14 abril 2008

EFEITO CORO

Equilíbrio

Com preço alto e promessa de até 80% de melhora, chega ao Brasil primeiro aparelho para auxiliar portadores de gagueira; problema pode ser tratado com abordagens diferentes

Em entrevista por telefone, o bibliotecário Roberto Tadeu, 38, conta sua história, sem pressa. A descoberta, aos cinco anos, de que falava de forma diferente da maioria das pessoas, as dificuldades da adolescência e de obter o primeiro emprego, as sessões de fonoaudiologia, os grupos de discussão na internet, a fundação de um grupo de apoio e de troca de informações sobre a gagueira. A conversa foi longa.
O que a reportagem não sabia é que, na entrevista, Roberto estava fazendo uma das coisas mais difíceis para quem tem gagueira: falar ao telefone. E isso é só uma das coisas que a maioria das pessoas não sabe sobre o distúrbio. Para enfrentar situações como essa, é comum o portador de gagueira procurar estratégias. "Muitas vezes, ele prefere se deslocar para falar pessoalmente e evitar o telefone. De modo similar, pode ir comprar o pão no supermercado só para não ter de falar com o funcionário da padaria", conta a fonoaudióloga Ignes Maia Ribeiro, presidente do IBF (Instituto Brasileiro de Fluência).
Uma nova estratégia, desta vez tecnológica, acaba de ser lançada no Brasil. Um pequeno aparelho colocado dentro da orelha simula o "efeito coro", fazendo a pessoa que gagueja ouvir suas próprias palavras com um certo atraso e ter a sensação de que está falando junto com outros. Em situações como recitar em coro ou cantar, é comum a gagueira desaparecer.
O aparelho que está chegando ao mercado, o SpeechEasy, da Microsom, passou por cerca de um ano e meio de testes clínicos no Brasil, coordenados por Ribeiro, do IBF. "As respostas das pessoas que fizeram os testes foram diferentes. Houve quem colocou o aparelho e teve melhora imediata e quem praticamente não sentiu efeito. Uma das pessoas simplesmente odiou o aparelho, não gostou da sensação de ouvir a sua própria voz alterada", diz Ribeiro.
No entanto, ela considera que o resultado geral dos testes foi promissor. "A maioria melhorou a fluência e chegamos à melhora de até 80%. Isso faz muita diferença, minimiza os bloqueios e pode ajudar em situações cruciais. Imagine uma entrevista de emprego, por exemplo."
Realmente, em situações de pressão a gagueira tende a piorar. Por isso, muita gente acha que é um problema psicológico, mas, hoje, os especialistas atribuem a gagueira a causas genéticas e neurológicas.
A fonoaudióloga Fernanda Papaterra Limongi, especializada em afasia e gagueira pela University of North Dakota (EUA), diz que não existe uma única causa que justifique todos os casos de gagueira e que são necessários três fatores para ela se desenvolver: o predisponente -que é a predisposição congênita, que pode ou não se manifestar-, o precipitante -que é o evento que desencadeia a gagueira- e o perpetuante, que faz com que ela se instale. "A pessoa percebe que falar é difícil e começa a lutar com a fala. Mas, quanto mais força a fluência, mais gagueja. Assim, perpetua o problema", diz.
Limongi acredita que a gagueira tem cura. Em sua experiência de mais de 30 anos na área, ela utiliza um tratamento fonoaudiológico baseado em passos, em que a pessoa vai desenvolvendo a fluência e, segundo ela, pode mantê-la por toda a vida. Ela tem conhecimento do novo aparelho -que já está disponível há algum tempo nos EUA-, mas diz nunca ter experimentado. "Atualmente, é bem caro, nem todos têm acesso, e não sabemos como vai funcionar com o tempo. Mais tarde, posso experimentar, mas acho que há outras opções para abordar a questão."
O SpeechEasy não é exatamente um tratamento, mas sim um auxiliar, e não substitui a fonoaudiologia -a indicação é que seja usado conjuntamente. E o preço é realmente salgado: R$ 9.900, segundo o fabricante.
"Nada em gagueira é consenso, mas o que sabemos hoje é o suficiente para obter fluência", diz Isis Meira, professora de fonoaudiologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em gagueira pela Northwestern University e pela Speech Foundation of America (EUA). Ela diz que o aparelho não se encaixa em sua linha de trabalho. "Cada um forma sua gagueira, e cada uma é diferente. Por isso, é importante que o tratamento contemple as necessidades individuais", afirma.
A abordagem de Meira foca tanto a gagueira quanto a pessoa. "Ela constrói no corpo a gagueira, e o tratamento a ajuda a desconstruir isso, além de trabalhar os sentimentos, as atitudes em relação ao problema, que são muito variadas." Quanto à cura, Meira pondera que é preciso definir o que entendemos pela palavra. "Curar é conseguir fala fluente? É possível. Mas deixar de ter essa característica, que eu acredito ser genética, acho que não acontece. A pessoa permanece com a tendência, mas consegue a fala fluente."

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