03 abril 2008

FAUSTO TROPICAL

Folha de S. Paulo

A obsessão do Itamaraty por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU está levando a diplomacia brasileira a agir como um Fausto dos trópicos, que negocia sua reputação em troca de apoio para aquela veleidade.
A última do Ministério das Relações Exteriores foi aceitar o convite de Robert Mugabe, ditador do Zimbábue, para atuar como observador das eleições gerais de hoje. É natural que o regime desta antiga colônia britânica no sul da África procure legitimar a farsa eleitoral que prepara solicitando a presença de monitores de países que considera "neutros", ou seja, que não condenarão o pleito ou se limitarão a críticas leves. Já é bem pouco lisonjeiro que o Brasil tenha sido incluído nessa lista, mas é a aceitação do convite por parte de Brasília que se afigura patética.
O tamanho da encrenca em que o Itamaraty se meteu pode ser medido pelas dúvidas em torno do processo eleitoral. A primeira delas diz respeito à própria condição de Mugabe como favorito. Os principais legados de sua administração são uma hiperinflação de 100.000% ao ano e, com o auxílio da Aids, uma redução da expectativa de vida de 60 (1990) para 37 anos. Já seria surpreendente que o líder de um governo com esse currículo tivesse um mísero voto; que tenha a preferência de 57% dos eleitores, como indicam as "pesquisas", parece uma pilhéria.
Os indícios de fraude são abundantes. O governo mandou imprimir 9 milhões de cédulas, embora só haja 5,9 milhões de eleitores registrados. O excedente, alega-se, é para evitar "falta". A polícia foi autorizada a entrar nas seções eleitorais para "ajudar" os eleitores analfabetos.
É o caso de perguntar por que Mugabe se dá ao trabalho de organizar um pleito. Afinal, os comandantes do Exército, da polícia e da guarda penitenciária (força paramilitar) já disseram em alto e bom som que não permitirão a derrota do ditador.
A situação fica ainda mais constrangedora para o Itamaraty quando se consideram os demais países escolhidos para monitorar a eleição. Trata-se de verdadeiros "campeões da democracia" como China, Venezuela, Irã, Rússia, Sudão, Líbia e Egito. Observadores dos EUA e da UE foram proibidos de entrar no Zimbábue. É que, segundo Mugabe, eles não são "neutros".
O Itamaraty deveria poupar o Brasil de tanta "neutralidade".

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