02 junho 2007

O ARQUITETO DA FILA

Roberto Pompeu de Toledo

As aventuras e o último feito do senador Jucá, um político típico do Brasil

Se um estrangeiro interessado nos costumes e na alma brasileira pedisse que lhe indicassem, para um estudo de caso, um político brasileiro típico, mas bem típico mesmo, a escolha do colunista que vos fala seria o senador Romero Jucá, do PMDB de Roraima. Claro, há muitos políticos típicos por aí. Mas a maioria falhará num item ou outro. Já Jucá, por quem o colunista confessa nutrir, há tempos, especial predileção, reúne, em sua pessoa e em sua biografia, tudo o que o político brasileiro tem de mais entranhadamente seu. Deseja-se, para construir o personagem, alguém capaz de servir a (e servir-se de) diferentes regimes e governos? Dá Jucá na cabeça. Alguém que já pulou mais de um partido para outro do que macaco de um para outro galho? Dá Jucá. Alguém com suficiente número de escândalos em suas costas? Outra vez, Jucá não decepciona. Alguém que, representante de um estado pobre, de escassa oferta de oportunidades, consegue no entanto construir respeitável patrimônio pessoal? Jucá cai como uma luva. Um político que traz parentes para fazer-lhe parceria na carreira? Jucá! Proprietário de emissora de TV? Jucá! Um político que, derrotado aqui e denunciado ali, no round seguinte está de novo de pé, pronto para novos cargos e funções? Jucá! Jucá!

Jucá ostenta a particularidade de ser ao mesmo tempo relevante e irrelevante. Não é fácil de entender, mas com um pouco de esforço o estudioso estrangeiro chega lá. Minoria ínfima de brasileiros já ouviu falar nele. Não se distingue como orador, não tem personalidade marcante, representa um estado desimportante. Brasileiramente, faz política sem ideologia nem idéias. No entanto, de uns anos para cá, acumula cargos de destaque e incumbe-se de delicadas manobras. No momento, é o líder do governo no Senado. Na semana passada, ao lado do senador José Sarney (outro caso de interesse, este mais estudado), formava a dupla que mais trabalhava para ajudar o presidente do Senado, Renan Calheiros, a driblar a denúncia de ter contas pessoais pagas por uma empreiteira.

A característica ambígua, ambivalente, anfíbia, de ser ao mesmo tempo relevante e irrelevante, confere-lhe colorido todo especial. Jucá nunca esteve na crista da onda. Ao mesmo tempo, sempre esteve na crista da onda. À primeira vista, é um paradoxo. No entanto, ao aprofundar-se no assunto, nosso estudioso talvez chegue à conclusão de que, entre os Jucás da vida, reside aí o pulo-do-gato. Sob o jeitão simplório, meio zonzo, esconde-se uma natureza ligadíssima. Senão, não teria conseguido surfar vitorioso no mar de lama que em diversas ocasiões ameaçou tragá-lo. Jucá já foi acusado de: 1) manter relações perigosas com garimpeiros e madeireiros de Roraima; 2) desviar dinheiro público para emissora de TV de sua propriedade; 3) manipular verbas do Orçamento no Congresso; 4) envolver-se com duvidosas obras públicas; 5) dotar os banheiros de sua casa de torneiras de ouro; 6) tomar no Banco da Amazônia empréstimo para empreendimento em avicultura dando como garantia propriedades rurais inexistentes. Esse caso derrubou-o do Ministério da Previdência, no primeiro governo Lula, depois de apenas quatro meses no cargo.

Poucos se lembrarão de que Jucá foi ministro. Pouquíssimos saberão no que deram as denúncias contra ele. O senador é dos bons. Sabe reverter em seu favor (Jucá! Jucá!) tanto a peculiaridade brasileira de esquecer, a cada quinze minutos, o que se passou nos quinze anteriores quanto a de os escândalos convergirem todos para um ponto de fuga onde se confundem com as nuvens, depois com o céu, para em seguida sumir no espaço infinito. Eis então que, safo e serelepe, de novo distinguido com importantes funções, coube a ele na segunda-feira passada decisivo papel na sessão do Senado que Renan Calheiros marcou para explicar-se. Tão logo Renan terminou seu discurso, Jucá pediu que fosse encerrada a sessão. O presidente do Senado, ou seja, o próprio Renan – principal orador e presidente da sessão, como se no circo o trapezista fosse também quem segura a rede (Renan! Renan!) –, concordou. Com isso, evitava-se que um Jefferson Peres ou um Pedro Simon, loucos como são, viessem com comentários impertinentes. Mais importante, abria-se espaço para a fila de cumprimentos que, puxada pela turma mais chegada, acabou por sufocar o denunciado num turbilhão de abraços e apertos de mão. Foi uma fila para ficar na história. Renan Calheiros não era mais o senador enredado no mais mortal pecado dos políticos, o da relação incestuosa com a empreita. Era o noivo, cercado pelos convidados depois do casório. Não estava mais sozinho. De abraço em abraço, o Senado, como instituição – e por extensão a "classe política" – armava um cinturão sanitário ao seu redor.

Jucá, como arquiteto da fila, perpetrou feito tão memorável que relegou ao esquecimento uma notícia saída no Jornal do Brasil, dias antes. A de que, em 2005, Romero Jucá foi o campeão de emendas destinadas no Congresso à Construtora Gautama – 55% do total delas, somando 94,3 milhões de reais.

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