27 março 2008

NO LUGAR DOS OUTROS

Suzana Herculano-Houzel

Viver em sociedade é complicado. Pessoas diferentes têm temperamentos, gostos, histórias de vida e crenças diferentes - ainda bem, ou o mundo seria muito monótono. Conviver em harmonia nessas condições requer levar em consideração o que julgamos serem as preferências, crenças e intenções dos outros, uma habilidade que por si só já demonstra que o cérebro faz muito mais do que apenas detectar e responder a estímulos.
Como não temos como entrar na cabeça do próximo, restam ao cérebro duas possibilidades para se colocar no lugar dos outros: usar da lógica racional para processar dados disponíveis sobre o outro, ou considerá-lo como uma extensão de si mesmo, usando os próprios gostos e crenças para julgar os do outro. Na prática, a neurociência já mostrou que as duas estratégias são usadas - mas em circunstâncias diferentes.
Quando avaliamos as intenções e os sentimentos de alguém diferente de nós, o cérebro emprega regiões dorsolaterais do córtex pré-frontal, envolvidas no raciocínio analítico, para inferir o estado mental da pessoa.
Quando, ao contrário, avaliamos o estado mental de alguém que consideramos nosso semelhante, o cérebro emprega outra área: o córtex ventromedial, que integra as emoções ao comportamento - e também responde pela introspecção sobre nossos próprios sentimentos e preferências. Segundo um estudo recente do grupo de Adrianna Jenkins, na Universidade Harvard, não só a mesma área do ventromedial como provavelmente os mesmos neurônios são usados para estimar nossas preferências e as de uma pessoa parecida (mesmo a cobertura da pizza!), como se lhe emprestássemos nossas convicções. Ou seja: julgamos os outros automaticamente à nossa semelhança - mas só se eles forem parecidos conosco.
Enxergar nosso semelhante de nossa própria perspectiva pode ser uma ótima estratégia para manter grupos coesos - mas permite tratarmos apenas racionalmente quem não compartilha de nossas convicções. A boa notícia, no entanto, é que isso pode ter jeito. Segundo a própria Adrianna, colocar-se conscientemente no lugar do outro, escrevendo sobre ele na primeira pessoa, por exemplo, pode mudar a maneira de o cérebro avaliar suas intenções. Ah, se umas pessoas quisessem apenas tentar...

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