04 fevereiro 2008

O TAXISTA

DRAUZIO VARELLA

Em 40 minutos, ele resolveu os problemas da educação, da saúde, da desigualdade social

Nunca vi um homem tão cheio de certezas.
Minha desventura começou ao cometer a imprudência de contradizê-lo. Havia entrado no táxi sem vontade de conversar, massacrado por um vôo noturno num desses aviões com poltronas projetadas sem levar em conta que um ser humano possa vir a ultrapassar 1,30 m de altura.
Viemos em silêncio até cair na via Dutra e o locutor do rádio noticiar mais um desses assaltos aos cofres públicos, rotineiros na vida do país:
- Políticos! Cambada de corja, esbravejou o taxista.
- Há gente honesta em qualquer profissão, caí na besteira de dizer.
- Se o senhor é um deles, vai me desculpar, mas são todos, sem exceção. Quando se candidatam não precisam de dinheiro para a campanha? Onde vão buscar? No caixa dois dos empresários; dinheiro sujo, surrupiado do governo. Depois de eleitos, devolvem o que sobrou? O senhor já viu algum deles doar sobra de campanha para alguma instituição de caridade?
Decidido a encurtar o assunto, respondi que não conhecia os meandros eleitorais, mas ele insistiu:
- O senhor acha que um deputado, um senador, ganha bem?
Nem esperou resposta.
- Deveriam ganhar R$ 50 mil por mês; não tem problema, o país até pode pagar. Agora, se foi pego roubando: crime hediondo. No mínimo, dez anos de cadeia em regime fechado, sem essa pouca vergonha de visita íntima.
Emendou com uma enxurrada de impropérios contra os ladrões de todas as categorias. Indivíduos desprezíveis que tiram a tranqüilidade da população obrigada a gradear as casas para se proteger, mesmo nos bairros mais humildes. "Está certo trancar o cidadão de boa índole e deixar o vagabundo em liberdade?" A solução?
- Simples: dar carta branca aos homens da lei. Atirou em policial, morreu. Foi para a cadeia, vai trabalhar 12 horas por dia com uma bola de ferro no pé para não fugir. Quero ver se depois de um dia no batente pesado vão ter disposição para falar no celular.
Fez a ressalva, no entanto, de que não trabalhariam como escravos (deixou claro ser contra a escravidão), ganhariam para sustentar os filhos, caso os tivessem, ou para recomeçar a vida em liberdade.
Para coibir a marginalidade, a partir da segunda prisão, as penas seriam progressivas. Para os reincidentes contumazes, prisão perpétua, já que os defensores dos direitos humanos não aceitariam a punição por ele considerada ideal.
Dinheiro não faltaria para construir quantas cadeias fossem necessárias nem para aplicar em programas sociais, se a roubalheira acabasse, se o Banco Central reduzisse os juros para que os espíritos empreendedores criassem mais empregos, e se todos recolhessem os impostos devidos.
- Você paga os seus, perguntei.
- Não, mas pagaria com prazer se o governo fizesse a parte dele. Meus filhos estudam em escola particular, pago convênio médico, o segurança da minha rua e um plano de aposentadoria para não acabar na miséria. Recebo o que em troca?
A conversa foi por esse caminho. Em 40 minutos, meu interlocutor resolveu os problemas da educação, da saúde, da desigualdade social, da poluição e até do trânsito de São Paulo:
- É só recolher os veículos velhos que quebram nas vias expressas e proibir estacionamento nas ruas. Deixar o carro parado o dia inteiro atravancando a passagem. A cidade é dele? Não tem garagem nem dinheiro para o estacionamento e quer ter carro?
Quando chegamos à esquina de casa, interrompi o monólogo:
- Já que você tem solução para todos os problemas nacionais, porque não se candidata a deputado?
- O senhor deve estar pensando que sou perfeito, que nunca faço coisa errada?
- E faz?
Seu rosto ficou sério:
- Sou casado e tenho outra há cinco anos.
- E consegue administrar as duas?
Ficou mais sério ainda:
- O homem que tem duas mulheres é obrigado a virar artista.
- E se sua esposa descobrir?
- Não confirmo nem sob tortura. Nego até a morte.
- Como os políticos acusados de roubo?
Ele olhou em minha direção, reflexivo:
- Agora, o senhor está querendo me confundir.


*

Muito legal!

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