger outro do mesmo partido ou de outra sigla coligada.
A lista permite construir um partido mais solidário, coletivo e que possa nos unificar no processo das campanhas políticas. Cria condições de oportunidades mais igualitárias.
Aquilo que é antipartido e anticoletivo é o individualismo, prática que o PT nega na sua essência. A lista procura assegurar ao eleitor o direito de optar por um programa e uma orientação ideológica clara. Teme-se o excesso de poder nas direções partidárias e nos chamados caciques. Ora, nada impede a aprovação de legislação específica com regras democráticas para reger a confecção das listas, como a consulta ao conjunto dos filiados aos partidos. Estes podem estabelecer as normas. Se incorrerem em métodos autoritários, certamente serão punidos pelas urnas.
A lista preordenada -ou um derivativo dela, que não descaracterize o esqueleto da proposta- viabiliza o financiamento público de campanha, que dará dignidade a parlamentares e partidos políticos, além de independência ao exercício do mandato.
O financiamento público unifica as campanhas, que serão conduzidas unicamente pelos partidos, facilita o controle e a fiscalização e, acima de tudo, barateia as campanhas, cujo custo crescente chega a agredir a dignidade do nosso povo. O atual modelo de financiamento está esgotado. Favorece escandalosamente candidatos com acesso aos donos do dinheiro, encarece absurdamente as campanhas, torna os candidatos e os eleitos reféns do poder econômico. É a matriz da prática da corrupção e contribui para a desmoralização da atividade política e da democracia.
Quem, como alguns tucanos, propõe voto distrital é porque não quer fazer nenhuma reforma. O sistema distrital, em todas as suas variantes, é uma aberração antidemocrática que sufoca as minorias. A Inglaterra padece do mal desde 1945. Lá, o Partido Liberal é freqüentemente prejudicado, pois o percentual de cadeiras que recebe é sempre inferior ao seu percentual de votos. Com uma média de 12,4% dos votos, obtém uma média de 1,9% das cadeiras. Em 1983, recebeu 25,04% dos votos e elegeu apenas 3,5% dos representantes.
Na Alemanha, dadas as deformações do sistema distrital, se adotou um sistema de listas para eleger a metade do Parlamento. Dir-se-ia que a elite alemã, consciente de seu passado nada exemplar em matéria de democracia, resolveu permitir que pelo menos metade do seu Parlamento fosse eleita de forma democrática.
Qualquer versão do sistema distrital é antidemocrática e inviável, até porque requer reforma constitucional que depende da aprovação de 308 deputados. Ninguém consegue construir essa maioria. Precisamos, sim, discutir com sinceridade os pontos que estão na pauta da Câmara: voto em lista, proibição de coligações proporcionais, financiamento público e fidelidade partidária. A reforma precisa reafirmar, acima de tudo, a democracia, a transparência, o controle sobre os gastos, a moralização da campanha e a dignidade para o exercício do mandato.
Ainda há tempo e esperança.

14 junho 2007

ESTADO LAICO NÃO É ESTADO ATEU E PAGÃO

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAL

No debate sobre aborto, células-tronco etc., querer calar os religiosos não só é inconstitucional mas traduz profunda intolerância

