Dulce Critelli
[...] O ASSASSINATO DE ISABELLA TORNOU VULNERÁVEL O ÚNICO REDUTO QUE, NAS NOSSAS CRENÇAS MAIS PROFUNDAS, ERA INVIOLÁVEL
"Quando o pai deixou a menina em casa e voltou para buscar os outros filhos, será que trancou a porta ou a deixou aberta?" "Esta noite eu sonhei que quem matou a menina ..."
O assassinato de Isabella se impôs como o assunto constante destes últimos dias. Deixou-nos perturbados. E o que experimentamos não me parece ser uma comoção social, como aquela que vivemos quando, no Rio de Janeiro, João Hélio, um garotinho de seis anos, foi arrastado por quilômetros pelo carro dos assaltantes.
Há algo diferente na nossa inquietação. O assassinato de Isabella sugere que alguma coisa saiu do lugar e desarrumou o nosso mundo. Sentimos que, enquanto não decifrarmos seus agentes e suas razões, enquanto não compreendermos o sentido dos fatos, não poderemos retornar para a rotina aquietada dos nossos dias.
Já estamos calejados diante das atrocidades emergentes da violência social. É do mundo aí fora, acreditamos, é dessa selva urbana que insurgem todos os perigos que podem nos alcançar. Mas esse episódio entrou nas nossas casas, tornando vulnerável o único reduto que, nas nossas crenças mais profundas e ancestrais, era inviolável. Não a moradia, mas a casa paterna.
Nas simbologias de diversas culturas, o pai é representado pela coluna dorsal. Ele é a estrutura, o esteio, a força que suporta e dirige, a lei. Mais do que a mãe, é o pai quem oferece a casa para a qual todo filho pródigo pode regressar. Por meio da casa, o pai oferece o abrigo para o repouso e o reencontro depois das aventuras e das experiências fracassadas. A casa paterna é o lugar da segurança.
Isabella resumiu a nossa própria criança, a criança que confia e precisa confiar em sua segurança. Com ela, acreditamos que, enquanto dormimos, alguém nos vigia. Que se algo nos atacar, seremos defendidos. Que não perambulamos pela vida desabrigados e expulsos do paraíso.
Às vezes, os eventos que precisamos desesperadamente compreender para nos reinserirmos na vida são de natureza política, como ocorreu com o nazismo. Outros vêm da morte de alguém querido, de um casamento desfeito, de uma catástrofe natural que arrasa a terra, como tsunamis, incêndios e terremotos.
Mas esse acontecimento com que nos deparamos vem da angústia de nosso desamparo. Vem da suspeita do "pai". Se o "pai" for o transgressor, a moral está falida. Se o "pai" for a origem do mal, é como se descobríssemos que o mal está na raiz de nossa natureza e, portanto, projeta-se infinitamente sobre nosso futuro. Sem contenção, sem advertência, sem limite.
Se o mal vier do pai, quem poderá nos abençoar?
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