Folha de S. Paulo
NÃO
Uma piora na qualidade da representação
JOSÉ ANÍBAL
Nesses dias de início de votação da reforma política, ouvimos com freqüência que nosso sistema eleitoral proporcional, "pior do que está, não pode ficar". Pode! Basta adotarmos o sistema de lista fechada ou qualquer outro atalho -como lista flexível- com o propósito de restringir ainda mais a representatividade dos parlamentares.
Também foi freqüente ouvir nesses dias a respeito do desgaste dos parlamentares quanto à obtenção de recursos para financiamento das campanhas. Criou-se uma indevida relação entre aprovar as listas e ter o financiamento público de campanha.
Cabe perguntar, como diria Ulysses Guimarães: como Sua Excelência, o eleitor, foi tratado nesses dias em Brasília? Para dizer o mínimo, como pano de fundo, longe, muito longe de ser o personagem principal que representa correntes, tendências, esperanças e desejos que devem ser resgatados pelos parlamentares em sua função de representação.
O que está em pauta, no atual estágio do debate, é se o eleitor vai escolher entre uma multidão de candidatos, votando num e, muitas vezes, elegendo outro -inclusive de outro partido-, como é atualmente, ou se as direções partidárias oferecerão uma lista com os nomes dos candidatos preordenados para ser sufragada.
Os dois modelos não contemplam um aspecto vital do aprimoramento e da progressiva melhora da representação popular, ou seja, a possibilidade de o eleitor reconhecer o seu deputado e fiscalizá-lo, punindo-o ou premiando-o na eleição seguinte.
Reforçar a qualidade da representação e, dessa forma, fortalecer a própria democracia deve ser o ponto principal da reforma política, que é defendida por 11 entre dez parlamentares. Se assim é, o objetivo central será construir uma relação mais estreita entre a população e o eleito, e não escondê-lo numa lista.
A tramitação da reforma política começou com uma tentativa enviesada e totalmente equivocada, para dizer o mínimo, de estabelecer o voto em lista como condição para combater outros males de nosso remendado sistema eleitoral.
É óbvio que podemos votar a fidelidade partidária e o fim das coligações proporcionais imediatamente. E abrir um procedimento acordado entre todos os partidos para decidir sobre o novo modelo para constituição da representação popular. Inclusive -e inevitavelmente, se quisermos fazer uma verdadeira reforma- com mudança constitucional para tratar do voto distrital. Caso contrário, a reforma não vai andar, se restringindo a um jogo de conveniências que, no limite, pode comprometer nossa democracia e o Parlamento, que já está debilitado, perdendo vitalidade e a confiança da população.
Os males da nossa representação não se resolvem com lista fechada ou aberta. Corrupção, mensalão, desdém com o que pensa a sociedade, impunidade, corporativismo etc. têm várias origens, mas, sem dúvida, a principal é a escassa possibilidade de o eleitor fiscalizar o parlamentar. Para isso, é imprescindível o voto distrital, que não só aproxima o eleitor do eleito como propicia a fiscalização.
A lista fechada retira do eleitor a possibilidade de escolher seu candidato e, dessa forma, faz piorar ainda mais a qualidade da representação, afastando o eleitor do eleito.
É equivocado dizer que a aprovação da lista fechada facilitaria o caminho para o voto distrital. A única certeza do voto em lista fechada é que o poder das burocracias partidárias seria eternizado. Os debates dessa semana mostram que é possível avançar, na Câmara, para um sistema eleitoral que resgate a legislatura atual de seu precoce envelhecimento, prenunciador de crise que podemos evitar.
É necessário colocar a votação do voto distrital na ordem do dia da Câmara. O debate no Parlamento e na sociedade definirá se o sistema será puro ou misto. Não há outro caminho para construir a centralidade de Sua Excelência, o eleitor, como recomendado por Ulysses. Aliás, esse processo de reforma pode -e seria bom se assim fosse- engendrar ampla participação popular, como nas Diretas-Já. O Brasil precisa.
