13 junho 2007

VOTECRISTO.COM.BR

MARCELO COELHO

A babaquice triunfa, de George W. Bush a Galvão Bueno, de Davos à favela da Rocinha

Ser rabugento é um espécie de deformação profissional entre os críticos e os cronistas. Gostaria de evitar, mas não prometo nada, porque o assunto de hoje tem forte potencial "resmungogênico".

Falo dessa votação das Novas Sete Maravilhas do Mundo, que mobiliza uma formidável multidão de internautas: em maio, já eram 45 milhões de eleitores. O Brasil está na parada.
O Cristo Redentor é um dos finalistas da competição, com chances de suplantar a Muralha da China, Macchu Picchu e o Taj Mahal.

Fico naturalmente surpreso. Cristo Redentor? Pensava que o nosso candidato era o Maracanã. Em todo caso, os apelos e mobilizações da torcida verde-amarela crescem na reta final. Quem quiser dar uma força pode acessar o site www.new7wonders.com. Ou o www.votecristo.com.br, todinho em português. O resultado será conhecido em cerimônia em Lisboa, em 7 de julho (07/07/07, como já terá percebido o bom entendedor). Além de votar, contribuindo para que o afluxo de turistas internacionais ao Rio cresça de modo significativo (mesmo após o Pan), você pode engajar-se mais seriamente no projeto.
Há uma "canção oficial" da promoção, a ser baixada no computador, camisetas promocionais e distintivos para enganchar na camiseta. A coleção completa dos distintivos, com imagens dos 21 concorrentes, está à venda por US$ 99,95.

Corra, porque só existem 7.777 exemplares autênticos.

A conta, dirão os mais céticos, é de mentiroso. Mas a iniciativa, que conta com o apoio da Unesco, parece ter boas intenções, ou pelo menos 50% de boas intenções: metade do lucro obtido irá para fundos de preservação do patrimônio histórico internacional.

Quem está ganhando? O site deixou de divulgar o ranking, com a alegação de que a massa de votos tem sido enorme nos últimos dias, acarretando flutuações súbitas no cômputo geral. Prefiro acreditar que eles estão mantendo o suspense para que não se esvazie a cerimônia da premiação; há ingressos à venda para assisti-la ao vivo.

O Cristo Redentor não é um azarão: há escolhas menos justificáveis, a meu ver, como a Ópera de Sydney, e talvez menos conhecidas, como o Templo Kiyomizu de Kyoto. Pelos critérios oficiais, o que se deve premiar é o valor de cada construção, não a paisagem que a rodeia. Mas nós, brasileiros, somos muitos, e temos mais a ganhar: a Torre Eiffel, o Coliseu ou a Estátua da Liberdade não precisam da lista para receber mais visitantes.

"O seu voto conta!", proclama o site. "Participe na evolução da história mundial..." Lendo frases do tipo, lembro a frase do empresário circense P.T. Barnum, segundo a qual nasce um otário a cada minuto. Mas a questão aqui não é a de ser otário: ninguém está sendo enganado (espero) nesse concurso. Talvez, desculpem-me os entusiastas do projeto, o que me irrite seja o seu componente de babaquice.

O termo é pesado, mas não encontro equivalente para um tipo de atitude que se alastra em toda parte. Antigamente, dizia-se "eram coisa de americano": animadoras de torcida, chapéus palheta com as cores da bandeira em convenções do Partido Republicano, adesivos do tipo "Eu participei da Festa do Amendoim de Tuscaloosa", a parada oficial da Disneylândia...

Um mundo em que o comercialismo deslavado parecia não ter medo de ser feliz, e em que todo banqueiro cantava ao ir para o trabalho como se fosse um anãozinho da Branca de Neve. "Shrek", aliás, representou um saudável antídoto de ironia a esse espírito de conto de fadas que, sem dúvida, associávamos à mentalidade americana.

Mas essa atitude "construtiva", essa militância na inocuidade, toma conta de tudo: frases edificantes e conclamações em cor-de-rosa estão presentes nas palestras com PowerPoint, nas contas de luz, no "obrigado por ligar" dos serviços de atendimento eletrônico, nos Dias Mundiais Disso ou Daquilo, nos abraços coletivos em defesa do amor e do planeta; a babaquice triunfa, de George W. Bush a Galvão Bueno, de Davos à favela da Rocinha.

Mas seria injusto falar só de babaquice. Nessas promoções interativas de internet, existe sem dúvida uma vontade autêntica de participar de alguma coisa. Apesar das patriotadas que contém, um movimento como o das sete maravilhas traz a ilusão, ou a esperança, de que todos nós sejamos de fato cidadãos do mundo. A vontade é autêntica; pena que o resto não.

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