Desde a Constituição de 1824, os Textos Magnos pátrios consagram o princípio da liberdade religiosa, o que se dá amplamente a partir da Carta Republicana de 1891.
O Estado laico, longe de ser um Estado ateu -que nega a existência de Deus-, protege a liberdade de consciência e de crença de seus cidadãos, permitindo a coexistência de vários credos. Aliás, é princípio fundamental do cristianismo e muito precioso aos católicos, que compreendem a parcela maior dos brasileiros, o profundo respeito à liberdade religiosa de cada um, como bem se afirma na declaração "Dignitatis Humanae", do Concílio Vaticano 2º.
As Constituições brasileiras fazem expressa menção, em seus preâmbulos, à confiança depositada em Deus (1934), colocando-se sob sua proteção (1946) ou afirmando o amparo divino, como pouco humildemente se fez em 1988.
Essa percepção da importância de Deus como fundamento de uma sociedade fraterna radica na indissociável conexão entre a história, a cultura e o próprio Criador, o que é imprescindível à elaboração de políticas públicas que não colidam com a liberdade religiosa nem desrespeitem a profunda religiosidade dos brasileiros. Daí a enorme distância entre o pluralismo religioso do Estado laico e um Estado ateu ou pagão, que nega a existência de Deus ou prega a divinização do ocupante do poder.
Nero lançou no ano 64 feroz perseguição aos cristãos, que se seguiu ao longo do século dois para a preservação do culto pagão aos imperadores. Hitler, com políticas de extermínio do povo judeu -e de cristãos, ciganos e deficientes físicos- sustentou um Estado ateu em que o "führer" era o senhor supremo da vida e da morte.
Por outro lado, Bento 16, o papa do amor e da paz da encíclica "Deus Caritas Est", ao abrir a 5º Celam, em Aparecida, considerando "a realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo", afirmou: "O que é a "realidade'? O real? São "realidade" só os bens materiais, os problemas sociais, econômicos e políticos? Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes no último século, erro destrutivo, como demonstram os resultados dos sistemas marxistas e dos capitalistas.
Falsificam o conceito de realidade com a amputação da realidade fundante, e por isso decisiva, que é Deus. Quem exclui Deus de seu horizonte falsifica o conceito de "realidade" e, em conseqüência, só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas. A primeira afirmação fundamental é, pois, a seguinte: Só quem reconhece Deus conhece a realidade e pode responder a ela de modo adequado e realmente humano. A verdade dessa tese é evidente ante o fracasso de todos os sistemas que colocam Deus entre parênteses".
Para se evitarem "caminhos equivocados e com receitas destrutivas", é indispensável que o Estado laico também dialogue com a ciência, que, quando busca a verdade e é conduzida com vistas à preservação da dignidade humana em plenitude, não contradiz verdades da fé.
Nos temas de proteção à vida, a ciência moderna comprova que ela se dá a partir da concepção, o que já impõe substancial amparo jurídico do Estado. A proteção constitucional e legal à vida -única e irrepetível- a partir de seu início confirma, pois, o que algumas das maiores religiões já afirmam desde tempos imemoriais.
Assim, quando nos defrontamos com temas como aborto, pesquisas destrutivas com células-tronco embrionárias, comercialização de embriões humanos por clínicas de fertilização artificial, não se pode calar a manifestação de cristãos, judeus, muçulmanos e até mesmo de ateus como expressão da rica realidade dos que compõem a sociedade brasileira.
Quando se sustenta que o Estado deve ser surdo à religiosidade de seus cidadãos, na verdade se reveste esse mesmo Estado de características pagãs e ateístas que não são e nunca foram albergadas pelas Constituições brasileiras. A democracia nasce e se desenvolve a partir da pluralidade de idéias e opiniões, e não da ausência delas. É direito e garantia fundamental a livre expressão do pensamento, inclusive para a adequada formação das políticas públicas.
Pretender calar os vários segmentos religiosos do país não apenas é antidemocrático e inconstitucional mas traduz comportamento revestido de profunda intolerância e prejudica gravemente a saudável convivência harmônica do todo social brasileiro.

NAPOLEÃO E LULA

CARLOS HEITOR CONY

Pode ser lenda, mas vários de seus biógrafos adotaram a cena e a frase como verdadeiras. Numa de suas batalhas -alguns autores dizem que foi em Arcole, outros em Lodi-, Napoleão tomou a frente de sua tropa e enfrentou a chuva de balas que matavam seus soldados à direita e à esquerda. Um deles advertiu o general para o perigo, Napoleão respondeu: "Ainda não foi fundida a bala que me matará".
Não deixava de ter razão. Napoleão morreria muitos anos depois -de úlcera, de câncer ou envenenado por seu carcereiro, Hudson Lowe, na ilha de Santa Helena. Ficou o exemplo de sua obstinação: jamais seria ferido mortalmente em campo de batalha.
Reduzindo-se a escala histórica e a heroicidade do episódio, com Lula está acontecendo alguma coisa mais ou menos parecida. Nos últimos dois anos, ele vem enfrentando uma saraivada de balas que ceifaram alguns de seus soldados, gente rasa da tropa, e alguns graduados, marechais-de-campo devidamente medalhados.
Ele permanece incólume, indevassável, criaram para ele uma blindagem não apenas política mas policial, uma vez que a batalha saiu definitivamente da órbita política, tendo penetrado no pátio sombrio da polícia. Há um "no trespassing" isolando a pessoa física do presidente, embora sua figura pública tenha ficado comprometida pela proximidade das vítimas que caem a seu redor.
Não me refiro a seu irmão Vavá, agora indiciado pela Polícia Federal, mas de malignidade quase inofensiva, por lhe faltar, como o próprio Lula reconheceu, "capacidade intelectual" para praticar o lobby.
Mas alguns de seus amigos mais chegados, compadres, companheiros das primeiras horas, em postos-chaves de seu governo, estão tombando a cada operação da PF.

O INOCENTE E OS CULPADOS

ELIANE CANTANHÊDE

"O que a gente vê de bonito na imprensa brasileira? Quais são as mensagens que nos provocam a viajar no final de semana? Não tem", disse Lula ontem, num evento em Brasília sobre turismo, conforme relato do repórter Pedro Dias Leite.

