08 fevereiro 2008

FORA DO CONTROLE

Equilíbrio

Entenda o que causa os ataques de raiva nas crianças e a melhor forma de contornar a situação

Ele chora, se descabela, bate o pé, se joga no chão. Ninguém está livre de presenciar um chilique infantil - nem a repórter, que testemunhou um clássico durante a sessão de fotos para esta matéria. "A birra faz parte do confronto da criança com os limites impostos", explica a psicóloga Vera Ferrari, diretora do serviço de psiquiatria e psicologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo.
De fato, o pequeno modelo havia se cansado dos flashes. Para ele, o "limite" era a obrigação de fotografar sem parar. O protesto veio rapidamente.
O desencadeamento de um ataque é sempre parecido: a criança quer muito (ou não quer de jeito nenhum) fazer algo e é forçada a contrariar sua vontade. Segue a birra. Só que nem sempre é possível adequar rotina e princípios da educação à vontade do pequeno para evitar um show.
E quando o "artista" é o próprio filho, a situação é ainda mais embaraçosa, já que os pais se sentem responsáveis e culpados pela situação. "Os acessos de birra podem se intensificar ou diminuir conforme a família conduz o problema", diz a terapeuta familiar Quézia Bombonatto, presidente da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia).
Apesar de fazerem parte do crescimento, os ataques devem ser levados a sério, pois mostram como a criança enfrenta momentos de adversidade e sinalizam o desenvolvimento de sua autonomia.
Cabe aos pais ensinar o filho a aceitar e superar essas frustrações, para que ele amadureça e possa conviver de maneira saudável com as futuras negações que inevitavelmente ouvirá. "Com o não e com as proibições se passam valores, se ensina a viver em comunidade", afirma a psicóloga Ana Maria Massa, coordenadora do Cria (Centro de Referência da Infância e Adolescência) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Evite
O ataque começa muito antes dos berros. Ele vai sendo cultivado aos poucos, em atitudes muitas vezes impensadas pelos pais.
"Às vezes os pais falam tantos ‘nãos’ que as negações deixam de fazer sentido", argumenta Quézia Bombonatto. Para ela, negar sempre não é a melhor estratégia e pode fazer as ordens perderem o valor. Se a criança sabe que a negativa é séria e tem fundamentos, maiores são as chances de ela respeitar sem grandes protestos.
Em contrapartida, dizer sim e não para uma mesma pergunta pode confundir o filho. A permissão hoje para ficar acordado até mais tarde - só porque a mãe está cansada e não quer discussão- pode ficar confusa amanhã, quando for proibido de fazê-lo.
Um não bem colocado orienta a criança e pode diminuir riscos de birras ou ataques. Dizer ao filho que durante os dias da semana ele não pode ver TV até tarde, pois ficará cansado para ir à escola cedo, mas que, aos sábados à noite, sim, por exemplo, o ajuda a entender melhor as regras da família e as compensações que uma resposta negativa pode trazer.
Quando a negação não trará compensações (a criança simplesmente não pode fazer o que quer), os motivos devem ser claros e bem explicados à ela, desde que já apresente maturidade para entender as razões do não. O filho não vai ganhar outro carrinho porque já tem três do mesmo modelo. Não vai subir no sofá porque pode cair e se machucar. Crianças pequenas, que ainda não conseguem compreender as explicações, precisam de intervenção. "Não adianta falar que não é para fazer, o melhor é distrair o pequeno, mudar o foco de atenção", sugere Quézia Bombonatto.
Mostrar insegurança ao ditar as regras também pode estimular as birras. "O filho percebe a ‘crise’ dos pais e os ataques podem se intensificar como tentativa de descobrir até onde pode ir", afirma a psicóloga Regina Maria Rahmi, coordenadora do curso de atendimento e orientação familiar e terapêutica do Sedes Sapientiae, em São Paulo.
Os pais devem ser coerentes na educação. Se um proíbe e o outro permite depois, a criança fica confusa e dificilmente respeitará o negador.
Ter regras estabelecidas, especialmente quando vão sair, ajuda a controlar os filhos. "A Ana é aventureira, adora fazer o que não pode. Mas na rua ela é controlada, pois eu já explico como o passeio vai ser antes de sair", diz a assistente administrativa Cláudia Pereira Bernardes, 27, mãe de Ana Lívia Bernardes, 2.
Os programas também devem ser condizentes às crianças. "Colocá-la em uma situação - limite, além de sua capacidade, só vai irritá-la", avisa Vera Ferrari. Isso acontece, por exemplo, quando os filhos são obrigados a acompanhar os pais em jantares tarde da noite. Certamente a combinação do programa de adultos com o sono vai deixá-los à beira de um ataque.
O comportamento do pequeno pode ainda ser influenciado pelos amigos. Se ele vir o coleguinha espernear para os pais e ganhar o que deseja, vai tentar em casa. O importante é cortar os maus modos desde a primeira tentativa. "Todos fazem birra em algum momento, uns fazem mais porque sabem aonde podem chegar", diz Vera Ferrari, do HC.

