DANUZA LEÃO
A primeira coisa a fazer é pedir férias; em seguida, entre numa livraria e compre todos os livros que quiser
O Pan-Americano já chegou, praticamente, e quem gosta de esportes está vibrando. Mas as coisas ainda vão piorar; serão provas o dia inteiro, de todas as modalidades, e quem não puder estar presente basta ligar a televisão em qualquer canal para saber de tudo o que está acontecendo, da dor muscular de um jogador de vôlei ao romance que começou entre dois nadadores. Nada lhe será poupado.
Mas existirão os que odeiam esportes e durante um mês a vida não será fácil. É pensando no sofrimento deles que estou escrevendo.
A primeira coisa a fazer é pedir férias de um mês; em seguida, entre numa livraria e compre todos os livros que tiver vontade -os que puder e os que não puder (para isso existem os cartões de crédito). Depois, telefone para os jornais e revistas de que é assinante e diga que vai viajar, só volta em 15 de agosto, e que por isso quer suspender suas assinaturas, o que será um grande caminho andado. E mesmo que ainda não tenha acontecido a cerimônia de abertura do Pan, aconselho vivamente a tirar da parede a tomada da televisão, para ir se acostumando.
Verifique se a secretária eletrônica está funcionando e só atenda telefonemas de pessoas que, como você, odeiam esportes. Elas são em número muito maior do que você pensa, só que talvez não tenham coragem de dizer. E quando atender, fale de um filme que viu, de um livro que leu, e corte, sem cerimônia, qualquer tentativa de falar sobre competições, medalhas, qualquer coisa que se refira você sabe a quê.
Vai passar um mês isolado, mas o isolamento é necessário, às vezes, para pensar na vida. Aproveite para sonhar com tudo que gostaria de fazer e ainda não fez, os lugares onde gostaria de ir e ainda não foi, os romances que gostaria de ter e ainda não teve. Perca suas inibições e escreva; escreva sobre o que se passa na sua alma, sobre seus anseios mais secretos. E como não vai poder sair de casa nem um só dia antes que o acontecimento acabe, aproveite para arrumar sua casa. Todas, absolutamente todas, estão precisando de uma geral, tipo arrumar as gavetas, botar a papelada em ordem, jogar fora um monte de roupas que não vai usar nunca mais; faça essas coisas que nunca tem tempo de fazer, e isso lhe trará uma grande paz.
Só saia para dar uma volta com o cachorro, mas não se afaste de casa mais de 20 metros, pois o perigo anda à solta. Finja que surtou e não cumprimente o porteiro, pois ele terá, seguramente, um comentário a fazer sobre o assunto que você mais quer evitar na vida.
Quando o estoque de comida estiver acabando, peça por telefone e seja bem antipático com o entregador, para evitar você sabe bem o quê.
O problema vai ser a volta à vida normal. Muita gente ainda vai estar falando sobre o assunto, e você não pode confessar seus verdadeiros sentimentos sobre o mês tão palpitante -para eles- que passou, pois ninguém vai entender.
Invente, então, uma bela mentira; diga que passou o mês internado no hospital com a suspeita de uma doença grave e rara, e que os médicos exigiram que durante algum tempo você trabalhe e vá para casa, sem conversar sobre assunto algum.
E só volte a ser a pessoa que era antes quando os jornais anunciarem um novo escândalo -talvez a suspeita de um superfaturamento nas obras do Pan.
Aí você pode voltar a ser a pessoa que era, pois tudo estará esquecido, tão esquecido como o mensalão, a mesada que a gestante recebia de Renan Calheiros pelas mãos do lobista de uma empreiteira, do nome da construtora Gautama, de Vavá, da cafajestada de Lula com Mangabeira Unger e da grossura de Marta Suplicy, aquela moça que carrega um sobrenome tão nobre.
Ou você já esqueceu?
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