Ainda de Lula: "Se fala de Pernambuco, é morte; se fala do Ceará, é morte; se fala da Bahia, é morte. Aí a pessoa diz: "Espera aí, não vou sair daqui não, vou ficar dentro de casa".
E ainda olha, vê se não tem uma fresta, para não vir bala perdida".
Ou seja, gente: quem é culpado pelo Vavá, pelos mensaleiros, pelos aloprados do dossiê, pelo crescimento econômico haitiano, pelo fracasso do Fome Zero e do Primeiro Emprego, pelo caos aéreo, pela queda do Boeing, pela violência em Pernambuco, pelos atentados em São Paulo, pelas balas perdidas no Rio? A imprensa! A imprensa brasileira!
Enquanto isso, Lula continua sem ter culpa em nada, nunca.
Aconteça o que acontecer, doa a quem doer, investigue-se quem se investigar, Lula estava, está e estará acima de qualquer coisa. A imprensa é culpada sempre. Lula é inocente sempre. Sem discussão.
E ele também pode falar o que bem entender, na hora em que bem entender, do jeito que bem entender. O que soaria absurdo na boca de alguém, na dele é "capacidade de comunicação". O que seria pura e simplesmente errado na boca de alguém, ainda mais de um presidente da República, na dele é apenas engraçadinho, talvez esperteza. O resto, o Bolsa Família apaga.
Foi extemporâneo, portanto, criticar a ministra Marta Suplicy ontem por ter recomendado a todos que viajem à vontade, "relaxem e gozem". Se o chefe fala sem cerimônia sobre o "ponto G" num encontro público com Bush, por que Marta não pode falar o que quiser num evento no próprio ministério? Cada governo tem o palavreado e o linguajar que merece.

ALGUMAS SINGELAS DÚVIDAS

CLÓVIS ROSSI

Diz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, ao pedir a quebra de sigilos telefônicos no escândalo da vez, a Polícia Federal "se prepara para encontrar um cardume de pintados". Mais: "O Vavá, nessa história, me parece mais um lambari que foi pego". Vavá é Genival Inácio da Silva, o irmão mais velho do presidente.
Quatro dúvidas, a saber:
1 - Quem contou a Lula que as escutas vão pegar apenas "pintados" ou "lambaris"? A Polícia Federal antecipa ao presidente detalhes de suas investigações?
Tudo bem que o ministro da Justiça, Tarso Genro, diga que "o presidente da República tem que ser informado pelos ministros de tudo que é importante".
É verdade, mas não seria ainda mais certo que o país fosse igualmente informado de tudo o que é importante e nele ocorre? Não seria mais republicano?
2 - Quando o presidente diz que vão pegar "pintados", transmite a sensação de que "lambaris" não precisam ser apanhados. Ou, quando apanhados, merecem mil anos de perdão e tolerância.
Tolerância aliás claramente revelada naquela frase famosa segundo a qual todo mundo faz caixa dois, minimizando o crime de que eram réus confessos alguns petistas bastante "pintados".
3 - Se, como diz Tarso Genro, os ministros têm que informar ao presidente de tudo o que é importante, por que ninguém contou a ele de escândalos como o do mensalão, para ficar num só exemplo?
4 - Se a Polícia Federal é tão brilhante no seu desempenho durante o governo Lula, por que o presidente diz, agora, que se devem à "briga política" os vazamentos para os jornais de informações sobre a Operação Xeque-Mate? Não caberia ao ministro responsável pela PF, de novo Tarso Genro, impedir a "briga política" e informar ao presidente e ao país quem briga com quem e por quê?

PINTADOS E LAMBARIS

Editorial da Folha de S. Paulo

Ao criticar a antes louvada PF no caso que enredou seu irmão e seu compadre, Lula transmite uma mensagem ruim

Ao perseguir um cardume de pintados, a Polícia Federal fisgou um lambari - um lambari especial, posto que irmão do presidente da República. As informações disponíveis até agora são condizentes com o status de Genival Inácio da Silva na alegoria composta pelo presidente Lula, um amante da pesca.
Em conversas entre articuladores de negociatas flagrados na Operação Xeque-Mate, Genival é considerado um diamante bruto do lobby, com potencial de facilitar a abertura de portas no Executivo, desde que bem conduzido. "Vavá [como é conhecido] é uma pessoa que você tem que direcionar", disse um agenciador de caça-níqueis em conversa gravada com autorização judicial.
Já Dario Morelli, compadre de Lula com amplo trânsito no PT, "é outra linhagem", como se diz nos grampos. Está mais para a estirpe dos pintados - em adaptação livre do piscoso universo metafórico presidencial aos indícios levantados pela polícia. A despeito do que o desenrolar das investigações venha a revelar, registre-se mais uma vez a impressionante capacidade que têm amigos, parentes e correligionários próximos de Lula de meter-se em enroscos com a lei.
No episódio da Operação Xeque-Mate, o ministro da Justiça afirmou ter contado a Lula sobre o envolvimento de seu irmão horas antes de deflagrada a diligência - atitude que suscitou muitas críticas ao governo. Mas as falhas no controle de informações sigilosas não decorreram necessariamente dessa comunicação prévia, se é que ela ocorreu, entre Tarso Genro e Lula.
O presidente da República é o chefe do governo, ao qual está subordinada a Polícia Federal. Deve ser alertado sobre ações da PF que venham a expor seus familiares, caso da busca na casa de Genival. Trata-se de situação típica em que mal se distingue a pessoa física da instituição que ela representa. O que o presidente está impedido de fazer, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade, é valer-se da informação privilegiada e das prerrogativas do cargo para obstar as investigações policiais.
Preocupantes são os indícios, a esta altura bastante convincentes, de que investigados foram avisados com antecedência sobre a monitoração da PF. O governo deve um esclarecimento rápido sobre a origem desse vazamento criminoso.
Inoportunas e estranhas também soaram as críticas feitas na terça-feira por Lula à atuação da Polícia Federal no caso. Queixas contra os grampos e sua divulgação por delegados em conflito interno vieram de quem passou quatro anos a louvar -com direito ao bordão "nunca antes na história" e seus variantes- a emancipação investigativa da PF.
Seria apenas mais uma demonstração do comportamento errático de Lula se não transmitisse uma mensagem institucional ruim -uma ameaça velada de intervenção para "enquadrar" o órgão policial.

