CLAUDIO WEBER ABRAMO
O episódio dos cartões exibe uma grave vulnerabilidade do país: a falta de obrigação do poder público de divulgar informações de que dispõe
Tendo tomado o espaço político nas últimas semanas, o assunto dos cartões, por si só, não justifica CPI. Trata-se de um meio de pagamento como qualquer outro. O que mereceria investigação parlamentar são as condições de controle a que despesas de modo geral são submetidas no Brasil, não apenas no governo federal, mas também nos Estados e municípios.
Quais estruturas de controle existem? As justificativas para compras são razoáveis? Os bens e serviços adquiridos foram fornecidos conforme as especificações? Os custos estão dentro de margens aceitáveis? Há indicadores de desempenho de projetos e programas? Qual é a incidência percentual de irregularidades?
Caso houvesse interesse na questão mais ampla, se obteria a resposta de que, no Brasil, as condições de prevenção e controle são heterogêneas e geralmente precárias.
No plano federal, alguns ministérios têm controles melhores do que outros. Princípios básicos de acompanhamento são aplicados desigualmente, em boa parte porque a Controladoria Geral da União, o órgão de controle interno do governo, não tem autoridade sobre os ministérios.
Desde a sua criação, no governo Fernando Henrique Cardoso, a CGU sempre foi uma repartição da Presidência da República (leia-se Casa Civil). Embora tenha experimentado considerável ampliação de escopo no governo Lula, essa subordinação funcional e política prejudica seu desempenho. Uma CPI do controle precisaria recomendar a desvinculação desse organismo da Presidência e sua transformação em instrumento de Estado, e não de governo.
Seja como for, é indiscutível que, ainda que deficientes, os controles do governo federal são muito melhores do que os da média dos Estados, para não mencionar os municípios, cuja maioria nem sequer conta com alguma espécie de controle interno. Disso sabem muito bem (pois são protagonistas do descontrole) tucanos, democratas, petistas e o resto. No quintal de cada um, as coisas são em geral muito piores do que no plano federal.
O episódio dos cartões serviu também para exibir uma das mais graves vulnerabilidades brasileiras, que é a ausência da obrigação formal de o poder público exibir as informações que detém. Sem informação, não há possibilidade de controle social. Quando a informação é publicada, tanto a imprensa quanto grupos de interesse específicos (como ONGs), assim como a oposição, se tornam capazes de exercer certa vigilância. Foi o que aconteceu com os cartões, cujos demonstrativos são publicados no Portal da Transparência mantido pela CGU. Por isso puderam ser examinados pela repórter Sônia Filgueiras, de "O Estado de S. Paulo", originando a matéria que desencadeou o caso.
Não há nada semelhante nos Estados. Em particular, não há nada parecido em São Paulo, que, por sua riqueza, teria a obrigação de dar exemplo. Na tentativa de dar a entender que as coisas são diferentes do que de fato são, o secretário de Fazenda do Estado, sr. Mauro Ricardo Machado Costa, declarou à imprensa que as informações relativas à execução do Orçamento paulista seriam públicas, sendo o acesso condicionado apenas a um pedido (embora não haja qualquer sinalização nesse sentido na página de internet da secretaria).
Ato contínuo, em 12 de fevereiro a Transparência Brasil endereçou ofício ao secretário em que solicitava o fornecimento da inteira base de dados do sistema de acompanhamento financeiro do governo do Estado desde que o sistema existe. Até a presente data, o secretário não respondeu.
Em outro episódio recente, a Transparência Brasil enviou a todos os governos estaduais e das capitais, bem como às respectivas Procuradorias Gerais, ofício solicitando informações sobre o volume de precatórios devidos em cada uma dessas circunscrições. Apenas meia dúzia respondeu. Entre estas, a Procuradoria do Maranhão -não para fornecer os dados, mas para requisitar esclarecimentos a respeito de por que queríamos a informação, como se isso fosse da conta deles.
A prática dos hierarcas brasileiros de escamotear informação do público é incompatível com o que se exige do poder público no século 21. Em São Paulo, como no Maranhão e no resto do país, é evidente que o comportamento tem a finalidade de evitar que os atos dos governantes sejam avaliados. Em vez de tratarem a informação como bem público, no máximo usam-na para fazer autopromoção.
Contra isso, é urgente regulamentar tanto o direito constitucional de acesso à informação quanto o dever de publicidade, conforme prometeu duas vezes o presidente da República durante a campanha eleitoral de 2006. Projeto de lei nesse sentido encontra-se desde aquele ano parado na Casa Civil, sem que se tenha notícia de por que a promessa do presidente não é cumprida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário