Lewis Hamilton, 22, fala à Folha sobre sua nova vida, como sensação da F-1
Vice-líder do Mundial, inglês experimenta superproteção da McLaren, que veta aos repórteres, por exemplo, perguntas sobre sua cor
   Uma multidão cerca Lewis  Hamilton, 22. Sentado atrás de  uma pequena mesa nos escritórios da McLaren em Montréal,  o inglês, olhos arregalados, responde às perguntas da imprensa, ávida por saber como está o  clima na equipe após a polêmica vitória de seu companheiro  Fernando Alonso em Mônaco.O piloto parece pensar em  cada palavra. Sabe que está no  centro de um furacão. Sabe da  importância que ganhou na F-1  após quebrar todos os recordes  de precocidade em seu ano de  estréia: cinco pódios em cinco  corridas, mais jovem a liderar o  Mundial e melhor estreante.
Minutos depois, um grande  sorriso, que deixa à mostra seus  dentes separados, destrói a primeira impressão. É assim, relaxado e "desarmado", que outro  Hamilton recebe a Folha e cinco jornalistas ingleses no motorhome improvisado do time.
"Desculpem pela bagunça lá  fora", fala, sempre sorrindo.  "As coisas estão meio malucas.  Obrigado por esperarem."
E a espera foi mesmo longa.  Conseguir falar com a sensação  da F-1 é uma tarefa difícil. A reportagem entrou em contato  com a assessoria da McLaren  no dia seguinte ao GP da Espanha, quando ele assumiu a liderança do Mundial.
Depois de uma série de e-mails e de ouvir que assuntos como racismo não deveriam ser abordados, a equipe agendou entrevista em Mônaco, depois desmarcada. Enfim, aconteceu no Canadá, que hoje recebe a sexta etapa do Mundial. E com mais um recorde do novato: ele obteve, ontem, a primeira pole de sua carreira.
"Não nasci para ser famoso,  nasci para correr e vencer, mas  a fama é uma parte disso, apesar de eu não gostar", disse o  expoente da nova cara da F-1.
"Quero ser bom exemplo", diz novato
Sensação na F-1, inglês Lewis Hamilton diz que ainda não se acostumou, mas adora o novo mundo em que agora vive
De jeito tímido e cara de menino, piloto da McLaren, cujo passatempo predileto é jogar PlayStation3, não se acha parecido com Robinho
   Negro, de família pobre, Lewis Hamilton seguiu uma trajetória comum à de tantos esportistas de um país que ainda não  visitou, mas com o qual tem  uma relação especial, o Brasil.
"Ainda não fui ao seu país,  mas sei da situação dos brasileiros e há muitas crianças lá  com as quais posso facilmente  me identificar", falou à Folha.
"As coisas ainda estão só no  começo para mim, não sei bem  o efeito que posso causar na cabeça das pessoas, é tudo tão  fantástico... Mas espero que eu  possa servir como um bom  exemplo para essas crianças e  que tome as atitudes certas."
Apesar de se identificar com os brasileiros, Hamilton disse que ainda não sabe porque ganhou o apelido de Robinho no país. "O Felipe [Massa] me disse, mas não sei de onde saiu isso. Nem sabia que era conhecido no Brasil, isso me deixa bastante surpreso. É bom saber que sou admirado em outros lugares, como aqui no Canadá. Jamais imaginei que soubessem quem eu sou", disse.
A alcunha surgiu em 2006,  quando Hamilton disputava a  GP2, campeonato de acesso da  F-1, e foi campeão. A idéia, claro, veio dos pilotos brasileiros.
"O Robinho é um cara descolado, mas eu ainda perguntei  para o Felipe se eu me pareço  com ele. Eu não pareço, pareço?", questionou, para gargalhada dos ingleses na sala.
Educado, de fala mansa e jeito de menino, com boné laranja, Hamilton aos poucos vai se  soltando na entrevista, que ganha um tom quase de conversa.  Sentado em um canto da sala,  longe dos olhares dos assessores de imprensa da McLaren,  ele diz que ainda está se acostumando com o assédio.
"Por enquanto estou lidando  bem com tudo isso. Acho que o  grande segredo da carreira é  conseguir gerenciar tudo isso e  ainda conseguir um bom desempenho na pista", disse, com  uma maturidade pouco comum entre pilotos estreantes.
"O bom seria se eu pudesse  só correr e não ter que lidar  com tudo isso", completou o  piloto de 22 anos. "Tenho mais  ou menos conseguido fazer isso ultimamente, mas as coisas  estão ficando piores. Só disputei cinco corridas e sei que a  tendência é piorar", falou.
