27 março 2007

CUIDADOS QUE DEVEMOS TER AO FALAR COM CRIANÇAS

Rosely Sayão

Mesmo sem perceber, a gente adora enquadrar as pessoas em categorias para defini-las e descrevê-las. Quando isso envolve uma criança, criamos um problema. E pais e professores fazem isso em profusão. “Meu filho é tímido”, “aquela criança é agitada”, “fulano é mentiroso”, “tal aluno é fofoqueiro” são algumas descrições que já ouvi adultos fazerem a respeito de crianças. E, de fato, essas crianças podem apresentar as características apontadas. Mas, por que isso é problemático?

É que a criança vive, na infância, o período em que constrói sua imagem, e esse processo ocorre a partir de matrizes de identificação que ela encontra no ambiente em que vive. Quando uma criança mente algumas vezes e, a partir de então, passa a ser descrita como mentirosa, essa matriz passa a fazer parte da imagem que ela constrói a seu respeito. E vira até profecia, mesmo quando negada. Quando um educador, familiar ou escolar, diz para uma criança que ela não deve ser mentirosa, por exemplo, está afirmando que ela já é, ou está se tornando.

Mentir é diferente de ser mentiroso, mas uma criança ainda não faz essa distinção e, quando percebe que essa imagem a descreve, acaba por tomar essa referência para se situar, para se perceber e para se identificar. Ela adota uma parte como o todo e, a partir de então, é bem mais provável que a mentira passe a se tornar mais freqüente em sua vida. É que é assim que ela se reconhece porque é assim que os adultos próximos a reconhecem. O que um adulto diz para uma criança a respeito dela funciona, na verdade, como em espelho.

Pode parecer apenas uma questão de construção lingüística, mas não é. Dizer para uma criança que ela mentiu e dizer que ela é uma mentirosa faz uma grande diferença no seu desenvolvimento. Ralhar com o filho por ele ter feito sujeira onde não deveria é diferente de dizer que ele é um porcalhão. Chamar a atenção de um aluno por ele não parar quieto quando deveria é bem diferente de dizer que ele é hiperativo. Além disso, enquadrar a criança em determinadas categorias de comportamento ou de atitude, aniquila também a possibilidade de ela experimentar até encontrar o jeito mais adequado para si.

Lembro-me de um fato bem interessante que ilustra essa questão. Três crianças entre seis e oito anos, mais ou menos, almoçavam juntas no restaurante de um hotel. Os pais estavam por perto, mas elas preferiram a independência. Enquanto almoçavam, conversavam e se observavam, é claro. Em determinado momento, uma delas tirou um alimento do prato e colocou sobre a toalha da mesa. A outra, atenta, disparou: “Isso é feio! Se você não quer comer, deixa no prato”. A resposta veio curta e grossa: “Eu sei”. E, quando indagado do motivo de, mesmo assim, fazer, o garoto afirmou com a maior tranqüilidade: “É que sou teimoso”. Dá para imaginar que essa criança ouve isso com muita freqüência, não é verdade?

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