19 janeiro 2008

AGRURAS DE CASAR

Anna Veronica Mautner

Se é mesmo verdade que hoje se casa cada vez mais tarde, há também quem diga que se casa cada vez mais cedo. É possível que as duas afirmações sejam verdadeiras.
Permito-me uma digressão sobre as dificuldades atuais em realizar o sonho, que quase todo mundo tem, do tal casamento para toda a vida. Eu me pergunto: como é possível casar cedo se saímos cada vez mais tarde da adolescência?
Casar tarde não é problema; ser adolescente solteiro é. A vida noturna, que é quando ocorre o encontro com parceiros, vai ficando violenta e se soma à liberdade sexual, que traz novos riscos. Lembremos uma velha frase que diz: quem casa quer casa.
Se os jovens têm cada vez menos dinheiro para montar uma casa, justamente por serem muito jovens, o que fazer? Há não muitos anos, quando os jovens queriam casar e não tinham como, eles moravam com a família até conseguir montar o próprio lar.
Hoje, morar com a família é o que um casal menos quer - e tampouco o querem os pais. Os estilos de vida diferem hoje muito mais do que antes. Alavancar o orçamento dos casais é um hábito que sempre existiu, só que não era confortável. Hoje a alavanca se tornou muito agradável: estando cada um na sua casa, não se atrapalham. Assim, o tempo da dependência se alonga. Na ausência de proteção da geração anterior, resta o casamento tardio - depois que um pé-de-meia foi feito ou que o par atinge estabilidade profissional.
Isso não ocorre com os adolescentes nem com os adultos jovens. Um casal de classe média que deseja se instalar, por mais modestamente que seja, precisa dispor de uma pequena fortuna. Fogão, geladeira e televisão não fazem mais um lar. Precisa-se de som, máquina de lavar louça, computador, impressora, telefone, TV a cabo, DVD e um carrinho que seja, além do enxoval e dos móveis.
Poderão alguns argumentar que muito disso se ganha de presente de casamento. Acontece que cada maquineta exige manutenção e eventual substituição. Além disso, há seguros a pagar, inclusive o de saúde. Com ajuda das famílias, pode-se casar cedo ou tarde. Sem ela, o começo é bem difícil, mas tem sua vantagem: lutar juntos sedimenta a relação.
Depois desse mergulho na realidade, sou levada a me indagar sobre as conseqüências dessa dependência sem data para terminar. Creio que afeta a ligação do casal, pois faltam espaço e liberdade para sonhar juntos. Um bom casamento tem a ver com fazer projetos comuns. Se eles não têm como sonhar com os fins de semana que poderão ter, com as viagens que farão, com a escola e o futuro resta para sonhar juntos?
Sem plano e sem sonho, um casal continua solteiro, namorando. São muitos os casais que vivem de forma nuclear, mas sob tutela. Como vimos, isso também acontecia antigamente -só que, morando num quarto na casa da família, sonhavam em ter um teto próprio. Aí a pressão era forte para sair de lá. Os casais que vivem na interface entre autonomia e dependência perdem a liberdade de criar um jeito próprio de existir, de fazer escolhas de prioridades, como "viajar antes de ter filhos ou ter filhos antes de viajar". Sempre existe alguém com autoridade de provedor para palpitar.
A família nuclear vive uma crise, mas continua sendo o microcosmo mais forte da sociedade. Enquanto outras instituições tremem, os casamentos - mesmo os prematuros - vão adiante, firmes e fortes, como base de formação psicológica da sociedade por vir que será a de seus filhos.

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