13 junho 2007

VENDE-SE SAVEIRO

Vende-se Saveiro Summer, ano 96, cor preta, com ar e direção.

Preço: R$ 12.500,00

Contato: 9994-4009

VOTECRISTO.COM.BR

MARCELO COELHO

A babaquice triunfa, de George W. Bush a Galvão Bueno, de Davos à favela da Rocinha

Ser rabugento é um espécie de deformação profissional entre os críticos e os cronistas. Gostaria de evitar, mas não prometo nada, porque o assunto de hoje tem forte potencial "resmungogênico".

Falo dessa votação das Novas Sete Maravilhas do Mundo, que mobiliza uma formidável multidão de internautas: em maio, já eram 45 milhões de eleitores. O Brasil está na parada.
O Cristo Redentor é um dos finalistas da competição, com chances de suplantar a Muralha da China, Macchu Picchu e o Taj Mahal.

Fico naturalmente surpreso. Cristo Redentor? Pensava que o nosso candidato era o Maracanã. Em todo caso, os apelos e mobilizações da torcida verde-amarela crescem na reta final. Quem quiser dar uma força pode acessar o site www.new7wonders.com. Ou o www.votecristo.com.br, todinho em português. O resultado será conhecido em cerimônia em Lisboa, em 7 de julho (07/07/07, como já terá percebido o bom entendedor). Além de votar, contribuindo para que o afluxo de turistas internacionais ao Rio cresça de modo significativo (mesmo após o Pan), você pode engajar-se mais seriamente no projeto.
Há uma "canção oficial" da promoção, a ser baixada no computador, camisetas promocionais e distintivos para enganchar na camiseta. A coleção completa dos distintivos, com imagens dos 21 concorrentes, está à venda por US$ 99,95.

Corra, porque só existem 7.777 exemplares autênticos.

A conta, dirão os mais céticos, é de mentiroso. Mas a iniciativa, que conta com o apoio da Unesco, parece ter boas intenções, ou pelo menos 50% de boas intenções: metade do lucro obtido irá para fundos de preservação do patrimônio histórico internacional.

Quem está ganhando? O site deixou de divulgar o ranking, com a alegação de que a massa de votos tem sido enorme nos últimos dias, acarretando flutuações súbitas no cômputo geral. Prefiro acreditar que eles estão mantendo o suspense para que não se esvazie a cerimônia da premiação; há ingressos à venda para assisti-la ao vivo.

O Cristo Redentor não é um azarão: há escolhas menos justificáveis, a meu ver, como a Ópera de Sydney, e talvez menos conhecidas, como o Templo Kiyomizu de Kyoto. Pelos critérios oficiais, o que se deve premiar é o valor de cada construção, não a paisagem que a rodeia. Mas nós, brasileiros, somos muitos, e temos mais a ganhar: a Torre Eiffel, o Coliseu ou a Estátua da Liberdade não precisam da lista para receber mais visitantes.

"O seu voto conta!", proclama o site. "Participe na evolução da história mundial..." Lendo frases do tipo, lembro a frase do empresário circense P.T. Barnum, segundo a qual nasce um otário a cada minuto. Mas a questão aqui não é a de ser otário: ninguém está sendo enganado (espero) nesse concurso. Talvez, desculpem-me os entusiastas do projeto, o que me irrite seja o seu componente de babaquice.

O termo é pesado, mas não encontro equivalente para um tipo de atitude que se alastra em toda parte. Antigamente, dizia-se "eram coisa de americano": animadoras de torcida, chapéus palheta com as cores da bandeira em convenções do Partido Republicano, adesivos do tipo "Eu participei da Festa do Amendoim de Tuscaloosa", a parada oficial da Disneylândia...

Um mundo em que o comercialismo deslavado parecia não ter medo de ser feliz, e em que todo banqueiro cantava ao ir para o trabalho como se fosse um anãozinho da Branca de Neve. "Shrek", aliás, representou um saudável antídoto de ironia a esse espírito de conto de fadas que, sem dúvida, associávamos à mentalidade americana.

Mas essa atitude "construtiva", essa militância na inocuidade, toma conta de tudo: frases edificantes e conclamações em cor-de-rosa estão presentes nas palestras com PowerPoint, nas contas de luz, no "obrigado por ligar" dos serviços de atendimento eletrônico, nos Dias Mundiais Disso ou Daquilo, nos abraços coletivos em defesa do amor e do planeta; a babaquice triunfa, de George W. Bush a Galvão Bueno, de Davos à favela da Rocinha.

