27 fevereiro 2008

FLUXOS DE EUFORIA

Editorial da Folha de S. Paulo

Brasil vive bom momento nas finanças externas, mas a manutenção desse status dependerá de que se desate o nó dos juros

As relações financeiras do Brasil com o restante do mundo atravessam um momento excepcional. A passagem do país para a condição de credor internacional é apenas um marco simbólico dessa evolução, mas desperta tamanha euforia que pode passar a falsa impressão de que o país superou definitivamente a sua crônica dependência externa.
O Brasil tornou-se emprestador líquido porque o Banco Central acumulou aplicações em dólares (reservas) mais que suficientes para honrar toda a dívida externa - a pública e a privada. Numa situação hipotética extrema, em que as fontes de crédito externo ao Brasil de súbito secassem, haveria meios para saldar os compromissos assumidos.
Países que equacionaram suas contas externas tendem a ser vistos como menos arriscados pelos investidores globais. Quando, além disso, as perspectivas de crescimento da economia são favoráveis e a expectativa de retorno de aplicações em ações e títulos públicos é elevada, forma-se um caldo de cultura para a entrada maciça de dólares sob diversas rubricas. É o caso do Brasil.
Em janeiro, os investimentos produtivos feitos por companhias estrangeiras - US$ 4,8 bilhões - foram os maiores registrados no mês desde 1947, quando a série teve início. Ressalte-se que janeiro foi um período de crise nas Bolsas mundiais, o que se refletiu na Bovespa. Poupadores estrangeiros sacaram do país US$ 2 bilhões que mantinham aplicados em ações e papéis públicos, fora o que remeteram a título de lucros e dividendos.
O humor da finança global melhorou em fevereiro, e a cotação do dólar caiu para R$ 1,71. O real valorizado barateia importações e ajuda a suprir, sem pressão nos preços, a demanda ascendente de famílias e empresas por bens e serviços. As importações saltaram 45% sobre janeiro de 2007.
O boom no preço das commodities exportadas pelo Brasil amplia o fôlego da economia nacional para absorver importações crescentes sem ameaçar o equilíbrio externo. O nível do câmbio, entretanto, também produz efeitos adversos, não neutralizados pela política econômica.
O dólar minguante reduz o número de empresas locais capazes de competir com rivais estrangeiras. Vai-se concentrando em apenas dois segmentos - agropecuária e mineração - a competitividade dos produtores nacionais. O ponto fora da curva, a anomalia macroeconômica que resiste aos tempos de bonança, continua sendo a taxa de juros básica praticada no Brasil.
O presidente Lula ontem afirmou que o equilíbrio das contas externas contou com uma "ajudazinha de Deus". É hora de retribuir ao todo-poderoso e desatar logo o nó, em boa medida fiscal, que impede a Selic de cair.

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