04 fevereiro 2008

SOSSEGO NO CARNAVAL

WALTER CENEVIVA

Se o direito da pessoa termina onde começa o direito da outra, o Carnaval vai além da linha divisória

O carnaval é a festa brasileira por excelência e é coisa séria, no Brasil e no exterior.
Tanto que compositores clássicos dos séculos 19 e 20 criaram peças notáveis sobre essa festa, como Berlioz, Schumann, Saint Saëns, Dvorak e Glazunov, entre outros, sem falar nos brasileiros, dos quais o Carnaval tem sido fonte perene de inspiração.
Sempre gostei do Carnaval, mas me chamou a atenção o fato de raramente atentarmos para o contraste com a perturbação das ruas e da vida de milhões de pessoas não carnavalescas, violando o direito delas. Os bailes, com os sistemas de ampliação de som, incomodam a quilômetros de distância.
O Carnaval, porém, é a verdadeira festa do povo, na qual mesmo os mais pobres têm oportunidade de se divertir. Se o direito da pessoa termina onde começa o direito da outra, o Carnaval vai além da linha divisória. A ninguém ocorrerá, entretanto, proibir o Carnaval, que, sob outras formas, existe em muitos outros países do mundo, sempre como manifestação popular.
Parece impossível regular comportamentos ou limitar alguns excessos desses períodos, por meio de disposições legais ou regulamentares, a não ser as relativas ao tráfego ou ao uso de espaços públicos.
Assim, é claro que uma parte do interesse coletivo é sacrificada, atingindo a saúde, o sossego e a segurança das pessoas, como é dramatizado pelo número extraordinário de vítimas em acidentes nas vias urbanas e nas estradas, sem distinguir carnavalescos e não-carnavalescos.
Ao lado desses aspectos mais lamentáveis, há os prosaicos, mas ainda assim causadores de incômodos, como a sujeira das ruas, com o lixo não recolhido, embaraçando a vida dos demais cidadãos. São dados acrescidos às tensões da população, participe ou não da festa.
O número de eventos interferentes na ordem pública (tomada esta como a organização da vida coletiva nos centros urbanos) parece infindável. Vai além dos fatos da natureza ou da estrutura administrativa, no que não é defeito só do Carnaval.
Recentemente, motoqueiros paralisaram setores inteiros de São Paulo em protesto coletivo. A obrigatoriedade de aviso prévio para essas manifestações não serve, por ser desrespeitada muitas vezes. De um modo ou de outro, transformam-se em tormento para quem necessite deslocar-se com pressa. Os veículos de resgate e as ambulâncias, os equipamentos de bombeiros para salvamentos e incêndios, os carros e organismos policiais passam por dificuldades adicionais, que custam muito a todos os pagadores de impostos.
No campo dos riscos sofridos, o futebol tem proporcionado casos reiterados nos quais a população em geral é atingida, com sacrifícios pessoais e materiais, que o Estado não impede. Nas prateleiras da farmácia do direito não há remédio para esses males. O direito é uma solução posta à disposição das pessoas para viverem umas com as outras.
O natural rompimento do equilíbrio, em certos momentos, mostra o que é a vida, especialmente em tempos de transformação. Tratar do Carnaval nesta coluna teve a vantagem de mostrar que os elementos jurídicos, nas ações de massa, devem ser pensados de modo a assegurar sua manutenção, mas com o menor dano para quem não participe delas.

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