08 junho 2007

ATO DE CHÁVEZ AO FECHAR TV FOI "DEMOCRÁTICO", DIZ LULA

CLÓVIS ROSSI

Brasileiro defende a decisão do colega venezuelano em relação à emissora RCTV

Em entrevista à Folha, presidente afirma que "não renovar a concessão é tão democrático quanto dar; faz parte da democracia deles"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que o fato de seu colega venezuelano Hugo Chávez não renovar a concessão da emissora RCTV foi tão democrático quanto teria sido a eventual renovação.

"Eu acho que não dá para ideologizar essa questão da televisão. O mesmo Estado que dá uma concessão é o Estado que pode não dar a concessão.

O Chávez teria praticado uma violência se tivesse, após o fracasso do golpe [contra o venezuelano em 2002], feito a intervenção na televisão", disse.

Apesar de defender Chávez, Lula afirmou que seu colega será prejudicado pelas críticas ao Senado brasileiro. "Quando você erra na política, quem é que perde? É quem erra. Por quê?
Porque o acordo para a entrada da Venezuela no Mercosul vai ter que passar pelo Senado, e quero crer que o Chávez deve perceber que vai ficar muito mais difícil agora. Vai exigir muito mais esforço nosso para convencer que um mal-entendido ou uma agressão verbal não pode colocar em risco um projeto para a região."

Em entrevista concedida à Folha, na embaixada brasileira em Berlim, Lula falou só sobre política externa. Durante a campanha à reeleição, no final da sabatina a que foi submetido pelo jornal em outubro de 2006, o então presidente-candidato havia prometido à Folha uma entrevista só sobre o tema. Foi essa a condição.

A conversa de 80 minutos aconteceu pouco antes de reunir-se com o grupo chamado "outreach", ou seja, o grupo externo ao G8 que participará hoje da sessão final da cúpula do mundo rico. O grupo é formado por África do Sul, China, Índia e México, além do Brasil.

Lula lembra ainda que Chávez deveria ter em mente que, quando houve o golpe contra ele, em 2002, logo abortado, "o Senado brasileiro tirou uma moção em defesa do Chávez, contra o golpe".

FOLHA - O sr. disse a Chávez que o Senado brasileiro o defendeu quando houve o golpe contra ele?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA -
Não conversei com o Chávez depois. Certamente devemos nos encontrar no Paraguai, no dia 27 ou 28. Nesses quatro anos de mandato, já vi muitas brigas entre países latino-americanos. E eu tenho comentado com eles que precisamos tomar cuidado com o discurso porque às vezes a radicalização verbal atrapalha muita coisa. Você dá uma declaração num lugar e, dependendo do interesse local, a imprensa dá uma manchete e cria-se uma animosidade nacional numa coisa que não precisaria. A nota que o Senado brasileiro fez em relação à televisão do Chávez é uma nota branda. É um apelo, não tem nenhuma agressão. Agora como é que chegou a ele, eu não sei.

FOLHA - Pouco antes da primeira posse, o sr. enviou Marco Aurélio Garcia à Venezuela, para ajudar a diluir uma crise que poderia até desembocar em outro golpe, com apoio claro da mídia local. Portanto, para ajudar, a soberania [alegada para não criticar a cassação da RCTV] não é tão "imexível". Mas, na hora de criticar, o sr. parece ter medo de criticar Chávez, talvez por temer um destempero dele.
LULA -
Isso está resolvido na nota. Eu já viajei do Brasil para a Colômbia para evitar um conflito entre o Chávez e o [Álvaro] Uribe [presidente da Colômbia] por conta dessas coisas verbais. Já vi o Chávez e o Lagos ficarem atritados por causa de coisa verbal. Não acho que o Brasil tenha que se portar assim. Eu quero sentar direitinho, conversar, encontrar as palavras certas para falar as coisas.

FOLHA - Inclusive a questão da TV o sr. falaria para ele?
LULA -
Eu falo o que faria no Brasil. Eu acho que não dá para ideologizar essa questão da televisão. O mesmo Estado que dá uma concessão é o Estado que pode não dar a concessão. O Chávez teria praticado uma violência se tivesse, após o fracasso do golpe, feito a intervenção na televisão. Não fez. Esperou vencer a concessão. No Brasil vencem concessões sempre e que passam pelo Senado para que haja renovação. Nos Estados Unidos, há concessões. Algumas são renovadas. Vai da visão que cada presidente tem da situação.

FOLHA - Quando o sr. diz que no Brasil a relação é democrática e consolidada, a inferência possível é que, na Venezuela, apesar de tecnicamente estar tudo nos conformes, não é democrático...
LULA -
O fato de ele não renovar a concessão é tão democrático quanto dar [a concessão]. Não sei porque a diferença entre dois atos democráticos. A diferença com o Brasil é que conseguimos colocar na Constituição que isso passa pelo Congresso. Não é uma decisão unilateral do presidente. Lá é. Faz parte da democracia deles. Agora o que acho engraçado é que você pega um cara como o [Gustavo] Cisneros [dono de um dos mais importantes grupos de mídia da Venezuela e da América Latina], que era tido como o maior inimigo do Chávez, está de acordo.

FOLHA - Mas aí é que está o problema: venceram ambas as concessões, mas a do Cisneros foi renovada, o que torna claro que foi uma resposta política, embora os argumentos formais possam ser corretos.
LULA -
Não sei qual foi o critério que ele adotou para dar as concessões. O dado concreto é que ele utilizou a legislação que vigora no país e tomou essa decisão. Por que eu, presidente do Brasil, vou ficar dizendo se ele fez certo ou errado. Quem tem que julgar isso é o povo da Venezuela, não sou eu.

CRISE DE 2002
Lula talvez minimize a força que pode ter sobre Chávez. A crise do fim de 2002, meses após o golpe de curta duração de abril, foi diluída graças à criação do chamado "Grupo de Amigos da Venezuela", uma invenção do brasileiro.

Durante a posse de Lúcio Gutiérrez no Equador, Lula chamou Chávez e disse que o grupo deveria forçosamente incluir países como Estados Unidos e Espanha, que haviam apoiado o golpe contra Chávez.

O presidente venezuelano teve que viajar para Nova York antes de definido o grupo. Foi então a vez de Fidel Castro descer à suite de Lula para reclamar que, com essa composição, o grupo levaria à destruição da Venezuela, porque os inimigos de Chávez tomariam conta.
Lula argumentou que o grupo não era de amigos de Chávez, mas da democracia venezuelana, o que só poderia funcionar se houvesse nele países que a oposição tinha como referência. Fidel não gostou, mas Lula insistiu com Chávez, convocado a Brasília. O presidente da Venezuela disse que não estava de acordo mas aceitava assim mesmo a proposta. A crise morreu, em parte pela ação do grupo. Resta saber, no entanto, se Chávez aceitaria gestões do gênero agora que está forte.

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