17 março 2007

A BRINCADEIRA DE LULA E O PACOTE DA EDUCAÇÃO

Reinaldo Azevedo

Da série “O rinoceronte bate à porta”.


Leia uma síntese feita nesta madrugada pelo Jornal da Globo.
Depois retomo:

O presidente Lula prometeu nesta quinta-feira mais dinheiro para melhorar a qualidade do ensino brasileiro, que especialistas sempre apontaram como um dos problemas centrais da educação no país. Entre as várias medidas que o governo está propondo, destacam-se maiores salários para professores e um sistema pelo qual estados e municípios vão receber mais dinheiro se apresentarem resultados melhores na educação. Ao apresentar o plano de desenvolvimento da educação para especialistas, o presidente Lula disse que o programa pode ajudar três milhões de jovens que estão fora do mercado de trabalho.
"Na medida em que a gente universalizou a educação – e nós universalizamos – , junto com a universalização, não houve um acompanhamento da melhoria da qualidade da educação. Então, nós estamos nos piores do mundo”, afirmou Lula. “O dado concreto é que nós entramos no século 21, estamos tentando fazer muita coisa, mas ainda temos praticamente tudo a resolver no que diz respeito à educação”.
Para o ministro da Educação, Fernando Haddad, o sucesso de estudantes no Ensino Médio e Superior depende, principalmente, da educação básica. Por essa razão, a prioridade do plano é investir na qualidade do ensino para os mais jovens. “Nós temos que garantir que as crianças no máximo até os oito anos estejam todas alfabetizadas e que, a partir dos 10 anos, tenham adquirido competências e habilidades próprias da idade”, definiu Haddad.
Algumas medidas do plano já foram divulgadas:
* O governo vai propor um piso salarial para professores de todo o país de, no mínimo, R$ 800.
* Novos Centros Federais de Educação Técnica e Científica serão criados em várias cidades do interior do país.
* Meta de 100 mil estudantes do Ensino Médio recebendo educação à distância pela Internet.* Um índice vai medir a qualidade do ensino.
*Os estados e municípios que conseguirem melhor desempenho vão receber mais dinheiro do governo federal.
* Alunos entre seis e oito anos de idade vão ser avaliados para confirmar se estão sendo alfabetizados.
* O governo vai oferecer isenção de impostos e financiamento para que os municípios comprem ônibus para o transporte escolar.
Embora detalhes do plano tenham sido anunciados nesta quinta-feira, o governo só deve apresentar em abril todos os projetos de lei, decretos e portarias que viabilizam as propostas. O governo diz que distribuirá pelo menos R$ 1 bilhão a mais, ainda neste ano, para que estados e municípios invistam em educação. Os recursos viriam do recém-criado Fundo da Educação Básica.
Critérios da reforma ministerial
O presidente Lula explicou, nesta quinta-feira, o porquê da manutenção de Fernando Haddad, um professor universitário, no ministério da Educação e da escolha de José Temporão, um médico, para a Saúde.“Eu acho que tem duas coisas que são fundamentais no Brasil: Educação e Saúde. Com isso, a gente não brinca, a gente não partidariza, a gente monta o governo com as pessoas que têm competência, com as pessoas que têm capacidade de montar um bom governo. Porque, na Saúde, se você brincar, é morte. Na Educação, se você brincar, é um analfabeto”, disse o presidente.

Retomando
E aí? Qual a sensação, patriotas, depois de ler o que vai acima? Sei que esse negócio de afirmar todo dia que Lula fala besteira pode ser um tanto cansativo. O diabo é que Lula fala besteira todo dia. Até porque ele fala todo dia. O que ele mais faz é falar. Trato depois do “pactóide” da Educação.
Não há outra leitura possível. Lula está dizendo que técnicos mesmo, segundo sua opinião ao menos, são os dois ministérios que ele citou: Saúde e Educação. Nos demais, ele “brinca”, “partidariza”, põem gente sem competência, sem “capacidade de montar um bom governo. O evento era da Educação, pasta em que será confirmado Fernando Haddad, depois de forte pressão de petistas para que ele nomeasse Marta Suplicy para o cargo. Eu sei o que tenho contra a ex-prefeita porque moro em São Paulo. Mas e o petista Lula? A fala corresponde a uma humilhação pública. O presidente disse por que não a nomeou para essa pasta. Para alguma outra, em que ele possa “brincar” e “partidarizar”, tudo indica, ela serve...Depois de deixar claro em que conta tem os demais ministérios, sentiu-se obrigado a arrematar, todo retórico: “(...) na Saúde, se você brincar, é morte. Na Educação, se você brincar, é um analfabeto”. Boa! Então vamos lá:
- Na Defesa, se você brincar, morrem 154 pessoas de uma vez só, e os aeroportos param;
- Na Reforma Agrária, se você brincar, as mortes no campo duplicam;
- Na Agricultura, se você brincar, leva o setor à inadimplência;
- Na Previdência, se você brincar (e Lula deve brincar com Carlos Luppi), quebra o país;- Nos Transportes, se você brincar, as estradas viram um queijo suíço assassino...
A lista de “brincadeiras” do homem é gigantesca. Tem o tamanho de seu Ministério. Não custa observar que, na Saúde, ele já brincou, quando entregou a pasta a Humberto Costa.

