05 junho 2007

CHÁVEZ, LULA E OS ESQUIMÓS

FABIANO MAISONNAVE

No ano passado, as declarações de Hugo Chávez sobre o "cheiro de enxofre" que sentiu do seu desafeto George Bush em plena tribuna da ONU racharam a empobrecida população de esquimós do Alasca. Apesar de as temperaturas alcançarem - 15C, algumas vilas preferiram passar frio em apoio ao seu presidente a comprar o óleo para aquecimento subsidiado pela Venezuela.

Essa incrível capacidade desagregadora da oratória de Chávez muitas vezes tem o seu lado positivo. É mérito dele a discussão em torno do impacto do etanol nos alimentos (fale dos bóias-frias!). E foi ele quem provocou a retratação de Bento 16 pelas declarações revisionistas sobre as relações entre a sua igreja e os índios.

O caso da RCTV, por outro lado, evidenciou que ele não sabe ficar na berlinda. Após um ato autoritário, e incapaz de sustentar argumentos sólidos, Chávez mandou "al carajo" os seus críticos, que não foram poucos e estão longe de ser homogêneos: incluem, entre outros, União Européia, Repórteres Sem Fronteiras, Espanha, EUA e o Senado brasileiro, cujo requerimento errou o nome da Venezuela.

A inédita reação contra a decisão de não renovar a concessão da RCTV deixou claro que boa parte da comunidade internacional cobrará de Chávez um preço bastante caro. Por outro lado, a reação destemperada mostrou ao mundo que ele está disposto a pagá-lo.

Se ficará cada vez mais difícil conviver com Chávez no cenário internacional, para a oposição venezuelana beira o insuportável.

Acusada diariamente de golpista, perde até o espaço das ruas, caso dos estudantes impedidos pela polícia de marchar na sexta-feira.

Enquanto a caravana passa, a cartilha pragmática de Lula reza que, para se intrometer nos "assuntos internos", só quando se trata de ajudar Chávez, como foi a visita em novembro, a poucos dias da eleição presidencial venezuelana.

Já é anacrônico cobrar coerência da classe política brasileira. Mas não deixa de ser notável que Lula se esquive do que ocorre na Venezuela depois de ter usado tanto apoio internacional na época pré-poder, enquanto o repúdio mais forte à medida contra a RCTV venha do senador Sarney, que, no seu Maranhão, dispõe da hegemonia midiática que Chávez ainda busca.

Há fortes motivos para Lula agir assim. Empresas brasileiras, lideradas pela Odebrecht, doadora de sua campanha, lucram cada vez mais com os petrodólares de Chávez - o Brasil já é o segundo parceiro comercial, atrás dos EUA. São esses os interesses que se busca preservar, nem que para isso seja necessário sacrificar temas caros como a liberdade de expressão.

Talvez os pobres esquimós, tiritando de frio, tenham algo a ensinar à diplomacia brasileira.

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