14 janeiro 2008

O TRAFICANTE QUE VIROU EDUCADOR


GILBERTO DIMENSTEIN


Por que um garoto de classe média, com boas perspectivas e pais carinhosos, transforma-se num traficante de drogas?

A pergunta inevitável para quem assiste ao filme "Meu Nome Não É Johnny", lançado comercialmente na semana passada, é: por que um garoto de classe média, inteligente, carismático, com boas perspectivas profissionais e pais carinhosos não apenas se vicia como se transforma num traficante de drogas?
Inspirador do filme, João Guilherme Estrella, hoje com 46 anos, prefere não culpar ninguém. Não acusa a sociedade nem a sua família. "Fui vítima das minhas escolhas."
Entre goles de uma bebida energética amarelada que sorvia de um copo com muito gelo, ele se dispôs a contar passagens de sua infância e adolescência para que eu tivesse pistas sobre os caminhos que o levaram ao vício, à cadeia e, enfim, ao manicômio. Nem de longe Estrella se propõe a fazer um manual de auto-ajuda, nem se sente em condições de desvendar os mistérios psicológicos.
Suas pistas não asseguram uma resposta final, mas certamente servem de reflexão sobre as atitudes que levam os jovens a comportamentos destrutivos.


As histórias escolares mostram a dificuldade de João Guilherme de lidar com a autoridade -e também fica clara a dificuldade dos professores de estabelecer um limite. Ele conseguia livrar-se dos obstáculos graças ao seu poder de sedução, sempre encontrando uma brecha. Tal poder de sedução o levou à condição de líder entre os colegas.
Influenciava até professores. Como Estrella tinha uma inteligência acima da média, bastava estudar o mínimo para não levar pau. Num ano, ele precisava de nota dez em matemática, depois de vários zeros seguidos. Como tirou a nota máxima, foi levado para a diretoria, acusado de cola. "A professora simplesmente não acreditava que eu pudesse ir tão bem."

Suas lembranças sobre o relacionamento com os pais são de carinho. Teve todos os recursos para estudar nas melhores escolas. Entre as histórias que relatou, dá para perceber que sobravam carinho e apoio familiar, mas faltava limite.
A imagem que ele tem do pai é a de uma figura amorosa, amiga, que valorizava a liberdade e, portanto, o prazer da experimentação. Não largou o cigarro mesmo advertido sobre a gravidade dos seus problemas pulmonares e morreu quando o filho ainda era adolescente.
Nesse momento, o casal estava separado, e João Guilherme morava na casa do pai.

No decorrer da conversa, sempre evitando procurar culpados que diminuíssem a sua responsabilidade, ele revelou: "Acreditava que, por mais perigo que enfrentasse, eu encontraria uma saída nos 45 minutos do segundo tempo". A saída no último minuto poderia ser a nota dez de matemática. Ou a oferta de uma entrada para um jogo do Flamengo ao funcionário da escola que o levava à diretoria para acusá-lo de estar fumando maconha.

Com aquela mistura de onipotência e ausência de limite, vivendo numa sociedade permissiva e com alta sensação de impunidade como o Rio, João Guilherme apostava que controlava a droga. Imaginava-se mais forte do que o vício, apesar das altas doses misturadas com muita bebida. E, se houvesse qualquer problema, daria um jeito.
Para sustentar o consumo cada vez maior, tornou-se traficante. Foi quando desapareceram as perspectivas de futuro. O futuro passou a ser o presente da droga.
A descoberta do limite veio mesmo quando ele, já adulto, não encontrou a saída mágica aos 45 minutos do segundo tempo que evitasse sua prisão e internação num manicômio. Sobrou-lhe tentar se encontrar e lançar um olhar inteligente sobre si mesmo para reconstruir um projeto de vida, que incluiu compartilhar a sua história de um jovem à procura de um limite. O ex-traficante virou educador.

PS - No final da conversa, Estrella deixou escapar que está com vontade de ter um filho. Perguntei-lhe como reagiria se soubesse que seu filho usava drogas. Atualmente, ele vê com muita desconfiança até a liberdade de experimentar drogas químicas, como cocaína, por acreditar que, em alguns casos, pode ser um caminho sem volta. Não se imagina fazendo discursos raivosos ou moralistas ao filho. "Estou bem mais preparado do que meus pais para perceber quando alguém usa drogas e para conversar sobre os perigos do prazer", afirma.


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Ainda não vi o filme. Mas estou me programando para ir.

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