Líder do Mundial ao lado de  Alonso graças aos cinco pódios  conquistados nas cinco corridas que disputou, Hamilton  não só é a grande revelação do  ano na F-1 como também no  esporte. Primeiro negro a chegar à categoria, tem demonstrado arrojo nas pistas.
Mas seu desempenho acabou  gerando um frenesi na imprensa inglesa, desesperada atrás de  um piloto que faça jus à tradição automobilística do país. A  agitação é tamanha que ao voltar para a Inglaterra após as  três primeiras provas do ano,  Hamilton ficou chocado com a  quantidade de fotógrafos  acampados à sua espera.
"Ultimamente tem ficado  mais difícil sair de casa. É bom  quando ando de bicicleta, que  coloco uns óculos enormes e  um capacete e ninguém me reconhece", brincou ele, que resolveu se arriscar nos trens  londrinos na semana passada.
"Fui até o escritório do meu  pai e foi bem tranqüilo, mas a  verdade é que odeio andar de  trem, independentemente de  qualquer coisa", falou ele, que  vive na pequena cidade de Tewin, em Hertfordshire, a cerca  de 40 km da capital inglesa.
"Além de ir devagar, no trem  eu não estou no comando!  Sempre que tenho que ir a Londres, prefiro ir dirigindo, mesmo que fique preso no trânsito.  Meu pai é o oposto. Então às  vezes vamos separados."
A família, aliás, é algo que o  jovem piloto dá muito valor.  Seu avô, Davidson, deixou Granada quando era jovem para  tentar a sorte na Inglaterra.
Seu filho, Anthony, pai de  Lewis, seguiu seus passos desde cedo e começou a trabalhar  nas ferrovias inglesas. Como  não tinha dinheiro para bancar  o sonho de Lewis, ele se revezava entre três empregos. Hoje,  de volta à terra natal, o avô de  Hamilton dirige um ônibus escolar.
Anthony, que agora tem  uma empresa de tecnologia,  acompanha o filho nos paddocks ao redor do mundo.
E, quando não está viajando,  recebe com prazer o filho na  casa em que mora com a madrasta de Lewis, Linda, e seu  meio-irmão, Nicholas, 15, que  sofre de paralisia cerebral.
"Eu tenho um Mercedes GL,  que é quase uma van. Eu até  poderia escolher um modelo  mais esportivo, mas meu GL é  útil porque sempre que vou para a casa dos meus pais parece  que eu estou de mudança", disse Hamilton, às gargalhadas.
"Encho o porta-malas com  um monte de roupas sujas para  lavar lá, coloco uma mala com  as que eu vou usar no final de  semana e meu PlayStation3."
Este último, inclusive, tem  sido a principal diversão do inglês nas noites de sábado. Ao  lado do irmão, gasta horas na  frente do videogame. Só tem  uma reclamação. Como a versão é a de 2006, ele ainda não  aparece como personagem. A  solução encontrada foi fingir  que é Kimi Raikkonen, piloto  da McLaren até o ano passado.
"Quando corria de GP2 e ia  almoçar no motorhome da  McLaren, eu via o Kimi ter seu  próprio escritório e pensava  que um dia podia ter o meu  também. Agora eu tenho."
Mas não foi só isso que Hamilton conseguiu após 13 anos  como piloto da McLaren -ele  foi levado ao programa de desenvolvimento do time após  vencer seletiva de kart. O sucesso, diz, o priva de algumas  coisas, mas tem seu lado bom.
"A parte legal de tudo isso é  que eu posso conhecer gente  interessante. Pessoas que eu  jamais teria a oportunidade se  não fosse um piloto de F-1 e  não estivesse aqui, agora", falou, antes de citar os exemplos.  "Conheci o Stirling Moss, o  Jackie Stewart..." Com um sorriso um pouco tímido, revelou,  porém, quem foi a pessoa que  mais gostou de encontrar.
"Eu conheci a Beyoncé outro  dia. Nossa, ela é maravilhosa.  Claro que é legal conhecer o Jakie Stewart, mas encontrar  com ela foi demais", afirmou.
Empolgado, deu detalhes. "Ela me convidou para assistir a um show no sábado passado, em Wembley. Fui, sentei-me no meio das pessoas, mas não tive problema. Talvez tenha sido porque estava com o namorado da minha prima, um nigeriano gigante. Devem ter achado que era meu segurança!"
Nenhum comentário:
Postar um comentário