04 janeiro 2008

A RELIGIÃO DA FELICIDADE

Rosely Sayão

No início do ano, quase todos elaboram metas a serem buscadas no novo período. E duvido que muita gente não tenha desejado ardentemente ser feliz no ano que se inicia ou que boa parte de suas metas não vise tal resultado. É: ser feliz virou obrigação.
Religião, eu diria, pelo modo como encaramos o dever da felicidade. Precisamos ser felizes a qualquer preço, e agora, quase sempre, a felicidade tem um custo palpável, que sabemos calcular e almejamos pagar.
Entre os mandamentos da felicidade, um deles é manter o corpo saudável, jovem e magro.
Engordar, envelhecer, adoecer e morrer são pecados mortais. E o que fazer para evitar os agora chamados males da vida?
Como muita religião, começamos pelo sacrifício: na busca do paraíso corporal, é preciso fazer abstinência de certos alimentos.
As comidas não são mais avaliadas como gostosas ou não, mas como saudáveis ou nocivas. Não comemos mais por prazer ou para compartilhar, mas por dever. É só escondidos que cometemos alguns pecados contra esse mandamento, sem direito à absolvição. Resultado: acumulamos culpa e tormento. Aí, chega a hora da autoflagelação.
É preciso se exercitar, colocar o corpo em movimento com regularidade espartana para garantir a saúde dele, estender a vida ao máximo possível e, de quebra, ainda levar um bônus: melhorar o humor. É que assim ajudamos nosso corpo a produzir mais endorfina, o chamado hormônio da felicidade.
Outro mandamento, portanto, é mostrar-se feliz. Quer dizer: não basta ser feliz, é preciso participar aos outros a própria felicidade, ostentar. Para obedecer a esse mandamento, vale usar todo o arsenal químico disponível. Quando lançado, o antidepressivo Prozac foi anunciado como a "pílula da felicidade" e assim é chamado até hoje.
As angústias existenciais tão humanas, as tristezas inevitáveis, o sofrimento físico ou psíquico inerentes à vida são jogados num depósito de coisas inúteis. Só há lugar, na religião da felicidade, para a alegria, o bom humor, a satisfação e o prazer.
Entretanto, sempre há a possibilidade de um incômodo surgir. Quando experimentamos uma frustração, uma contrariedade inesperada, nada como sair às compras para aliviar.
Obedecemos, assim, a outro mandamento importante da felicidade: consumir. O problema é que acumular tem um limite não muito largo, por isso tratamos de tornar quase tudo descartável para poder consumir mais. Consumimos objetos, estilos, idéias, informações, "atitudes", pessoas, sentimentos etc. com voracidade e tudo o que consumimos se torna passageiro. Afinal, a felicidade não resiste à rotina, que estressa e impede que a felicidade se instale.
Talvez seja possível viver, e momentos de felicidade fazem parte da vida com maior despreocupação. Comer por e com prazer, praticar atividade física sem apego exagerado aos resultados prometidos, consumir sem avidez etc.
Pensando bem, esses podem ser votos pessoais bem mais sensatos e possíveis, não é verdade? Desprendimento: essa é uma boa palavra para viver melhor o novo ano.

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