16 março 2007

LIDANDO COM A MORTE

Rosely Sayão

Um leitor enviou uma correspondência muito instigante a respeito de uma discórdia que ele e a mulher têm. Na opinião dele, não há problema em levar a filha, que tem seis anos, para conhecer um cemitério, já que ela manifestou a curiosidade. Já a mãe acha que essa experiência pode acontecer mais tarde.

Faz muito sentido, na atualidade, a resistência dessa mãe. Temos feito de tudo para retirar a morte de cena, principalmente para as crianças. O fato é que fazemos de conta que morrer não é o nosso destino. O interessante é que não evitamos outros tipos de angústia para as crianças com a convicção de que são questões pertinentes só aos adultos. Não vivemos perguntando a elas: "O que você quer ser quando crescer?" Não afirmamos que, se elas não se dedicarem ao estudo, terão dificuldades na vida? Não fazemos de tudo para que aprendam a se cuidar -ensinando a higiene dos dentes, por exemplo- para garantir saúde e qualidade de vida mais adiante?

Ora, o que fazemos ao dizer essas coisas a não ser anunciar para a criança que o futuro a espera? Pois a morte faz parte desse futuro, próximo ou não. Amanhã ou depois, a criança se defrontará com ela, seja pela perda de alguém conhecido, seja no medo da própria morte. O maior problema é que a idéia de morte nos revela sentimentos dolorosos e não queremos que as crianças sofram com isso. Aliás, não queremos, nós mesmos, passar por dissabores nos lembrando de nossa finitude e de nossas perdas.

A questão é que nossos medos e negações se convertem em pesadelos na vida das crianças. Por isso, pais e mães interferem nas leituras da escola por acreditarem que algumas histórias causam noites mal dormidas, medo e angústia. Mas é a vida que provoca tudo isso, e não é possível escolher viver apenas parte dela. Como somos pressionados a garantir a nossa felicidade e a dos filhos, fazemos de tudo para evitar sentimentos dolorosos, para nós e para eles. Não é à toa que vivemos na era das "pílulas mágicas" e a elas recorremos sempre que somos acometidos por dor ou mal-estar.

O que pode acontecer a uma criança se ela for colocada diante da morte? Não sabemos, e nosso problema é pensar que sabemos, fazer previsões e planejar proteção. E é desse modo que arrancamos das crianças muitas possibilidades vitais. Uma delas é a de que tenham oportunidade de pôr em palavras o que sentem e pensam; outra, a de experimentarem certas emoções e se mobilizarem para fazer frente a elas.

Ao visitar um cemitério ou mesmo ao participar de um velório, a criança pode entrar em contato com emoções diversas: dor, desespero, serenidade, tristeza, revolta, saudades, amor, solidariedade, compaixão. E é bom lembrar que todas elas fazem parte da vida.

Cemitério é um lugar que estimula lembranças, que conta histórias, que lembra o passado e o futuro. Por isso, pode ser, sim, lugar para criança. O mais importante, ao acompanhá-la nessa aventura, é disponibilidade para, de fato, ouvir o que ela tem a perguntar e a dizer, estar disposto a enfrentar o imprevisível na relação com ela.

Nenhum comentário: