11 fevereiro 2008

COSTUME NACIONAL

JANIO DE FREITAS

Hoje, o problema maior talvez esteja na diminuta parcela dos que se dispõem a enfrentar a corrupção

Na ânsia de ampliar as revelações de gastos governamentais incabíveis, rotulados de despesas eventuais, o noticiário perdeu o controle e eliminou, ou deixou a cargo do leitor/ouvinte, a cautela entre gastos de aparência estranha, mas nem por isso forçosamente incorretos, e aqueles de suspeição inevitável ou incorreção evidente. Nessa conduta há mais, porém, do que o açodamento da competição entre jornalistas e entre suas publicações e emissoras.
Não de hoje e nem só nas redações, chegou-se ao estágio em que a presunção imediata, diante de qualquer possível anomalia, é a de comportamento irregular e interessado da "autoridade" e do "servidor público", sejam quais forem seu nível, sua inserção política e sua área de atuação. O sentimento generalizado é o de que já constitui costume nacional a corrupção em todas as suas formas possíveis, nas violações lucrativas do dever oficial e na ganância esperta do privado.
Convenhamos, não é um sentimento passional, a que faltasse o apoio da realidade.
A esta altura, o problema maior talvez não esteja na amplitude da degeneração, mas na diminuta parcela dos que se dispõem a enfrentá-lo, entre os que tenham o dever e o poder de fazê-lo. Ainda é muito ilustrativo que um dos atos iniciais de Fernando Henrique Cardoso, como presidente, tenha sido o de extinguir o órgão criado por Itamar Franco para fiscalizar atos de possível corrupção. Por que o teria extinguido? Desdobramento coerente, depois Fernando Henrique bloqueou, sem distinção entre meios bons e maus, todas as tentativas de CPI na Câmara e no Senado, e a maioria tinha sólida razão de ser, não surgia das "bravatas" de Lula e do PT.
Há poucos dias revi as afirmações de Lula, já presidente, de que os primeiros seis meses do seu governo bastariam para provocar queda da corrupção no país todo. É dispensável mencionar o que houve naqueles e nos demais meses até aqui. Os últimos dias têm eloqüência suficiente.
Lula tomou, sim, a importante decisão de recriar e ampliar, com o nome de Controladoria Geral da União, o órgão criado por Itamar e extinto por Fernando Henrique. A CGU tem cumprido papel extraordinário, sem equivalente no passado, em duas frentes: a fiscalização e a divulgação dos atos da administração federal normalmente protegidos do conhecimento público. Assim se tornou conhecido, como sempre deveria ser, o uso ilegal de cartões de crédito e de verbas para despesas emergenciais.
Diante das revelações e seu escândalo, no entanto, a Presidência tomou, até agora, duas decisões administrativas. Pela primeira, o governo que criou a democrática divulgação dos seus gastos trata de devolver parte deles ao velho segredo, tão logo a divulgação cumpre também uma finalidade de ordem moral. Entre os gastos outra vez subterrâneos estão os da própria Presidência e, em particular, os de Lula & família.
A outra decisão tem a mesma densidade ética: ministros não devem usar cartão de crédito, deixando que o façam os assessores. Ou seja, o ministro pode fazer o gasto, mas se comprar tapioca ou fizer vantagens no free shop, Lula não precisa se aborrecer com demiti-lo. A fria é do assessor, que o ministro demitirá a bem da moralidade no serviço público.
Houve uma terceira providência, é verdade. Mas na área política. Foi a decisão, tomada em encontro de Lula com o senador Romero Jucá, de anteciparem a proposta de CPI, porém, nela incluídos os cartões e eventuais do governo Fernando Henrique. Se a proposta não fosse, pela intenção bloqueadora da CPI, ordinarice ostensiva, não seria má. Esses e outros traços do governo Fernando Henrique serão mesmo levantados, quando se tratar de mostrá-lo como de fato foi.
Para Lula e para Fernando Henrique é igualmente significativo que o proponente, no Senado, da investigação de dez anos seja Romero Jucá. Líder do governo Lula no Senado, teve a mesma função de absoluta confiança no governo Fernando Henrique. Do qual recebeu as benesses recompensadoras e ao qual, hoje, lança nas suspeições merecedoras de CPI. Quem quiser, a isso pode dar o nome de ingratidão, caso não queira chamar pelo nome mais apropriado de traição. Bem, são políticos, os três. E se entendem nos seus motivos para evitar CPIs ou embaraçá-las. O que pode tranqüilizá-los, mas não engana ninguém.

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