ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA
As eleições no país vizinho terão impacto mais direto no Brasil do que a disputa nos EUA; candidatos prometem renegociar Tratado de Itaipu
Parece fora de foco vir falar neste momento das eleições presidenciais no Paraguai, já que as atenções estão totalmente voltadas para as dos Estados Unidos. Nunca a atenção mundial esteve tão focada nas primárias. O fato de uma mulher, esposa de um ex-presidente, disputar a indicação com um candidato negro, cujo pai era africano, mais do que justificaria essa concentração de interesses. Além disso, o candidato republicano é um ex-combatente, herói da Guerra do Vietnã, o que não pode ser esquecido. Entretanto, para o Brasil, creio que as eleições de abril próximo no Paraguai sejam mais diretamente impactantes.
Comecemos por lembrar que uma boa parte da energia brasileira é fornecida pela hidrelétrica de Itaipu, que pertence em partes iguais ao Brasil e ao Paraguai e que destina 90% de sua geração para nosso país, representando 20% do total da energia consumida no Brasil. Os candidatos presidenciais têm colocado em suas plataformas a renegociação do Tratado de Itaipu. Julgam-se prejudicados por um contrato que hoje não atende a suas necessidades e contestam seu preço. Particularmente, o ex-bispo Fernando Lugo, favorito para o pleito de 20 de abril, tem em sua plataforma a revisão desse contrato, que entende como fundamental para a soberania do Paraguai.
Convém lembrar que mais de 300 mil brasileiros -os chamados "brasiguaios"- vivem no Paraguai, e grandes fazendas de soja e gado pertencem a brasileiros. O comércio fronteiriço é muito dinâmico. Mais de 10 mil jovens brasileiros da região de Foz do Iguaçu atravessam diariamente a Ponte da Amizade para trabalhar, sem documentação ou registro, em diferentes atividades no Paraguai.
As compras de brasileiros em Ciudad del Este são os sustentáculos do comércio local, que não prima por uma ortodoxia em suas praxes de negociação. Não são poucos os que vêem aquela cidade como centro de contrabando e pirataria.
Temos dois outros candidatos com chance de serem eleitos em 20 de abril. A candidata Blanca Ovelar conseguiu a indicação do Partido Colorado, há mais de 60 anos encastelado no poder, com o apoio do atual presidente, Nicanor Duarte. Ganhou nas eleições internas do partido do atual vice-presidente, Luis Alberto Castiglioni.
Apesar de mais moderada, também coloca a questão de Itaipu como prioridade em sua política de governo. O outro postulante com chances é o general Lino César Oviedo, ex-colorado que esteve preso por tentativa de golpe de Estado e foi liberado (segundo comenta-se, para candidatar-se e estrategicamente disputar eleitores de Lugo). Concorre ainda o empresário Pedro Fadul, que abandonou o mundo empresarial para dedicar-se à política.
Pesquisa publicada no jornal "Ultima Hora", de Assunção, em 27 de fevereiro, mostra o seguinte: Fernando Lugo tem 37,9% das intenções de voto; Lino Oviedo, 29,7%; Blanca Ovelar, 26,9%, e Pedro Fadul, 2,4%. Dizem que votarão em branco 3,1%. Vale recordar que as eleições são somente em um turno e ganha quem tiver maioria simples.
Políticos e empresários brasileiros vêm atuando nesse processo. São em geral do Paraná e de Mato Grosso e pouco conhecidos no Brasil. Têm contato principalmente com Lino Oviedo, que tinha o apoio explícito de Roberto Requião, governador do Paraná, mas, ultimamente, tem aparecido de mãos dadas com o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). E Nicanor Duarte tem indicado que Requião agora apóia Lugo.
Ao longo dos anos em que estou envolvido com o Conselho de Empresários da América Latina, tenho buscado uma aproximação com nossos vizinhos, tentando entender seus problemas e atender às reivindicações no que entendiam ser um tratamento desigual no Mercosul. O fato é que tinham uma certa razão, pois nem sempre lhes foi dedicada a atenção devida. Mais recentemente, creio que o presidente Lula tem procurado atender a algumas de suas demandas. Mas sua atuação não teve impacto na mídia. A burocracia é acusada de emperrar decisões que nosso governo gostaria de implementar.
Como poderemos concluir, o que aconteceu com a Bolívia pode vir a repetir-se no Paraguai. Sob qualquer ângulo, nossa política, voltada a fortalecer os laços com países da América do Sul, certamente sofrerá mais um rude golpe com a eleição de um mandatário que antagonize nossas relações, crie problemas para nossa diplomacia e hostilize nossos empresários que investiram no Paraguai.
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Por que Requião apóia Lugo?
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