Editorial da Folha de S. Paulo
Desistindo de mudanças na Constituição, Lula se vê capturado pela mesma inércia que criticava nas gestões anteriores
Mudanças : nada comparecia com mais freqüência no discurso lulista do que esta palavra, ainda que fosse confuso o seu conteúdo real.Surge agora a notícia de que o Executivo não estaria mais disposto a apresentar ao Congresso novas propostas de emenda constitucional até o fim do atual mandato. O malogro na batalha pela CPMF teria levado o Planalto a concluir que não dispõe de votos suficientes para aprovar qualquer mudança na Carta.
Frustram-se, assim, as expectativas de que reformas de relevo - nos sistemas político, previdenciário e tributário, por exemplo - venham a contar com o empenho do Executivo.
O pacote de medidas fiscais apresentado ontem, para compensar as perdas de arrecadação com o fim do imposto do cheque, corresponde ao que já havia sido antecipado: corte de gastos orçamentários e aumento de alíquotas do IOF e da CSLL. Trata-se de mais um remendo, como que confirmando o prognóstico de que não há a esperar desta gestão modificações capazes de tornar o sistema tributário mais simples, mais justo e menos oneroso para o conjunto da economia.
Enquanto isso, amplia-se a percepção de que o atual modelo previdenciário está superado pelo crescimento da expectativa de vida da população, e que alguma forma de estender o tempo de contribuição se impõe.
Quanto às óbvias disfunções da organização político-eleitoral vigente, uma idéia como a do voto distrital misto poderia consistir num passo, ao menos, no rumo de sua correção.
Desistindo de assumir papel propositivo nesses temas, o governo Lula se vê capturado pela mesma inércia que criticava em seus antecessores. Efeito, na verdade, da resistência de todo o sistema político em atender às demandas de mudança que inspiram os discursos eleitorais dos candidatos ao Executivo.
A política brasileira se divide, assim, entre um messianismo presidencial de curto fôlego e a ossificação do Parlamento em oligarquias sem comunicação com a sociedade. Radicalizado o impasse, poderíamos até chegar ao quadro que hoje tumultua países como a Venezuela e a Bolívia, não fosse o vigor das instituições democráticas brasileiras.
Mas tampouco se justifica o abandono de qualquer iniciativa de mudança. Na verdade, o que a derrota do governo na CPMF ensina é a necessidade de mudar os padrões da negociação entre Congresso e Executivo.
Reformas não se instituem pela barganha de votos e favores numa sempre instável "base governista", mas pelo empenho de partidos e governo em propor e organizar um debate amplo e democrático. É na opinião pública, e não em bastidores e gabinetes, que se faz política -e mudanças com empenho de estadista. Nem o mais delirante adepto de Lula, entretanto, estaria inclinado a aplicar-lhe tal qualificação.
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