Mas seria injusto falar só de babaquice. Nessas promoções interativas de internet, existe sem dúvida uma vontade autêntica de participar de alguma coisa. Apesar das patriotadas que contém, um movimento como o das sete maravilhas traz a ilusão, ou a esperança, de que todos nós sejamos de fato cidadãos do mundo. A vontade é autêntica; pena que o resto não.

DE "BRONCA" EM "BRONCA"

CLÓVIS ROSSI

O presidente do Conselho de Ética do Senado, Sibá Machado (não por acaso do PT), age como advogado de defesa de Renan Calheiros em vez de comportar-se como manda a ética mais elementar, ou seja, como condutor de uma investigação para apurar desvio de conduta do presidente do Senado.

Dispensa depoimentos que poderiam, eventualmente, criar embaraços para o investigado, mas certamente aceitará tudo o que vier dele como prova cabal e definitiva de inocência.
Se esse é o comportamento do presidente do Conselho de Ética, não é difícil deduzir que nota o Senado tiraria se houvesse algum concurso de ética pública. Já o presidente da República parece ser a única pessoa no pobre país tropical que não sabia das "broncas" que envolvem seu irmão Vavá, Genival Inácio da Silva. Uso "bronca" para reproduzir expressão de outro Inácio da Silva, o "frei" Chico, a respeito de Vavá.

Como Sibá Machado em relação a Renan Calheiros, Lula passou atestado prévio de boa conduta ao irmão ao dizer que não acredita no envolvimento de Vavá, conforme declarações feitas quando ainda estava na Índia e quando não haviam surgido gravações feitas pela Polícia Federal que não deixam margem a dúvidas sobre o tipo de "broncas" em que o irmão do presidente está envolvido.

Se "frei" Chico sabia, de duas, uma: ou a família Inácio da Silva é tremendamente desunida, a ponto de um irmão não contar ao outro as "broncas" de um terceiro irmão, apesar de estas trazerem prejuízo para o governo presidido pelo primeiro irmão, ou contou e o irmão-presidente simplesmente não deu bola. Ou limitou-se a dar uma "bronca", aí com outro sentido, o que não é papel de presidente.

E assim a República vai vivendo, de "bronca" em "bronca". Punição que é bom, nadica de nada.

12 junho 2007

INVASÃO NA USP: QUESTÕES CENTRAIS

Roberto Pompeu de Toledo

Os invasores da reitoria sofrem de uma doída, premente e incurável nostalgia da ditadura

– Para que serve a invasão da reitoria da USP?

– Para ajudar os invasores a lidar com uma de suas grandes carências, a que chamaríamos de "síndrome de abstinência da ação revolucionária". Defesa da autonomia universitária, decretos espúrios do governador, reivindicações de alojamentos melhores, tudo isso é secundário. O básico, o decisivo, tão primordial quanto o impulso do bebê ao procurar o seio da mãe, é o desejo de dar combate a semelhante mal, doído como punhalada, exigente como a fome.

– Invadir reitoria não é pouco para preencher tal anseio?

– Pratica-se a ação revolucionária que se pode, não a que se quer. Sem praticá-la, o estudante brasileiro não terá completado sua educação sentimental. Mais tarde na vida ele poderá ocupar altas posições no sistema que hoje contesta ou mesmo ceder às ofertas de corrupção de que o país é pródigo, mas, condescendente consigo mesmo, sempre lembrará com um sorriso satisfeito os tempos de rebeldia. Como quem diz: "Sim, minha educação foi completa".

– O estudante brasileiro!?

– Perdão, a generalização não cabe. O estudante das faculdades particulares não é bobo de fazer greve, ele que empenha no estudo seu rico dinheirinho. Isso é para estudantes de universidades públicas. Mais propriamente, para os estudantes da USP. Mais propriamente ainda, para os de certas faculdades da USP, aquelas que, ao contrário da medicina ou da engenharia, não exigem tanto estudo assim, nem tanto compromisso com a carreira.

– Os invasores de reitoria têm nostalgia da ditadura?

– Sem dúvida. Eis uma conseqüência cruel – mais uma – da ditadura: temos de conviver com os nostálgicos dela. Há os nostálgicos porque acham que ela foi boa e os nostálgicos da luta contra ela. Ah, aqueles tempos em que se tinha uma causa... Em que a opressão era real, institucional, tangível... Bem que a polícia poderia ter ajudado, com uma operação de desocupação da reitoria. Não seria ainda a ditadura, mas uma ação de força, que com sorte produziria algum sangue. Até a semana passada, no entanto, as autoridades negavam tal gostinho aos invasores.

– Eles sofreriam por ter nascido na época errada?

