FABIANO MAISONNAVE
No ano passado, as declarações de Hugo Chávez sobre o "cheiro de enxofre"  que sentiu do seu desafeto George  Bush em plena tribuna da ONU racharam a empobrecida população  de esquimós do Alasca. Apesar de  as temperaturas alcançarem - 15C,  algumas vilas preferiram passar  frio em apoio ao seu presidente a  comprar o óleo para aquecimento  subsidiado pela Venezuela. 
Essa incrível capacidade desagregadora da oratória de Chávez  muitas vezes tem o seu lado positivo. É mérito dele a discussão em  torno do impacto do etanol nos alimentos (fale dos bóias-frias!). E foi  ele quem provocou a retratação de  Bento 16 pelas declarações revisionistas sobre as relações entre a sua  igreja e os índios. 
O caso da RCTV, por outro lado,  evidenciou que ele não sabe ficar  na berlinda. Após um ato autoritário, e incapaz de sustentar argumentos sólidos, Chávez mandou  "al carajo" os seus críticos, que não  foram poucos e estão longe de ser  homogêneos: incluem, entre outros, União Européia, Repórteres  Sem Fronteiras, Espanha, EUA e o  Senado brasileiro, cujo requerimento errou o nome da Venezuela. 
A inédita reação contra a decisão  de não renovar a concessão da  RCTV deixou claro que boa parte  da comunidade internacional cobrará de Chávez um preço bastante  caro. Por outro lado, a reação destemperada mostrou ao mundo que  ele está disposto a pagá-lo. 
Se ficará cada vez mais difícil  conviver com Chávez no cenário  internacional, para a oposição venezuelana beira o insuportável. 
Acusada diariamente de golpista,  perde até o espaço das ruas, caso  dos estudantes impedidos pela polícia de marchar na sexta-feira. 
Enquanto a caravana passa, a cartilha pragmática de Lula reza que, para se intrometer nos "assuntos internos", só quando se trata de ajudar Chávez, como foi a visita em novembro, a poucos dias da eleição presidencial venezuelana.
Já é anacrônico cobrar coerência  da classe política brasileira. Mas  não deixa de ser notável que Lula  se esquive do que ocorre na Venezuela depois de ter usado tanto  apoio internacional na época pré-poder, enquanto o repúdio mais  forte à medida contra a RCTV venha do senador Sarney, que, no seu  Maranhão, dispõe da hegemonia  midiática que Chávez ainda busca. 
Há fortes motivos para Lula agir  assim. Empresas brasileiras, lideradas pela Odebrecht, doadora de  sua campanha, lucram cada vez  mais com os petrodólares de Chávez - o Brasil já é o segundo parceiro comercial, atrás dos EUA.  São esses os interesses que se  busca preservar, nem que para isso  seja necessário sacrificar temas caros como a liberdade de expressão. 
Talvez os pobres esquimós, tiritando de frio, tenham algo a ensinar à  diplomacia brasileira.
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