18 março 2007

LULA: DOIS GOVERNOS

Josias de Souza:
Para Lula, há 2 governos: o sério e o playground

Nunca na história desse país um presidente da República explicitou de forma tão cristalina os métodos que regem a composição de um governo. Ao discorrer sobre os ministérios da Saúde, que entregou ao sanitarista José Gomes Temporão, e da Educação, onde manteve o técnico Fernando Haddad, Lula disse:

"Eu acho que tem duas coisas que são fundamentais no Brasil: educação e saúde. A gente não brinca, a gente não partidariza. E a gente monta o governo com as pessoas que têm competência, com as pessoas que têm capacidade de montar um bom governo. Porque, na saúde, se você brincar, é morte. Na educação, se você brincar, é analfabeto."

A frase de Lula é, por um lado, elogiável. E, por outro, execrável. É digna de louvor a constatação de que o presidente se deu conta de que não se deve “brincar” com a saúde e a educação. É abominável a percepção, implícita no raciocínio de Lula, de que outras áreas do governo, igualmente relevantes, converteram-se numa espécie de playground, no qual os políticos aliados podem “brincar” impunemente.

Lula dividiu o governo em dois. Um sério. Outro bandalho. No naco austero da máquina pública, além de Saúde e Educação, incluem-se, embora o presidente não os tenha mencionado, os órgãos que cuidam da gestão econômica do Estado: Banco Central, Fazenda, Planejamento e repartições afins. Todo o resto –incluindo ministérios, estatais e autarquias— compõe, segundo deixou antever o presidente, o pedaço patife do governo.

Sem querer –ou querendo, não se sabe ao certo— Lula tisnou, por exemplo, a imagem de Marta Suplicy (PT-SP), já bem passada. Como se sabe, a ex-prefeita reivindicava a pasta das Cidades. Vetada, passou a sonhar com o ministério da Educação, uma área com a qual, disse Lula, “a gente não brinca”. Cabe a pergunta: que brincadeira faria a companheira Marta na Educação que deixará de fazer no Turismo, o prêmio de consolação que coube a ela?

Foram à foto do ministério em pose incômoda também os integrantes do consórcio governista brindados com espaços estratégicos no parque de diversões de Lula. Entre eles os “aliados” do PMDB. Os peemedebistas ganharam, além da Saúde, em tese “higienizada”, outros quatro brinquedos: Integração Nacional, Agricultura, Minas e Energia e Comunicações.

São brinquedos poderosos. Noves fora a verba destinada ao pagamento da folha de salários e despesas administrativas obrigatórias, os ministros do PMDB vão gerir, neste ano da graça de 2007, um orçamento de R$ 45,3 bilhões. Que brincadeiras essa dinheirama irá proporcionar?

Sugere-se a Lula que preste atenção aos movimentos do PR (ex-PL). Protagonista do mensalão, o partido obteve a promessa de ver o seu presidente de honra, senador Alfredo Nascimento (AM), alojado na pasta dos Transportes. Antes mesmo da nomeação efetiva, o PR move-se no playground com desenvoltura inaudita. Atrai como um ímã a adesão de novos filiados. Promete verbas e cargos no DNIT, o ex- DNER, de triste memória.

Ninguém ignora que, sob o defeituoso presidencialismo brasileiro, o chefe do Executivo precisa compor maiorias congressuais. Sob pena de não conseguir governar. Nem por isso deve-se aceitar com tamanha naturalidade a máxima de que, para assegurar a tão propalada governabilidade, alianças espúrias e uma dose de tolerância com os maus costumes são aceitáveis ou inevitáveis. A um presidente não é dado o direito de brincar com coisa tão séria.

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