05 março 2007

O PERIGO CHINÊS

Reinaldo de Azevedo:

Leia trecho de matéria no Estadão desta segunda. Volto depois:

A China vai destinar este ano US$ 44,94 bilhões para a Defesa, um aumento de 17,8% em relação ao ano passado, anunciou ontem Jiang Enzhu, porta-voz da Assembléia Nacional do Povo (Parlamento chinês), que hoje iniciou sua sessão anual. O aumento é o maior em cinco anos e o quarto maior desde 1990, superado apenas pelos autorizados em 1994, de 18%, em 1995, de 21%, e em 2002, de 19%.
Jiang disse que os gastos serão principalmente direcionados para financiar moradia e aumento de salários dos 2,3 milhões de membros do Exército Popular de Libertação chinês, a maior força militar do mundo.
Os esforços chineses para modernizar suas forças militares têm causado preocupação no mundo. Em janeiro, EUA, Grã-Bretanha e Japão criticaram o teste chinês de um míssil anti-satélite, dizendo que Pequim poderia desatar uma corrida armamentista espacial.
Horas depois do anúncio, o subsecretário de Estado dos EUA, John Negroponte, pediu que a China mostre mais transparência em relação a seus gastos militares, afirmando que o país não informava com clareza como pretende usar o dinheiro. 'É importante entender quais são os planos e intenções da China', disse Negroponte, que ontem visitava Pequim.

Voltei
Comentei aqui que escrevi um texto em 2004, no site Primeira Leitura, intitulado “Por que quero destruir a China”, vazado entre a “galhofa e a melancolia”. Leitores estão me cobrando link. O site não está mais no ar porque não tenho grana pra isso. Achei um trecho num blog, que o reproduziu. Se conseguir encontrar a íntegra, publico aqui. Segue em azul o que deu pra recuperar.

(...)Não gostamos do presidente americano porque ele não respeita a autodeterminação dos povos, certo? Mas o que faz o PC chinês no Tibete ou, pior ainda, o que faz o PC chinês dentro da própria China? Não gostamos de Bush porque acreditamos que ele ajuda os americanos a fritar o seu hambúrguer com o sangue dos companheiros do Terceiro Mundo. Mas o que faz o PC chinês, que mantém 80% do seu próprio povo debaixo do chicote, enquanto permite que 20% executem a boa e sobretudo velha exploração capitalista em moldes anteriores a todo e qualquer avanço propiciado no Ocidente pelo próprio capital? Não gostamos de Bush porque entendemos que sua política mata criancinhas de inanição nos países periféricos (nota: quem mata as criancinhas são as elites da periferia; Bush não tem nada com isso). Mas qual é a política de saúde e de assistência à infância e à gestante do PC chinês? Não gostamos de Bush porque achamos que ele não respeita o meio ambiente. Mas e a agressão à natureza praticada pela China, um dos campeões mundiais de emissão de poluentes que, no Ocidente, há muito foram postos sob controle?

A botocúndia logo vai meter uma chancela neste texto: “Coisa de direita!”. Ai, ai... Direitistas de verdade, a direita econômica — que é a que conta, afinal — vêem a China com olhos de admiração irrestrita. E também os esquerdistas. Os primeiros certamente ficam fascinados com um país que parece viver os primeiros dias da revolução industrial no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores e às noções de cidadania — só que agora sob o porrete do produtivismo e da técnica. Uma legião de centenas de milhões de escravos amarelos produz para a grandeza da “nação”, do “partido” e do “comunismo” (rá, rá, rá), alheios a qualquer noção (que antropólogos de meia-tigela logo chamariam de meramente “ocidentais”) de direitos humanos, de direitos civis, de direitos políticos, de liberdade de expressão e de associação, essas coisas todas que levamos alguns séculos para construir aqui no Ocidente.

A esquerda, ou parte dela, se regozija com o fato de que o “modelo” já teria tirado, nas duas últimas décadas, quase 300 milhões de pessoas da miséria, fazendo-as participar do mercado consumidor. Esse mesmo amigo a que me referi, num debate na televisão com um petista que cantava as glórias da Fazendola de Mao, teve de lembrar ao interlocutor a realidade que parecia detalhe irrelevante: “Mas a China é uma ditadura!”. O outro espantou-se.

Das duas leituras, a da esquerda me fascina mais porque traz aquele apelo humanista a que poucos podemos resistir. E compõe o cerne, mesmo, da razão que explica que se possa detestar tanto uma democracia, como a americana, e se possa ser indiferente a uma ditadura que vitima um quarto da população do mundo, ou, pior, ser seu admirador explícito. Confesso aqui que entendo (mas não aprovo) a alma suja de certos liberais que dão de ombros para o que quer que os comunistas façam com seus escravos.

Essa gente quer grana, produtividade, fazer negócios. A melhor contribuição que podem dar aos direitos humanos é erguer empresas, gerar empregos. São incapazes de produzir um discurso ideológico razoável porque não esperam nada dos homens. São pessimistas contumazes sem nem mesmo sabê-lo. Não custa lembrar que as bases das liberdades individuais e dos valores democráticos foram fundadas quando empresário “empresariava” e político “politicava”. Churchill não devia saber apertar um parafuso. Felizmente!

Já as justificativas da esquerda clamam aos céus por sua hipocrisia. É como se dissessem que o inferno existe para que se possa construir o paraíso; que o mais bem-acabado totalitarismo jamais havido na história é o preço que se paga pela libertação. A direita econômica, se vê a China na esbórnia, dança e brinda em ambiente de lupanar. Já a esquerda transforma a maior ditadura que a humanidade já construiu numa teologia, num culto. (...)

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