20 março 2008

SABOR DE INFÂNCIA

ROSELY SAYÃO

Recentemente, li um artigo do chef Massimo Bottura - que trabalha e reside em Módena, Itália - em que ele diz que, para criar seus pratos, recorre ao banco de memórias dos sabores de sua infância. Ele afirma que as novidades da comida de vanguarda ainda não são para todos e que a melhor atitude para permitir sua apreciação é despertar a curiosidade das pessoas desde a infância. E, diz ele, nisso os jardins-de-infância de Módena são um exemplo, já que oferecem um menu variado de comida italiana e internacional aos alunos.
Essa região da Itália, chamada Emilia-Romagna, é rica não só em gastronomia, mas também em educação. É em Reggio Emília, cidade vizinha a Módena, que está o que é tido como o melhor projeto em educação infantil do mundo.
Estive lá e me deliciei com a preparação do almoço das crianças. Elas mesmas colocam a mesa, tuteladas pelos adultos, é claro. E sabem preparar a mesa até para as situações mais formais. Na hora do almoço, divertem-se, compartilham, experimentam quase tudo sem fazer drama. É que alimentação, como disse o chef italiano, "não é matemática, é emoção".
Já acompanhei a hora do lanche na educação infantil em várias escolas de São Paulo. As lancheiras estão sempre recheadas de produtos industrializados. A quantidade de crianças que leva um lanche preparado carinhosamente em casa é mínima. E não me refiro aqui à questão nutricional, e sim ao aconchego que pode significar a alimentação para a criança.
É a mãe que dá o melhor alimento ao filho quando ele nasce: o leite materno. E, quando o bebê é alimentado, não é só a fome do estômago que é saciada: é também a de carinho. É assim que nasce a sensação de prazer, e não só a de satisfação de uma necessidade, a alimentar.
É esse o modelo que poderia ser mantido à medida que a criança cresce, mas parece que, no mundo atual, a alimentação se transformou em consumo apenas ou, então, em questão nutricional. E dá-lhe comida balanceada ou industrializada!
Não vale dizer que hoje os pais não têm tempo para preparar o lanche do filho, já que essa tarefa demanda um mínimo de tempo, mas muito de dedicação. E é nessas situações simples que os pais podem expressar sua afetividade. Preparar um lanche inusitado ou um almoço acompanhados pelos filhos são situações que vão construir a memória de sabores e afetos da criança. Essa mesma memória que o chef italiano usa para criar seus pratos.
Muitos pais que preferem ir a restaurantes com os filhos nos fins de semana o fazem por considerarem trabalhoso fazer comida em casa. E não é trabalhoso ir ao restaurante? Certamente é. Envolver os filhos nas delícias da transformação de alimentos em comida gostosa para ser compartilhada é simples e fácil: basta ter coragem e disponibilidade. O resultado é visível: as crianças ficam bem mais tranqüilas e felizes.
Gastronomia e educação têm muito em comum: ambas exigem paciência e persistência, dedicação e disponibilidade, rigor, atenção aos detalhes e respeito à tradição, trazendo-a ao tempo presente.

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