21 junho 2007

NADA DE APRENDIZADO

Editorial da Folha de S. Paulo

Com aumento de cargos preenchidos por políticos, o governo Lula reincide num vício que ajudou a produzir o mensalão

Em atos e discursos, o governo Lula está empenhado em reescrever a história recente. Na narrativa enviesada, o mensalão -e todas as graves distorções da política nacional que o escândalo revelou- vai se tornando uma nota de rodapé. Se tanto.
Logo após a seqüência de notícias dando conta da dimensão do valerioduto e suas ramificações nos negócios do governo e no Congresso, a gestão Lula, atordoada, ao menos fingia estar preocupada em atacar algumas das causas dos desmandos. O mês de julho de 2005 começava com a promessa de redução drástica nos cargos de confiança da máquina federal, onde vicejam negociatas de todo calibre.
O Planalto falava em reduzir o número de postos preenchidos por critérios políticos (havia 20 mil na administração direta) para 4.500, num prazo de até oito meses. "O presidente fará uma reforma que vai enxugar o número de ministérios e reduzir os cargos de confiança", afirmava o então líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).
Nada disso, obviamente, aconteceu. Passou o tempo, Lula foi reeleito e, dois anos depois, seu governo anuncia o oposto: vai aumentar os cargos de livre provimento, que ultrapassarão 22 mil, e reajustar suas remunerações. O objetivo é satisfazer a clientela de sempre -ora inflacionada pela hipertrofia da aliança que une comunistas, liberais, neopentecostais, sem-terra, ruralistas, peemedebistas de todos os currais e tantos outros.
Não se acomoda inteiramente ao governo Lula o rótulo aplicado aos Bourbon, aqueles que "nada aprenderam e nada perdoaram" após a Revolução Francesa. O presidente sabe perdoar. A posse ao filósofo Mangabeira Unger, ácido crítico do governo até há pouco tempo, foi só a manifestação mais recente do espírito de reconciliação presidencial, que já contemplara Sarney, Collor, Maluf, Quércia.
Já na incapacidade de retirar lições dos traumas históricos, a cúpula lulista se aproxima bem da dinastia francesa. Cenas explícitas de corrupção nos Correios e o envolvimento em desmandos de assessores no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Instituto de Resseguros do Brasil e na Casa da Moeda, entre outros, não tiveram valor pedagógico nenhum para o governo.
Pelo contrário, o Planalto parece ter tomado a impunidade como salvo-conduto. Não apenas replica o loteamento político da máquina federal mas o amplia. Seria cômico, se não representasse prejuízos para o cidadão -como contribuinte e usuário dos serviços públicos-, o fato de a base governista estar discutindo ampliar o financiamento público de campanhas e torná-lo exclusivo neste momento.
Quer-se proibir a doação privada às legendas justamente quando estão sendo aumentados os pontos de contato (cargos de confiança) entre os partidos enquistados na máquina pública e os lobbies e os negociantes interessados em contratos e concessões do Executivo e de estatais.
O paradoxo é apenas aparente. As ações se compõem no sentido de fertilizar o submundo das negociatas à custa do erário.

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