Na hora
Uma menina aprontava um escândalo em um shopping e Gabriel Loyola Dias, na época com sete anos, não pensou duas vezes para aconselhar a mãe da garota. "Comece a andar e finja que não vê. Com certeza ela vai parar com a birra."
Por experiência própria, ele sabia que funcionava, como conta sua mãe, a psicóloga Cristiana Moura, 35, que, enquanto o filho se descabelava no chão, continuava a andar, fingindo que nada acontecia. "Ele parava, corria atrás de mim e ficava bem. Eu não cedia às birras dele."
O conselho de Gabriel vale para algumas situações, especialmente quando já se tentou outras formas de parar o ataque. "Em crises moderadas, ignorar pode ser uma das soluções. Já em casos mais graves, quando começa a atacar pessoas e a jogar coisas, é melhor ficar próximo da criança, para ela sentir que tem atenção", sugere Bombonatto.
Durante um ataque, não se deve gritar com a criança: isso só vai deixá-la mais estressada. Também não é recomendado oferecer recompensas para parar de espernear - se fizer isso uma vez, provavelmente não conseguirá controlá-la de outra maneira caso o episódio se repita.
Crianças de até três anos, normalmente, precisam de ação dos pais para recuperarem o controle. Um olhar firme e um abraço podem ajudá-las a se recompor. Já crianças maiores, que entendem melhor, precisam ouvir um não firme e ser tiradas de cena. Levar o pequeno para outro ambiente pode ajudá-lo a recuperar o controle. "Os pais se sentem provocados com a birra e, de fato, o são, mas a dar limites. Se o filho não entende que a vontade dos pais é a mais importante, a delas vai prevalecer", comenta Vera Ferrari.
Se o chilique acontece em público e não for possível ignorá- lo (pois poderá perturbar outras pessoas), o indicado é levar a criança embora.
Em alguns casos, o que causa um ataque é a irritação por não conseguir montar um brinquedo ou o sono. Nessas situações, conversar com a criança pode ajudá-la a se acalmar. Sugira começar a brincadeira de uma outra forma ou contar uma história na cama, se o motivo da irritação for cansaço.
O ataque a irmãos e coleguinhas pode ocorrer para chamar atenção dos adultos. Se for isso, o melhor é fingir que não viu. Se a criança continuar, pode-se perguntar a ele por que quer tanto chamar atenção de alguém. E pedir para que escolha entre brincar amigavelmente ou ir embora.
Quézia Bombonatto sugere que os deixem resolver a briga, desde que um não ofereça risco ao outro. "A criança quer experimentar como se resolve um conflito", diz. Se não for possível controlar, o melhor é tirá-la do meio dos outros.

Depois
Para a empresária Alloma Moretti Barroso, 33, mãe de Theo Moretti Barroso, 2, deixar a criança "pensando" por alguns minutos o ajuda a refletir sobre o que fez. "Depois do castigo, ele sai mais tranqüilo e então podemos conversar olho no olho. Ele me pede desculpas e o fato fica marcado", conta.
Ela segue a regra do um minuto de castigo por ano de vida, como recomendam muitos especialistas. "A criança não consegue ficar concentrada por muito tempo, não adianta deixá-la de castigo além disso. O importante é ela se acalmar e parar para pensar no que fez", fala a psicopedagoga Silvia Amaral, coordenadora da Elipse Clínica Multidisciplinar.
Esse tempo para pensar também serve aos pais, que precisam se acalmar antes de conversar com a criança. Isso evita que se desconte no filho a raiva e a frustração pela malcriação. "Deixe passar e depois converse com a criança, abaixe para ficar namesma altura, olhe no olho e fale sério e firmemente que não gostou do que fez", acrescenta a psicopedagoga.
Ana Maria Massa diz ainda que não há problema em ficar bravo e expressar o descontentamento. "A criança sabe que isso passa. O conceito de educação atualmente tem uma permissividade que faz muito mal", alerta. Isto é, os pais não precisam ter receio de serem firmes. "Os pais têm medo de frustrar as crianças, estabelecem a ideologia dos pais-amigos. Pai é pai, pode ser próximo, sim, mas deve impor limites", acrescenta Vera Ferrari.

Terceirização
As crianças têm sido cuidadas por terceiros - babá, funcionários da creche, avós. Não é regra, mas isso pode aumentar os ataques de birra, já que essas figuras muitas vezes não exercem autoridade sobre o filho "dos outros".
"A criança fica com a vovó, que é mais condescendente, ou a babá, que é profissional e não dá limites. E assim os valores são muito relativizados. De repente, a mãe impõe limites, começa um impasse e aí vem a birra", explica o pediatra José Martins Filho, professor e pesquisador do Centro de Investigação em Pediatria da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor do livro "A Criança Terceirizada" (ed. Papirus).
Para ele, os pais devem procurar compensar a ausência sempre que possível e passar o tempo que puderem com a criança, para que não se percam as referências. "Se não, cria-se mais vínculos com o profissional, que muitas vezes não tem a mesma bagagem cultural e social nem a mesma forma de pensar a vida que o resto da família" diz.
Também é preciso delegar autoridade a quem cuida do filho. "Os cuidadores precisam ter um preparo suficiente para lidar com a situação, devem ter autoridade e ser obedecidos", avisa a psicopedagoga Silvia Amaral.


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Meu filho tem 1 ano e 10 meses... não é fácil. Tem hora que dá desespero.

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