ELIO GASPARI
Não há no mundo um par de trilhos de 400 quilômetros por onde só passe um trem que não pára no caminho
Nosso guia está diante da oportunidade de começar uma obra que simbolize uma nova etapa do progresso nacional. É o Trem Bala Brasileiro, TBB, ligando o Rio e São Paulo. Essa é a notícia boa. A ruim: esse projeto pode virar uma omelete de fracasso (como a Transamazônica) e suspeita (como a ponte Rio-Niterói). Tudo por conta da megalomania e da propaganda oficial.
O Trem Bala ligaria o Rio a São Paulo em 85 minutos, cobrando R$ 120 pela viagem, mais cara que a do ônibus e mais barata que a do avião. Há demanda para esse serviço? O Tribunal de Contas da União diz que recebeu uma tabela na qual, entre outros fatores, menciona-se um mercado de 40 milhões de viagens/ ano, só de gente que trabalha nesse eixo. Esse e outros números acompanharam a estimativa de um potencial de 32,6 milhões de viagens/ ano para o trem. Noutra versão a conta muda e os 40 milhões viram 4 milhões. Por mágica, a demanda mantém-se nos 32,6 milhões. O TCU advertiu: "Esse resultado, obtido por meio da utilização de diferentes parâmetros, é visto com reserva e muita cautela (...) principalmente porque o projeto de um Trem de Alta Velocidade somente se torna viável economicamente a partir de um nível mínimo de demanda".
Como a discussão do Trem Bala ainda está nos primórdios, o caso não está perdido, a menos que o governo queira empurrar goela abaixo da patuléia um bicho de duas cabeças com uma perna de 400 quilômetros. Quando se começou a falar nesse trem ele ia até Campinas. A idéia está congelada. Não se definiram paradas intermediárias, capazes de criar novos núcleos urbanos, gerando recursos para a obra. Essas paradas, discutidas desde já pelo poder público, permitiriam ambiciosos projetos no Vale do Paraíba. Deixadas no ar, levam para o negócio o bafo dos barões das ferrovias americanas do século 19. (Quem viu "Era uma Vez no Oeste", de Sergio Leone, não se esquece de Claudia Cardinale e sabe do que se está falando.)
Não há no mundo um par de trilhos de 400 quilômetros de extensão por onde só passe um trem expresso. O Nozomi japonês vai de Tóquio a Osaka (515 km) com duas paradas. O Acela pára três vezes entre Boston e Nova York (372 km).
O governo federal simpatiza com a proposta de um consórcio de empreiteiros, financistas e fabricantes de equipamentos liderados pela empresa italiana Italplan. Ela produziu mais de uma tonelada de documentos, com 47 mil páginas e 160 pranchas, admitindo a possibilidade futura de inúmeras interconexões. A Italplan afirma que a tabela com os tais 40 milhões de passageiros/ano nunca esteve no seu papelório e mantém a sua previsão de demanda. A vantagem dessa proposta está na dispensa do dinheiro público. A obra, ao custo de US$ 9 bilhões seria bancada pela empresa, que exploraria o trem por 35 anos. Exagero: estima-se que o BNDES entre no negócio.
As idéias centrais do projeto anunciado pelo governo ainda estão desarrumadas. Espera-se que elas se ajeitem até o dia da publicação do edital de licitação, prevista para o início do próximo ano. Até agora, ninguém conversou a sério com os governos do Rio e de São Paulo. Livre do triunfalismo do Planalto e do catastrofismo oposicionista, o Trem de Alta Velocidade poderá ser a marca do segundo governo de Lula.
Empurrado pela voracidade, virará agenda de CPIs em 2009.
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