SIM
Racionalização do debate político LUIZ SÉRGIO
Não há sistema eleitoral perfeito. À luz dessa compreensão, a comissão especial encarregada de discutir a reforma política elaborou proposta do voto em lista. Para tanto, considerou a excessiva personalização do voto, induzida por um sistema que fragiliza as instituições partidárias e exacerba o individualismo, tanto dentro quanto fora dos partidos, ao mesmo tempo em que contribui para pulverizar de maneira artificial as forças políticas.
O voto em lista tem a virtude pedagógica de racionalizar o debate político e permitir ao eleitorado conhecer o programa que está escolhendo. O atual sistema não permite um debate racional. A cada eleição, é uma balbúrdia de siglas, materiais diversos e propostas desconexas que invadem ruas e lares, produzindo muito barulho, pouco esclarecimento e nenhuma politização. Tudo resulta em bancadas fragmentadas, eleitos exóticos e ingovernabilidade.
Os adversários do voto em lista alegam que sua adoção tira do eleitor o direito de escolher seu candidato. Pura embromação, pois ignora que hoje o eleitor pode votar num candidato e contribuir para eleger outro do mesmo partido ou de outra sigla coligada.
A lista permite construir um partido mais solidário, coletivo e que possa nos unificar no processo das campanhas políticas. Cria condições de oportunidades mais igualitárias.
Aquilo que é antipartido e anticoletivo é o individualismo, prática que o PT nega na sua essência. A lista procura assegurar ao eleitor o direito de optar por um programa e uma orientação ideológica clara. Teme-se o excesso de poder nas direções partidárias e nos chamados caciques. Ora, nada impede a aprovação de legislação específica com regras democráticas para reger a confecção das listas, como a consulta ao conjunto dos filiados aos partidos. Estes podem estabelecer as normas. Se incorrerem em métodos autoritários, certamente serão punidos pelas urnas.
A lista preordenada -ou um derivativo dela, que não descaracterize o esqueleto da proposta- viabiliza o financiamento público de campanha, que dará dignidade a parlamentares e partidos políticos, além de independência ao exercício do mandato.
O financiamento público unifica as campanhas, que serão conduzidas unicamente pelos partidos, facilita o controle e a fiscalização e, acima de tudo, barateia as campanhas, cujo custo crescente chega a agredir a dignidade do nosso povo. O atual modelo de financiamento está esgotado. Favorece escandalosamente candidatos com acesso aos donos do dinheiro, encarece absurdamente as campanhas, torna os candidatos e os eleitos reféns do poder econômico. É a matriz da prática da corrupção e contribui para a desmoralização da atividade política e da democracia.
Quem, como alguns tucanos, propõe voto distrital é porque não quer fazer nenhuma reforma. O sistema distrital, em todas as suas variantes, é uma aberração antidemocrática que sufoca as minorias. A Inglaterra padece do mal desde 1945. Lá, o Partido Liberal é freqüentemente prejudicado, pois o percentual de cadeiras que recebe é sempre inferior ao seu percentual de votos. Com uma média de 12,4% dos votos, obtém uma média de 1,9% das cadeiras. Em 1983, recebeu 25,04% dos votos e elegeu apenas 3,5% dos representantes.
Na Alemanha, dadas as deformações do sistema distrital, se adotou um sistema de listas para eleger a metade do Parlamento. Dir-se-ia que a elite alemã, consciente de seu passado nada exemplar em matéria de democracia, resolveu permitir que pelo menos metade do seu Parlamento fosse eleita de forma democrática.
Qualquer versão do sistema distrital é antidemocrática e inviável, até porque requer reforma constitucional que depende da aprovação de 308 deputados. Ninguém consegue construir essa maioria. Precisamos, sim, discutir com sinceridade os pontos que estão na pauta da Câmara: voto em lista, proibição de coligações proporcionais, financiamento público e fidelidade partidária. A reforma precisa reafirmar, acima de tudo, a democracia, a transparência, o controle sobre os gastos, a moralização da campanha e a dignidade para o exercício do mandato.
Ainda há tempo e esperança.
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