28 abril 2008

PROTEÇÃO

Wilson Jacob Filho

[...] A PROTEÇÃO DESNECESSÁRIA TORNA O PROTEGIDO CADA VEZ MAIS LIMITADO

"Boa tarde, sr. Horácio. Como tem passado?" "Nada bem", respondeu rapidamente a esposa. "Vamos ver se o papai tem jeito", comentou a filha.
Mal sentaram, puseram-se ambas a enumerar as diferenças do seu estado atual em relação ao passado e as dependências que tem hoje para as mais simples atividades cotidianas. Mesmo ouvindo o que falavam, prestei atenção ao olhar do sr. Horácio. Muito atento, em vários momentos tentou uma interpelação, mas isso não foi percebido pelas relatoras.
Desistiu. Abaixou os olhos e se tornou um mero ouvinte. Levou um susto quando eu, pedindo que interrompessem a narrativa, dirigi-me a ele, perguntando: "O que o senhor acha de tudo isso, meu caro?" "Quem, eu?" Respondeu como se tivesse sido escolhido em uma multidão. Ao meu aceno, timidamente se manifestou: "Nem tudo o que disseram ocorre bem dessa maneira".
Ambas tentaram reiniciar o relato, mas eu as impedi. "Agora é a vez de ouvirmos a sua opinião, não é mesmo?" Ele, sentindo-se mais seguro, começou a apresentar outras percepções sobre os mesmos fatos. Estimulei-o a falar mais de si.
Quando perguntei sobre as suas atividades, dando como exemplo o controle da sua conta bancária ou o pagamento das tarifas mensais, sua filha não se conteve: "Ele não precisa mais se preocupar com essas coisas, não é, pai? Há muito tempo, eu e meus irmãos dividimos essas tarefas para poupá-lo".
O olhar do Horácio revelou seu descontentamento. Convidei-o a se deitar para o exame. Prontamente, tentaram ajudá-lo a levantar da cadeira. Pedi que não o fizessem, para que eu avaliasse a sua motricidade.
Apoiando-se nos braços da poltrona, ficou em pé e aproximou-se da maca com o semblante inseguro. Comentaram em uníssono: "Ele não vai conseguir subir". Fingindo não ter ouvido, dei-lhe as diretrizes da forma mais facilitada para subir os degraus, sentar e deitar.
Ao conseguir fazê-lo com ajuda mínima, um sorriso radiante desenhou-se em seu rosto. Em seguida, pedi que desabotoasse a camisa. Novamente o aviso: "Ele não consegue fazer isso sozinho". Com paciência e sem pressão, a operação foi realizada com sucesso. Foi ainda capaz de descer da maca, manter-se no patamar da balança, caminhar pela sala sem apoio e se equilibrar de olhos fechados.
Nessa altura, ambas permaneciam caladas. Terminada a avaliação, pedidos os exames, organizada a prescrição e feitas as recomendações, chegara a hora de falar sobre o comportamento adequado para que as limitações fossem minimizadas e as aptidões, potencializadas.
Com cuidado para não gerar constrangimentos, expliquei que tudo aquilo que podemos fazer e não fazemos nos tornará progressivamente incapazes no futuro. Se isso é válido para a movimentação, o é mais ainda para a cognição. A proteção desnecessária limita a capacidade de desenvolvimento e torna o protegido cada vez mais limitado. Lógico que os riscos devem ser sempre calculados e a cooperação familiar é imprescindível.
Despedi-me, pedindo que voltassem com os resultados dos exames. Mãe e filha agradeceram, deixando-me com a sensação de que aquela tarde fora diferente do esperado.
Ele, ao contrário, parecia-me bem maior do que ao chegar. Apertou minha mão com firmeza e disse em boa voz: "Eu entendi a tua mensagem. Vou cuidar melhor de mim para evitar que os outros tenham de fazê-lo". Grande Horácio!!!

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