IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAL
 No debate sobre aborto, células-tronco etc., querer calar os religiosos não só é inconstitucional mas traduz profunda intolerância
 Desde a Constituição de 1824,  os Textos Magnos pátrios consagram o princípio da liberdade religiosa, o que se dá amplamente a  partir da Carta Republicana de 1891. 
O Estado laico, longe de ser um Estado ateu -que nega a existência de  Deus-, protege a liberdade de consciência e de crença de seus cidadãos,  permitindo a coexistência de vários  credos. Aliás, é princípio fundamental do cristianismo e muito precioso  aos católicos, que compreendem a  parcela maior dos brasileiros, o profundo respeito à liberdade religiosa  de cada um, como bem se afirma na  declaração "Dignitatis Humanae", do  Concílio Vaticano 2º. 
As Constituições brasileiras fazem  expressa menção, em seus preâmbulos, à confiança depositada em Deus  (1934), colocando-se sob sua proteção (1946) ou afirmando o amparo divino, como pouco humildemente se  fez em 1988. 
Essa percepção da importância de Deus como fundamento de uma sociedade fraterna radica na indissociável conexão entre a história, a cultura e o próprio Criador, o que é imprescindível à elaboração de políticas públicas que não colidam com a liberdade religiosa nem desrespeitem a profunda religiosidade dos brasileiros. Daí a enorme distância entre o pluralismo religioso do Estado laico e um Estado ateu ou pagão, que nega a existência de Deus ou prega a divinização do ocupante do poder.
Nero lançou no ano 64 feroz perseguição aos cristãos, que se seguiu ao  longo do século dois para a preservação do culto pagão aos imperadores.  Hitler, com políticas de extermínio  do povo judeu -e de cristãos, ciganos  e deficientes físicos- sustentou um  Estado ateu em que o "führer" era o  senhor supremo da vida e da morte. 
Por outro lado, Bento 16, o papa do  amor e da paz da encíclica "Deus Caritas Est", ao abrir a 5º Celam, em  Aparecida, considerando "a realidade  urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo", afirmou:  "O que é a "realidade'? O real? São  "realidade" só os bens materiais, os  problemas sociais, econômicos e políticos? Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes  no último século, erro destrutivo, como demonstram os resultados dos  sistemas marxistas e dos capitalistas. 
Falsificam o conceito de realidade  com a amputação da realidade fundante, e por isso decisiva, que é Deus.  Quem exclui Deus de seu horizonte  falsifica o conceito de "realidade" e,  em conseqüência, só pode terminar  em caminhos equivocados e com receitas destrutivas. A primeira afirmação fundamental é, pois, a seguinte:  Só quem reconhece Deus conhece a  realidade e pode responder a ela de  modo adequado e realmente humano. A verdade dessa tese é evidente  ante o fracasso de todos os sistemas  que colocam Deus entre parênteses". 
Para se evitarem "caminhos equivocados e com receitas destrutivas", é  indispensável que o Estado laico também dialogue com a ciência, que,  quando busca a verdade e é conduzida  com vistas à preservação da dignidade humana em plenitude, não contradiz verdades da fé. 
Nos temas de proteção à vida, a  ciência moderna comprova que ela se  dá a partir da concepção, o que já impõe substancial amparo jurídico do  Estado. A proteção constitucional e  legal à vida -única e irrepetível- a  partir de seu início confirma, pois, o  que algumas das maiores religiões já  afirmam desde tempos imemoriais. 
Assim, quando nos defrontamos com temas como aborto, pesquisas destrutivas com células-tronco embrionárias, comercialização de embriões humanos por clínicas de fertilização artificial, não se pode calar a manifestação de cristãos, judeus, muçulmanos e até mesmo de ateus como expressão da rica realidade dos que compõem a sociedade brasileira.
Quando se sustenta que o Estado  deve ser surdo à religiosidade de seus  cidadãos, na verdade se reveste esse  mesmo Estado de características pagãs e ateístas que não são e nunca foram albergadas pelas Constituições  brasileiras. A democracia nasce e se  desenvolve a partir da pluralidade de  idéias e opiniões, e não da ausência  delas. É direito e garantia fundamental a livre expressão do pensamento,  inclusive para a adequada formação  das políticas públicas. 
Pretender calar os vários segmentos religiosos do país não apenas é antidemocrático e inconstitucional mas  traduz comportamento revestido de  profunda intolerância e prejudica  gravemente a saudável convivência  harmônica do todo social brasileiro.
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