ELIANE CANTANHÊDE
  Quando os filhos são  pequenos, chutam a canela da empregada, e os pais acham "natural",  fingem que não vêem. Já maiores  um pouco, comem o que querem,  na hora em que querem, não falam  nem bom dia para o porteiro e desrespeitam a professora. Na adolescência, vão para o colégio mais caro,  para o judô, para a natação, para o  inglês e gastam o resto do tempo na  praia e na internet. Resolvido. 
Dos pais, ouvem sempre a mesma  ladainha: o governo não presta, os  políticos são todos ladrões, o mundo está cheio de vagabundos e vagabundas. "E quero os meus direitos!"  Recolher o INSS da empregada, que  é bom, não precisa. 
É assim que os filhos, já adultos,  saudáveis, em universidades, são  capazes de jogar álcool e fósforo  aceso num índio, pensando que era  "só um mendigo", ou de espancar  cruel e covardemente uma moça  num ponto de ônibus, achando que  era "só uma prostituta". 
A perplexidade dos pais não é  com a monstruosidade, mas com o  fato de que seu anjinho está sujeito  - em tese - às leis e às prisões como  qualquer pessoa: "Prender, botar  preso junto com outros bandidos? 
Essas pessoas que têm estudo, que  têm caráter, junto com uns caras  desses?", indignou-se Ludovico Ramalho Bruno, pai de Rubens, 19. 
Dá para apostar que ele votou  contra o desarmamento, quer (no  mínimo) "descer o pau em tudo  quanto é bandido" e defende a redução da maioridade penal. Cadeia  não é para o filho, que tem estudo e  dinheiro, um futuro pela frente. É  para o garoto do morro, pobre e magricela, que conseguir escapar dos  tiroteios e roubar o tênis do filho. 
Isso se resolve com o Estado sendo Estado, com justiça, humanidade e educação - não só com ensino  para todos e professores mais bem  treinados e mais bem pagos, mas  também com a elementar compreensão de que "o problema", e os  réus, não são os pobres. Ao contrário, eles são as grandes vítimas.
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