– Sim. O invasor de reitorias é um nostálgico de uma vida não vivida. Os mais ardentes não se cansarão de lamentar a falta de um Palácio de Inverno a conquistar, uma Sierra Maestra da qual descer para o triunfo. Como um Julien Sorel, de O Vermelho e o Negro, que se julgava roubado por não lhe ser permitido repetir as proezas de Napoleão, ou uma Madame Bovary, consumida pela falta de amores tão arrebatadores quanto os que lia nos romances (que bom que existe a literatura francesa para nos explicar as sutilezas da vida), sofrem da frustração de viver não só na época, mas no lugar errado. Eles têm sede de heroísmo, num tempo de cansaço e desilusão com os heróis.

– Que é o "Movimento Estudantil" de que se fala nessas horas?

– Mistério. Sabe-se o que é o Movimento Negro ou o Movimento Feminino. Já o "Movimento Estudantil", dada a condição efêmera do estudante, em contraste com as condições de negro ou de mulher, que são permanentes, é difícil saber para onde se movimenta. Os estudantes filiados a partidecos de extrema esquerda pretendem movimentar-se em direção a regimes como o de Cuba ou o da Coréia do Norte, mas isso por força de seus partidos, não do "Movimento Estudantil". O papel mais fácil de distinguir no "Movimento Estudantil" é o de, com esse nome cheio de pompa e pretensão, ajudar na simulação da ação revolucionária.

– Os invasores da reitoria serão punidos?

– Nenhuma hipótese. Se há uma vantagem em viver no Brasil de hoje é a de poder brincar de rebelde sem o risco de levar troco. Neste Brasil tolerante ao ponto da permissividade, invasor de reitoria goza de tanta impunidade quanto senador que tem negócio escuso com empreiteira.


O senador Romero Jucá enviou ao colunista carta em resposta ao texto publicado nesta página na edição passada. A íntegra da carta, dada sua extensão, vai publicada em VEJA on-line (www.veja.com.br). O senador contesta, de modo convincente, a denúncia de que tem torneiras de ouro no banheiro de casa e a de que foi o campeão de emendas em favor de obras da empreiteira Gautama. O colunista se retrata, em relação a esses itens. As demais denúncias citadas, a despeito da defesa do missivista, compõem um repertório que continua a rondar-lhe os passos. No mais, o senador convida o colunista a visitar Roraima, "para constatar as realizações da prefeita Teresa Jucá" (sua esposa) e as dele próprio, quando governador (o colunista agradece, mas no momento tem outras prioridades de viagem), e afirma-se empenhado no "trabalho incansável de buscar soluções para os problemas nacionais", ele que, em vez de pular de partido e de fidelidades como macaco de galho, como afirmava o texto, o que faz é "servir ao meu país" (a pátria, quem sabe, um dia agradecerá).

O MACHO E A AMANTE

André Petry

"Se Mônica conta sua versão, o que
ela é? Chantagista. Se fica calada, o que é? A interesseira que vendeu o silêncio a peso de ouro. Se exige que o senador ajude no sustento da filha, o que é? A biscateira que só pensa em dinheiro"

Mônica Veloso é uma mulher fotogênica, mas é mais bonita pessoalmente do que em fotografias. Às vezes, ela dá uns ares com a atriz Tânia Kalil, talvez pelo formato do rosto e pela expressão vagamente indefesa do olhar. Outras vezes, ela se parece com a atriz Deborah Secco, pela delicadeza do nariz e pela protuberância discretamente provocadora dos lábios. Mônica Veloso é uma mulher bonita e sensual. Tem 1,70 metro de altura, pesa 58 quilos. Para os antigos, é um pitéu. Para os de meia-idade, é uma gata. Para os jovens, é uma mina cabulosa. E não é que, com atributos para encantar todas as idades, Mônica Veloso virou pistoleira, chantagista, piranha? Virou a desonesta, a destruidora de lares, a mulher que seduzia políticos e poderosos à cata de um butim generoso, fisgando o senador José Renan Vasconcelos Calheiros?

Pobre Mônica. Como teve um romance com o senador, do qual nasceu uma menina, Mônica tornou-se agora vítima do machismo que sempre reserva à mulher o papel mais torpe da história. Se Mônica conta sua versão publicamente, o que ela é? Chantagista em busca de alguma vantagem. Se fica calada, o que é? A interesseira que vendeu seu silêncio a peso de ouro. Se exige que o senador ajude no sustento da filha, o que é? A biscateira que só pensa em dinheiro. Se não pede um tostão ao pai de sua filha, o que é? Ora, a calculista esperando a hora certa de dar o bote. Não tem saída. Mônica Veloso pode fazer o que quiser, mas estará sempre do lado errado. Porque do outro lado está o senador José Renan Vasconcelos Calheiros, o homem que confessa seu pecado, pede perdão à mulher e por pouco, muito pouco, não vira o ingênuo senhor que se perdeu nas curvas da sedutora maligna.

