Estudo analisou dados das Nações Unidas e concluiu que não há tendência clara a declínio de florestas tropicais no mundo
Para cientista, regeneração pode até mesmo compensar perda por desmatamento, mas estimativas oficiais não deveriam basear pesquisas
As florestas tropicais podem não estar desaparecendo em ritmo acelerado como se imagina. Ao contrário, podem estar se regenerando. Simplesmente não é possível determinar qual é a tendência global de longo prazo com base nas informações disponíveis hoje.
A afirmação aparentemente contra-intuitiva foi feita pelo geógrafo britânico Alan Grainger, da Universidade de Leeds, em um estudo publicado na edição de hoje da revista "PNAS", da Academia Nacional de Ciências dos EUA.
Mas ela não significa que os cidadãos preocupados com o ambiente possam dormir tranqüilos. "Você deveria ir para a cama igualmente preocupado com o fato de que não existem no mundo instituições capazes de monitorar as florestas", disse o pesquisador à Folha.
A crítica de Grainger tem endereço certo: os relatórios globais sobre florestas da FAO, órgão das Nações Unidas para a agricultura. Esses relatórios, publicados regularmente desde a década de 1980, são o único dado oficial disponível para estimar a quantidade global de florestas tropicais. Eles serviram de base para centenas de estudos, inclusive os modelos do IPCC (o painel do clima das Nações Unidas) que estimam a emissão de gás carbônico por desmatamento tropical.
Acontece que os dados da FAO têm falhas sérias -e isso não é segredo para ninguém. "Eles são uma confusão", resume Dalton Valeriano, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). "São baseados em relatórios fornecidos pelos governos, e cada país faz do seu jeito. No Brasil, por exemplo, o relatório é feito pelo IBGE com base no censo. O proprietário da terra informa o quanto de sua propriedade tem de floresta."
Segundo Valeriano, até a definição de floresta varia de país para país. "O que no Sudão é floresta para a Nigéria é uma formação aberta", afirma. A FAO tem ciência disso e, desde a Eco-92, tem tentado estabelecer um padrão para os inventários florestais. Mas o máximo que a agência consegue é fazer recomendações aos governos -não obrigá-los a segui-las.
O resultado disso foi relatado por Grainger após passar três anos revirando as estatísticas. Em 2000, a FAO mostrou que a área de florestas tropicais havia caído de 1,926 bilhão de hectares em 1990 para 1,756 bilhão em 2000 em 90 países. Acontece que, dez anos antes, a agência dissera que a área de florestas nesses mesmos 90 países caíra de 1,910 bilhão de hectares em 1980 para 1,756 bilhão em 1990. Ou seja, cifras diferentes para o mesmo ano.
"Os erros das estimativas podem ser da mesma ordem que a floresta alegadamente perdida de um ano a outro", disse Grainger. "E os cientistas simplesmente pegam esses dados e põem nos modelos deles."
Após uma varredura nos dados da FAO, o britânico tentou fazer uma "média" com estimativas de várias fontes para saber se, afinal, as florestas estão sumindo. Concluiu que não existe tendência clara à diminuição. "Você poderia sugerir que elas estão crescendo, mas não há evidência convincente de que estejam declinando."
Elogio ao Brasil
A resposta pode estar no fato de que as estatísticas tendem a ignorar a regeneração que acontece quase sempre que uma área desmatada é abandonada. "Há muita regeneração que não vemos", disse. "Muitos países monitoram suas florestas só de dez em dez anos. Se todo mundo copiasse o Brasil [que tem um programa sistemático de monitoramento], o mundo seria um lugar melhor."
Mas até na Amazônia, que diz ter visitado uma vez, o britânico afirma que a regeneração pode estar compensando boa parte do desmatamento.
"É um exagero", retruca Valeriano, do Inpe.
Inpe vai mapear recuperação de floresta pós-corte na Amazônia
Apesar de ser o único país com florestas tropicais que monitora o desmatamento, o Brasil ainda não sabe realmente quanto existe de selva em pé na Amazônia. Não há uma estimativa confiável de quanto existe de regeneração na região."Nós temos dois chutes", brinca Dalton Valeriano, do Inpe. Ele se refere a estimativas preliminares que apontam a existência de 160 mil quilômetros quadrados de mata secundária, em 665 mil quilômetros quadrados desmatados.
A incerteza sobre o número é tão grande quanto a importância dele. Florestas secundárias, afinal, absorvem gás carbônico (o principal gás de efeito estufa) ao crescer. E elas crescem muito. "Em cinco anos você anda embaixo delas", diz o cientista. Saber quanto realmente existe de floresta secundária na Amazônia é a única maneira de o Brasil saber exatamente qual é o seu balanço de carbono.
O Prodes, sistema que calcula a taxa anual de desmatamento, não computa a rebrota. Para ele, uma floresta cortada será para sempre desmatada, mesmo que seja abandonada depois -como ocorre com freqüência.
Um outro pesquisador do Inpe, Cláudio Almeida, já começou a resolver esse problema. Ele está analisando 26 imagens de satélite (das 229 cenas que o Prodes usa) para tentar estimar a proporção de regeneração e o quanto a mata secundária fica de pé; geralmente essa formação é a primeira a tombar para ceder lugar à agropecuária.
Almeida está fazendo uma espécie de "engenharia reversa" nas imagens do Prodes. Em vez de cobrir a área desmatada e olhar para o que sobrou, ele está "mascarando" a floresta. Como o sinal da mata secundária é bem visível nas imagens de satélite, os pesquisadores acham que será possível, no final do trabalho, ter uma estimativa de o que está em regeneração com uma margem de erro de 5%. "Vamos poder dizer não só se há floresta, mas também que tipo de floresta", diz Valeriano.
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