ALCINO LEITE NETO
A barbárie brasileira
Um dos constrangimentos a que o brasileiro é submetido atualmente no exterior consiste em tentar explicar o estado da violência no país. Você entra no táxi e, conversa vai, conversa vem, o motorista indaga: "O Brasil é muito perigoso, não é?". Você está em um jantar, cercado de executivos, e, de repente, um deles lhe pergunta: "Como fazem os brasileiros para viverem em meio a tanta violência?".
As TVs e a imprensa também adoram as notícias da barbárie brasileira. A prestigiosa revista "Vanity Fair", em seu número de abril, que já está nas bancas nos EUA, publica uma reportagem de 11 páginas sobre o PCC e o crime em São Paulo. A matéria mereceu até mesmo uma chamada de capa, que diz: "Como uma gangue de prisioneiros tomou conta de uma cidade de 20 milhões de habitantes".
Dentro, o título da reportagem é "Cidade do Medo", e o texto descreve meticulosamente os ataques do PCC em São Paulo no ano passado, explica como surgiu a organização criminosa, descreve como a pobreza é vasta e alienante no país e como o Estado se revela fraco diante do crime.
Durante décadas, o Brasil representou, aos olhos estrangeiros, um país alegre, musical e até utópico.
Esse Brasil já não existe mais. A fantasia do país idílico e feliz deu lugar à imagem de uma terra violenta, criminal, corrupta e à beira do desgoverno. A nova imagem que os estrangeiros fazem do Brasil está obviamente mais próxima de nossa realidade social. É também mais condizente com o modo como os próprios brasileiros agora representam o país para si mesmos, entre o cinismo e a má consciência.
Desde tempos coloniais, o Brasil foi marcado por uma multidão de utopias -de políticas a antropológicas, de culturais a religiosas. Todas elas foram contrariadas, uma a uma, demonstrando que nossa imaginação era muito mais fértil do que nossa vontade política.
Hoje, esvaziados de utopias, decepcionados com a realidade adversa, desconfiados dos ideais políticos, os brasileiros também já não se interessam por nada que possa levá-los coletivamente a construir uma civilização forte e respeitável.
Aqui e agora, todo ideal soa hipócrita ou ridículo. Todo discurso parece inócuo ou oportunista. Ninguém confia em mais ninguém. As instituições públicas estão desacreditadas. As elites políticas, econômicas e sociais servem mais como contra-exemplos do que como modelos. A vulgaridade se dissemina por todas as classes. O arrivismo virou regra social. A inteligência mergulha na desrazão. O trabalho perdeu a dignidade. As ruas são perigosas. As casas estão ameaçadas.
A vida foi rebaixada ao seu estado mais rudimentar: o medo permanente. É isto um país? É isto um povo?
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