Mas, se o que interessa no escândalo todo não é o romance do senador com a jornalista, e sim a tenebrosa intimidade financeira do senador com um lobista de empreiteira, qual é a relevância de discutir os carimbos preconceituosos estampados sobre a imagem de Mônica Veloso? A relevância é a seguinte: isso explica por que o senador, desde a primeira hora do escândalo, distorceu a questão como se fosse um assunto privado. Trazendo a polêmica para o terreno da vida pessoal, o senador talvez soubesse, ou intuísse, que tinha uma vantagem já na largada: era o homem, o respeitável pai de família, contra a mulher, a jovem descasada. O senador foi tão covarde que jogou sobre a mulher até o peso não apenas de ser macho, mas também o de ser poderoso.

É injusto até com a história do Brasil, onde imperadores caíam deliciosamente nos braços de amantes inesquecíveis. Uma delas, menos conhecida do que a marquesa de Santos de dom Pedro I, era a condessa de Barral, bela baiana, filha de família ilustre, mulher inteligente e refinada, preceptora de princesas e paixão de dom Pedro II. Como se antecipasse em um século e meio a patacoada do senador em Brasília, a condessa de Barral escreveu: "São desgraças do Brasil / Um patriotismo fofo / Leis em parola, preguiça / Ferrugem, formiga e mofo".

EU QUERO SABER DE TUDO

Diogo Mainardi

"A política brasileira é repulsiva. A gente deveria punir os políticos arruinando sua vida particular. Ao contrário do que se diz, não há nada de errado nisso"

Um delegado da Polícia Federal, citado por O Globo, definiu Vavá como "um cara simples, quase analfabeto, que enrola as pessoas". Eu diria que ele possui todos os predicados para suceder ao presidente da República. Vavá 2010.

Dois anos atrás, quando VEJA publicou que Vavá intermediou encontros sigilosos no Palácio do Planalto entre homens de negócios e o principal assessor de Lula, Gilberto Carvalho, ninguém deu bola para o assunto. Por algum tempo, os oposicionistas ameaçaram convocar Vavá e Gilberto Carvalho à CPI dos Bingos, mas acabaram desistindo com o argumento de que a vida particular do presidente deveria ser mantida longe da luta política.

Lula tem direito a uma vida particular? Renan Calheiros tem direito a uma vida particular? Algum político tem direito a uma vida particular? A imprensa acredita que sim. Mais do que isso: a imprensa acredita que pode determinar o que é um fato de interesse particular e o que é um fato de interesse público. Se um político tem um filho fora do casamento, a imprensa o considera um fato de interesse particular. Ela só passa a considerá-lo um fato de interesse público quando uma empreiteira paga suas contas.

Os jornalistas conhecem a intimidade dos políticos. Eles ficam a maior parte do tempo bisbilhotando os detalhes mais sórdidos sobre essa gente. Mas só publicam o que, para eles, estamos aptos a entender. A imprensa atribuiu-se um papel civilizador. Ela argumenta que é uma selvageria julgar um político a partir de seus hábitos privados. Por isso, sonega sistematicamente qualquer notícia a esse respeito.

Eu nunca me escandalizo com o comportamento dos outros. Mas me recuso a aceitar que a imprensa imponha seus valores omitindo os fatos. Se um senador é adúltero, eu quero saber. Se uma ministra dormiu com um presidente, eu quero saber. Se a mesma ministra traiu o marido com um líder oposicionista, eu quero saber. Depois concluo do jeito que quiser.

Os brasileiros acham que o fetiche da imprensa americana pela vida amorosa dos políticos é um sinal de jequice. Eu acho que jequice é delegar a um repórter de uma sucursal de Brasília a escolha sobre o que eu devo ou sobre o que eu posso saber. Os políticos precisam se sentir permanentemente vigiados. Quando a imprensa acoberta seus deslizes privados, termina por acobertar também seus crimes públicos.

A política brasileira é repulsiva. A gente deveria punir os políticos arruinando sua vida particular. Ao contrário do que se diz, não há nada de errado nisso. Se as aventuras sexuais de Marco Antônio foram relatadas pelos romanos, por que os brasileiros não haveriam de relatar as de Renan Calheiros? Renan Calheiros está para Marco Antônio assim como o Brasil está para a Roma Antiga. Marco Antônio 2010. Renan Calheiros 2010.


11 junho 2007

FREI BETTO 2

Trechos da entrevista cedida à Folha de S. Paulo:

"Já não creio que vou participar da colheita, mas faço questão de morrer semente."

"O Fome Zero foi engolido pelo Bolsa Família. Durante todo o primeiro mandato, foi considerado a principal política. Mas o próprio governo que criou uma política social que virou grife, o que é fato inédito na história política deste país, tratou de enterrar o Fome Zero.
Tratou de enterrar para fazer uma política focalizada, de dependência dos beneficiários ao poder público. Até hoje o Bolsa Família não tem porta de saída.
O governo inteiro sabe qual é, mas não tem coragem: é a reforma agrária, a única maneira de 11 milhões de famílias passarem a produzir a própria renda e ficarem independentes, emancipadas do poder público.
Você não pode fazer política social para manter as pessoas sob uma esmola permanente.
Nem por isso considero o Bolsa Família negativo, devo dizer isso. O problema é que não pode se perenizar."

