"Renan respondeu às acusações no lugar errado – a cadeira de presidente do Senado.
O que fazia ele sentado lá? Tentava se confundir com a instituição. É o nosso
Luís XIV das Alagoas?"
O senador Renan Calheiros, capturado no centro do escândalo sobre suas relações financeiras com um lobista de empreiteira, cometeu o pecado de invadir a vida pública.
Ao tentar explicar-se para os colegas por meio de um discurso de 2.800 palavras que levou 23 minutos para ler, o senador quis apresentar-se como vítima de uma invasão de sua vida privada. No discurso, disse que iria "confessar pecados" e revelar "segredos sagrados" para defender-se do "pseudo-escândalo" sobre sua "vida pessoal". Reclamou que não tinha o direito de usufruir a "cláusula pétrea" que garante "privacidade a todos" e reclamou do "constrangimento" de expor sua "vida íntima e pessoal". Voltou ao tema várias vezes e, lá pelas tantas, declarou: "O que eu quero mais uma vez denunciar é essa ignomínia da invasão da minha vida privada, daquilo que é mais sagrado na construção da sociedade, que é a família". Tudo show de autovitimização.
VEJA não invadiu a privacidade de Renan Calheiros. Denunciou, isso sim, que o senador tinha relações promíscuas com um lobista de empreiteira que pagava suas despesas pessoais. Que despesas? A pensão e o aluguel para a jornalista Mônica Veloso, com quem teve uma filha. Ponto. Na reportagem, VEJA não publicou o nome da criança. Não disse que o senador era casado quando teve a filha, não disse que se tratava de uma relação extraconjugal, não informou quanto tempo durou o romance, onde se encontravam, nada. Não disse – para usar uma expressão que o senador adora – "abissolutamenti nada" que pudesse soar, ainda que remotamente, como uma invasão de sua vida pessoal. Aliás, que se saiba: VEJA teve acesso a cinco transcrições de conversas gravadas entre o senador e a mãe de sua filha. É lixo para jornalistas, mas uma delícia para alcoviteiros. VEJA fez jornalismo e não lhe invadiu a vida privada.
Renan é que invadiu a vida pública. A começar pelo fato de que respondeu às acusações no lugar errado – sentado na cadeira de presidente do Senado. O que fazia ele sentado lá? Nem Jader Barbalho, quando enredado em seus ranários e fazendões, agiu de modo tão lamentável. E por que Renan falou daquela cadeira? Para envolver o Senado da República em sua crise individual. Para se dar mais poder, impressionar a platéia, jogar o peso de sua autoridade sobre a mãe de sua filha, escudar-se na instituição. Renan não foi acusado de nada na condição de presidente do Senado, mas como homem público, de quem se suspeita pesadamente que se envolveu numa teia de favores e corrupção. Que falasse da tribuna, como qualquer senador. Mas não.
A certa altura de seu discurso, lacrimoso e esburacado, o senador deixou evidente sua tentativa de envolver o Senado da República em seu problema pessoal e chegou a dizer o seguinte: "Quando me agridem, ferem também uma das mais altas instituições nacionais. Quando me miram atingem a instituição". Mas que raios o senador pensa que é? A personificação das instituições nacionais? Luís XIV das Alagoas? Le Sénat c'est moi? A atitude do senador é um disparate, mas não é propriamente um ineditismo: é apenas o velho retrato da usurpação da coisa pública com propósitos pessoais.
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