Governo Lula deve assumir parte das matrículas do ensino médio para tentar mudar quadro, afirma Haddad
O elo frágil da educação brasileira, que precisa de uma grande intervenção. Foi assim que o ministro da Educação, Fernando Haddad, classificou o ensino médio do país, durante a sabatina feita pela Folha.
Para tentar reverter o quadro, Haddad afirmou que o governo Lula pretende assumir parte das matrículas desse nível de ensino do país.
As escolas do ensino médio, como estão organizadas hoje, fazem pouca diferença na vida dos alunos. Faz alguma, pois o jovem que estuda tem mais acesso ao mercado de trabalho, à cidadania, do que aquele que não faz o ensino médio.
A escola que temos é melhor do que sair da escola. Mas o ensino médio hoje é o elo mais frágil do ciclo educacional.
Os indicadores de qualidade nesse nível pioraram desde 1995. Há apenas três anos nem sequer contava com livro didático. Por isso, criamos o Programa Nacional do Livro de Ensino Médio, algo inédito no país.
Também tramita no Congresso Nacional a extensão de programas importantes que estavam restritos ao ensino fundamental, como merenda escolar e transporte.
Há também o programa Brasil Profissionalizado, criado para permitir uma maior integração do ensino médio com a educação profissional.
E sabemos que, apesar da grande expansão feita com o Reuni [programa do governo federal para expandir as universidades federais], apenas perto de um sexto dos meninos chegará à universidade. Isso quer dizer que, se não sair do ensino médio preparado para uma inserção no mercado de trabalho, o jovem verá pouco interesse em seguir na escola.
Nesse contexto, entendo como positiva a extensão do Bolsa Família para jovens de 16 e 17 anos, para mantê-los na escola.
FEDERALIZAÇÃO DO ENSINO MÉDIO
Nosso objetivo é federalizar uma parte do ensino médio, chegarmos a alguma coisa perto de 8% a 10% das matrículas [hoje está próximo de 1%]. Se tivermos um instituto federal em cada mesorregião, criando parcerias da rede federal com redes estaduais, não precisaremos federalizar 100%.
Poderemos ter uma rede robusta, que vai vertebrar o ensino médio nos Estados, que precisam, mais do que apoio financeiro, de apoio técnico.
O governo Lula, no primeiro mandato, já é recordista na entrega de escolas técnicas federais. Foram 47, e chegará a 214 [até o fim do mandato]. Lembro que, durante quase um século na educação profissional federal, foram inauguradas apenas 140 unidades.
CEUS
Foi entendido apenas do ponto de vista da infra-estrutura. Ele modifica a paisagem urbana. Acompanhei o projeto até o momento que as obras foram licitadas [quando integrava a gestão Marta Suplicy].
A presença dos CEUs no bairro teve um impacto arquitetônico, de sociabilidade, tão grande que a questão político-pedagógica acabou à mercê desse sucesso.
A idéia original era que esse equipamento constelasse as escolas do entorno, mas isso acabou não vingando. Não sei bem o motivo, pois [quando as primeiras unidades começaram funcionar] eu já estava em Brasília [no MEC].
ENSINO SUPERIOR
O que se entendia antes era que o Estado deveria avaliar, e o mercado, regular [o ensino superior privado]. A nossa compreensão é que o Estado deve avaliar e regular. Se não houver regulação do Estado, a tendência é o sistema competir por preço. Já quando há a presença do Estado, a tendência é o sistema competir por qualidade.
Até criarmos o Sinaes [sistema de avaliação que abrange uma prova para os alunos e visita de técnicos às instituições], as competições eram com base apenas no preço.
Em parte do setor privado, houve abertura de vagas sem critério, e processos seletivos com menos critério ainda. Não é razoável que uma universidade não verifique se aquele aluno tem condições de ingressar.
Por isso, fechamos em janeiro mais de 6.000 vagas em cursos de direito. Semana que vem vamos anunciar mais uma rodada, que deve fechar mais 13 mil vagas. O objetivo não é inibir o setor privado, mas inibir o setor privado naquela área de atuação em que ele não está bem.