"O PT virou sujeito oculto ou correia de transmissão, quando deveria ser justamente a voz da sociedade junto ao governo, é papel do partido, e não ser a voz do governo junto à sociedade. O lulismo superou o petismo."

FREI BETTO

Desde que deixou a assessoria da Presidência da República, Frei Betto (que é grande amigo de Lula), tem sido um crítico ao governo, especialmente à área social.
Esta semana chega às livrarias mais um livro de sua autoria. "Calendário do Poder" é uma espécie de diário, onde Frei Betto examina o fracasso do programa Fome Zero, além de fazer comentários sobre membros do governo Lula.
Em "A Mosca Azul - Reflexões Sobre o Poder", lançado ano passado, Frei Betto discorreu sobre os problemas morais do PT.
É no mínimo, uma leitura interessante.

ATÉ O PRÓXIMO ESCÂNDALO

RUY CASTRO

Outro dia, procurando uma besteira no Google, vi-me numa página da Wikipédia intitulada "Lista de escândalos de corrupção no Brasil". Cliquei e fui ler. Era isso mesmo: uma lista dos escândalos em cada governo, de Geisel para cá.

Que viagem! Recordei nomes de que há muito tinha me esquecido: casos Lutfalla, Atalla e Coroa-Brastel, o escândalo das polonetas, das mordomias, das pedras preciosas. Só não me peça para explicar o que eram -centenas de escândalos depois, só um gênio se lembraria de todos esses acintes que, na época, nos encheram de santa indignação.

Dei-me à pachorra de contar os casos. No governo Geisel (1974-1979), a Wikipédia aponta 10 escândalos; no de Figueiredo (1979-1985), 11. Só isso? Sim, mas, lembre-se, era ditadura, e nada se apurava. Além disso, sob Figueiredo, ela esqueceu a bomba no Riocentro.

No governo Sarney (1985-1990), o recorde negativo: 6 escândalos. Engraçado: na época, tinha-se a sensação de um por dia. Mas a Wikipédia, mais uma vez, pode ter-se distraído, porque omitiu a farsa na concorrência da ferrovia Norte-Sul, desmascarada por Janio de Freitas na Folha.

No governo Collor (1990-1992), as coisas começam a esquentar: 19 escândalos. Parece pouco, mas apenas um caso, "o esquema PC", comporta uns 20 ou 30 embutidos. E o governo Itamar (1992-1994), para quem sente saudades dele, comparece com 31 escândalos.
Adivinhe quem vai para o trono: os governos FHC (1995-2002) e Lula (desde 2003). O primeiro emplacou 44 escândalos; o segundo, 101, e a Wikipédia ainda não incluiu a Operação Xeque-Mate.

Pode-se dizer que nunca se apurou tanto quanto hoje. Certo. Mas ninguém é punido, e vida que segue. Zera-se a pedra e até o próximo escândalo.

A ERA DAS OPERAÇÕES

FERNANDO DE BARROS E SILVA

A Polícia Federal é a grande vedete do governo Lula. Passou a ditar a pauta da mídia e a agenda nacional. O velho clichê, segundo o qual a política, no Brasil, é caso de polícia, precisaria ser invertido: a polícia virou caso de política. Há algo novo e estranho no ar.
A pré-história do quadro atual remete ao mensalão. Se a PF já exibia, desde o início, desenvoltura que não tinha sob FHC, foi no curso do escândalo que destruiu o patrimônio moral do PT e fez balançar a casa de Lula que ela se consolidou como alicerce político e pólo de poder.
O êxito de crítica e público atiçou a fantasia do FBI tropical, que não parou mais. Pelo contrário, a partir da máfia dos sanguessugas - e inclusive na reeleição, marcada pelo dossiê dos "aloprados"-, a PF só intensificou sua participação como protagonista da cena nacional. Chegamos agora ao paroxismo.
Os escândalos se sucedem em ritmo vertiginoso; cada operação parece rifar a anterior, antes que se saiba exatamente o que e quem estão sendo investigados. Anaconda, Pó da China, Hurricane - nomes cinematográficos e vilões surgem do nada, com estardalhaço, para logo evaporar do noticiário, dando lugar a novos personagens. O país parece submetido ao enredo espetacular de cada operação e da seqüência entre elas - como se atores administrassem, entrando e saindo do palco, os humores da platéia.
É quase inevitável que essa dinâmica, convertida em regra, produza a sensação de obras inacabadas ou, pior, de operações que, como as pontes de Zuleido, conduzem do nada a lugar nenhum. Tudo então não passa de teatro? Longe disso.
Sabe-se que havia, ou há, um passivo de impunidade armazenado por décadas no país que, finalmente, vai sendo destampado. Isso, porém, não apaga os paradoxos deste momento: como discernir entre eficiência e descontrole? Onde terminam os avanços "republicanos" e onde começam os retrocessos da "guarda imperial"? São dúvidas. Talvez ajudem a conter ilusões simplificadoras de entusiastas e detratores da Era das Operações.