27 março 2008

TRANSIÇÃO

Wilson Jacob Filho

[...] NÃO PODEMOS PERPETUAR O PARADIGMA DE QUE A VELHICE É UMA DOENÇA QUE SEVE SER COMBATIDA COM TRATAMENTOS CARÍSSIMOS

Vivemos uma incomparável mudança do perfil etário da população, no qual temos cada vez menos crianças e jovens e cada vez mais idosos.
Em decorrência, inúmeras outras modificações estão ocorrendo, como novas demandas aos sistemas de saúde, turismo e educação. Esse conjunto de transformações é denominado "transição demográfica" e reflete a importância deste momento para a sociedade atual e para as futuras, as quais terão como desafio a necessidade de uma adaptação de todos a essa nova realidade.
Obviamente, esse processo acontecerá progressivamente, mas nem por isso deverá ocorrer sem a nossa vigilância e a nossa participação ativa. Haveremos de estar atentos todas as vezes em que se cometerem impropérios nesse setor. Vou citar dois exemplos, ocorridos em uma mesma manhã de domingo, para demonstrar quão freqüentes ainda são.
Diante de uma platéia em êxtase, o locutor, entusiasmado, pergunta aos participantes: "Tem criança aqui?" Milhares de mãos se erguem e, independentemente da idade, as vozes proclamam um sonoro "sim".
Em voz ainda mais alta, vem a segunda pergunta: "Tem velho aqui?" As mãos oscilam com o indicador em riste e ouve-se um enfático "não". Repete-se a pergunta final e aumenta ainda mais o som da resposta. Termina o espetáculo.
Indignado, fiquei a meditar sobre o episódio. Não há por que duvidar dos bons interesses do animador. Certamente, ele quis mostrar como é revigorante participar ativamente de uma cerimônia como aquela. O que lastimo é a necessidade de condenar a velhice a uma condição indigna, que deve ser banida de um ambiente saudável.
Foi divagando sobre o ocorrido que resolvi ler a correspondência acumulada na semana.
Chamou-me atenção um convite, sofisticado e colorido, divulgando que, nos próximos dias, ocorrerá o encontro dos adeptos da "medicina antienvelhecimento". No programa, temas e pesquisadores de grande relevância em meio a um grupo de interesseiros cujo principal objetivo é confundir os incautos, propondo-lhes a fonte da eterna juventude.
Curiosamente, conheço muitos deles e constato que nem com eles mesmos essas mentiras conseguem ser aplicadas.
Sua aparência denota que o tempo não lhes poupa das suas naturais conseqüências.
Observei que os fatos se conectam. Se, por um lado, continuarmos a permitir que o processo natural de envelhecimento seja negado e, por outro, aceitarmos as argumentações dos falsos profetas, que apregoam erroneamente que os conceitos da geriatria e da gerontologia sejam usados como medidas "antienvelhecimento", perpetuaremos o paradigma de que a velhice é uma doença que deve ser combatida com tratamentos caríssimos sem respaldo científico.
Mas, se nos respaldarmos nas evidências responsáveis, teremos as bases para constituir um grande movimento que marcará uma posição vanguardista na luta "pró-envelhecimento saudável".
Dessa forma, espero que, em breve, possamos ouvir a multidão respondendo à pergunta "tem velho aqui?" com um vigoroso "SIM", de quem, a despeito da idade, goza da plenitude da sua capacidade funcional, ciente das suas características físicas e intelectuais de quem soube envelhecer.

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