BÔNUS POR DESEMPENHO A PROFESSORES
O pagamento de bônus por desempenho [adotado neste ano pela Secretaria da Educação de SP] é uma experiência muito recente, pouquíssimos países adotaram e nenhum país que esteja nas primeiras posições no ranking do Pisa [avaliação internacional] o tem.
A literatura mostra que essas iniciativas têm vida curta, principalmente quando não há uma pactuação com a categoria.
Em segundo lugar, até agora os indicadores de qualidade não refletem um impacto importante [onde foi adotado]. Não sou contra, mas estou alertando para os cuidados a serem tomados. Não existe bala de prata na educação. Não vai melhorar só com uma iniciativa.
INFORMATIZAÇÃO
Os dados mostram que um computador conectado no Brasil impacta no ensino, sobretudo em leitura. A minha hipótese é que o país é muito ligado à imagem e pouco à leitura. E ao contrário da TV, a internet obriga a ler. Por isso estamos com um programa de informatização. Tirar a criança da frente da TV e trazer para um ambiente virtual, evidentemente estudando os conteúdos, causará impacto.
LAPTOP DE US$ 100
O problema é que o laptop de US$ 100 não existe. Contratamos a FGV para fazer um redirecionamento do programa, porque o preço real é de US$ 300. Se multiplicarmos pelos 50 milhões de alunos, estamos falando em US$ 15 bilhões. Daria para montar o melhor programa de formação de professores do mundo.
CANDIDATO EM SP?
Ninguém falou comigo sobre essa possibilidade [de disputar a Prefeitura de São Paulo].
COLOCARIA OS FILHOS NA ESCOLA PÚBLICA?
A partir do momento que você tem indicadores de qualidade, diria que colocaria meus filhos em escolas públicas boas.
Se a condição permite pagar uma mensalidade em um estabelecimento melhor, o pai vai fazer isso. É racional. Mas é racional também que, se ele tiver uma boa escola pública perto de casa, ele coloque o filho lá.
FALTA DE CONTINUIDADE NAS POLÍTICAS
A idéia do Compromisso pela Educação [programa do governo federal, que integra o Plano de Desenvolvimento da Educação, em que governadores e prefeitos se comprometem com metas de qualidade] é justamente que não haja descontinuidade. Felizmente, me encontrarei com o governador José Serra (PSDB-SP) na próxima sexta-feira e ele será o 27º governador a assinar.
PROGRAMA CORTADO
O único programa do MEC que foi prejudicado com o fim da CPMF foi o Saúde na Escola, que previa visitas ao menos duas vezes ao ano de equipes de saúde da família às escolas públicas. No geral, houve até um incremento [no Orçamento da Educação], porque uma parcela da CPMF foi substituída pelo [aumento do] IOF. Sendo este um imposto e não uma contribuição, incide nos 18% de vinculação. O governo perdeu, mas a educação teve um pequeno ganho [com o fim da CPMF].
APOSENTADORIA
Entendo que é ilegal o pagamento de inativos com verbas da Educação. E isso está sendo firmado pelo Tesouro. Significa dizer que a regra será alterada.
VESTIBULAR
Iniciamos uma discussão com os reitores neste ano, em que o Ministério da Educação apresentou à Andifes [entidade que reúne os reitores das federais] a agenda de pensar formas alternativas ao vestibular tradicional. O modelo atual é um horror. Ele não orienta o currículo do ensino médio e acaba prejudicando alunos que não tiveram acesso a conteúdos específicos, mas que são extremamente talentosos.
GOVERNO LULA
Entendo que foi uma vitória da democracia. Permitiu a uma pessoa do povo ter chegado à Presidência, com competência e com atenção bastante evidente para às camadas historicamente mais prejudicadas.
DESAFIOS
Temos ainda três desafios do ponto de vista de reformas estruturais. Gostaria de equacionar a questão dos hospitais universitários [que passam por uma crise por falta de recursos]; fazer uma reforma importante no Sistema S [Sesc, Senai e Sesi, entre outros], que se distanciou da escola pública; e acabar com a DRU [Desvinculação de Receitas da União, mecanismo que permite que parte da receita vinculada à educação vá para outras áreas]. Estou conversando com o ministro Guido [Mantega, da Fazenda]. Em 14 anos, perdemos quase R$ 100 bilhões com esse dispositivo.
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