Pactóide da Educação
A única coisa realmente positiva que vejo no tal Plano de Desenvolvimento da Educação é o exame para verificar a alfabetização das crianças entre seis e oito anos. Desde, é claro, que se faça depois alguma coisa com o resultado. Lembro que, quando o PT chegou ao poder, havia o provão para avaliar as universidades. Não era obrigatório, mas era para todo mundo. Havia uma nota individual e uma para o curso. As faculdades e universidades privadas se mexeram como nunca, em busca da boa avaliação. O PT destruiu o exame. As mantenedoras aproveitaram para mandar embora alguns doutores que tinham contratado e para cancelar investimentos. Lula, generoso, abriu as burras do dinheiro público para o ensino universitário privado por meio do ProUni. E vai dar ainda mais dinheiro — veja abaixo. Ainda hoje vi na TV propaganda de uma aí que oferece a pós-graduação antes (juro!) da graduação. O Brasil espanta o mundo. Sempre.Salário de professor é um problema da educação brasileira? É na exata medida em que o salário é um problema no país. Vejam matéria na Folha desta sexta. Os empregos se tornaram mais precários. O rendimento da população é baixo. Mas está longe de ser a principal dificuldade enfrentada pela escola. Lula, nesta quinta, fez uma promessa solene: piso salarial de R$ 800, o que, segundo entendi, deve valer em todos os 5.507 municípios brasileiros. Com que dinheiro? Com o R$ 1 bilhão a mais que promete distribuir? Não está claro se isso vale para qualquer professor, de qualquer nível e por qual carga horária. Só o equacionamento desse particular pode levar a “eternidade” do segundo mandato.
Como Lula vai garantir os R$ 800 para a professorinha de um igarapé lá no interior do Amazonas, do agreste nordestino ou do Vale do Jequitinhonha? Não basta “propor” o valor. É preciso saber se as cidades, na maioria quebradas, boa parte dependente do Fundo de Participação dos Municípios, terão como arcar com o custo.
Aí vêm as coisas um tanto mirabolantes: ensino pela Internet para 100 mil pessoas, centros de ensino técnico, financiamento para ônibus escolar, eletrificação de escolas, mais dinheiro para municípios com melhor desempenho (e menos para os de pior?)... E assim vai. A prometida reforma da educação — ou revolução — era para ser um PAC (no dia em que PAC for alguma coisa) e se parece mais é com um Fome Zero.
A questão fundamental é a qualificação dos professores — que não se consegue com salário. Pode, no máximo, ajudar nos casos extremos. Lula, tudo indica, vai optar por algumas ações que rendem mais notícia do que resultado. O que estou afirmando é que as medidas não têm eixo, não têm direção. Não, não será ainda desta vez. A única medida, se for levada a efeito, que parece apontar para um sistema, não para uma ação pontual, é mesmo o tal exame. E, ainda assim, se for obrigatório para todos os estudantes, em vez de feito por amostragem. O resultado, de todo modo, será só o termômetro a indicar a febre.

Fácil, difícil
Pode parecer resposta fácil para problemas difíceis, mas não é. Até porque o que vou propor não tem nada de fácil. Mas o certo seria montar um grupo de trabalho (calma, pessoal!) com um prazo determinado para criar um currículo mínimo para o ensino fundamental em todo o país. Esse currículo seria discutido com os secretários de educação dos Estados — também com prazo definido para se chegar a uma conclusão. E começaria a ser implementado. Aí, sim, quando começasse a fase de pôr em prática as mudanças, um grupo executivo ficaria encarregado de avaliar as dificuldades de cada unidade da federação.
O currículo mínimo haveria de contar com material didático norteando o conteúdo de língua portuguesa e matemática. A tarefa seria gigantesca, sim, mas possível. À medida que esse conteúdo fosse definido, começaria a ficar evidente o despreparo dos professores, que também cobraria uma resposta. Sem ela, não se faz nada. O trabalho, enfim, exige a ação coordenada de municípios, Estados e federação. Mais: é do interesse das empresas e do capitalismo brasileiro a elevação do padrão educacional no país. A iniciativa privada pode e deve colaborar, adotando grupos de escolas — ou de alunos — por meio de suas entidades de classe. Isso requer planejamento, tempo, cuidado, competência.

Universidade
O tal plano também prevê a ampliação do acesso ao ensino superior nas escolas privadas. Já existe o ProUni, que oferece vagas a alunos carentes. As instituições têm isenção de quatro impostos federais. Hoje, há 400 mil bolsas de estudo integrais ou parciais, a que serão acrescidas outras 40 mil integrais. O governo diz ainda que quer dobrar o número de vagas nas federais. Mas, até agora, ninguém tem idéia de como se vai atingir esse objetivo. Faltam recursos. Informa o Estadão que a intenção do Ministério da Educação é que “as instituições apresentem projetos com metas de gestão para ampliar o número de cursos noturnos, aumentar o número de alunos por professor e o número de estudantes que conseguem se formar.” Ainda segundo o jornal: “Para isso, [o ministério] oferece cerca de R$ 3,7 bilhões, mas as universidades acham que essas mudanças custam mais caro - cerca de R$ 2,7 bilhões por ano”.

Eixo
Os educadores presentes e outros especialistas que se manifestaram elogiaram o pacote. Sempre que se fala em mais verba para educação, a tendência é haver essa onda de otimismo. No fim das contas, nós nos perguntamos: “Será que agora vai?” Acho que não vai. A situação do ensino fundamental e médio no país é de tal sorte lastimável, que a meta de dobrar o número de matriculados nas universidades federais e o aumento de gastos com o ProUni cheiram a uma espécie de alienação da realidade, não fosse o fato de que se continua de olho nos índices “nunca antes vistos nestepaiz”. Fazer uma escolha implicaria, no mínimo, congelar os gastos com o Terceiro Grau (exigido mais eficiência), o que liberaria recursos para o ensino fundamental.
Mas se vai brincar, de novo, de outra coisa.