[...] MEU DNA AMERICANO ME TORNOU SUPERDIRETO E TEM DIFICULTADO NA HORA DE ME ABRASILEIRAR, SER MAIS DELICADO
Meus amigos dizem que o "Fantástico", da TV Globo, deve ter se inspirado em mim para criar o quadro "O Super Sincero". Juram que o Luiz Fernando Guimarães, que vive o Salgado, um homem que fala as piores verdades à queima-roupa, é minha alma gêmea. Mas há grandes diferenças entre nós. O Salgado pede que os convidados levem presentes para suas festas de aniversário. Eu também, mas digo que estou brincando.
Normalmente, porém, não minto. Meu DNA americano me tornou superdireto e tem dificultado na hora de me abrasileirar, ser mais delicado. Sei que, quando a pessoa pede minha opinião sobre um assunto pessoal -seu talento, seu trabalho mais recente ou sua aparência-, quase sempre quer um elogio incondicional. Mas raramente consigo elogiar sem reservas se não for merecido.
Até comentários positivos, que qualifico com um "mas" -uma conjunção desconcertante-, podem abalar o ego. Então, ao contrário de Salgado, a mágoa que provoco não é fictícia.
Uma vez, quando um conhecido carioca me convidou para ouvi-lo cantar em uma boate, veio à minha mesa após o show.
Mas, em vez de perguntar se eu tinha gostado -e eu estava preparado para um sincero "foi maravilhoso!"-, perguntou o que eu achei de sua pronúncia no clássico americano "Bewitched, Bothered, and Bewildered". A letra é foneticamente difícil, e a dicção dele deixou muito a desejar. Mas, numa tentativa de ser sincero, sem magoá-lo, disse que a pronúncia fora "razoável". "Ra-zo-á-vel!", repetiu, como se eu o tivesse esfaqueado no coração.
"Razoável" significa "acima do medíocre", e quem quer um elogio não o encontra nessa avaliação. E, apesar de eu ter dado à palavra uma entonação positiva, o conhecido carioca ficou com a impressão (correta) de que sua pronúncia estava longe de ser boa.
Eu poderia ter dito "puxa, você me surpreendeu!", o que era verdade. A dicção foi pior do que eu imaginaria. Mas, quando essa réplica perfeita chegou à minha boca, o momento de usá-la já tinha passado.
Tento não magoar as pessoas com críticas porque já senti a ferroada. Uma vez, depois de ter presenteado alguém que quase não conhecia com meu livro de crônicas, perguntei se tinha gostado. Sua resposta: "Algumas das crônicas me agradaram". "Algumas", pausei, meio pasmo, "das 52 crônicas no livro?" Uma verdade que não me magoaria, "minhas crônicas favoritas foram...", para ele seria inimaginável. Eu havia conhecido alguém mais parecido com Salgado do que eu.
Ao contrário de Salgado, que afasta todo mundo, posso ser tão insincero quanto a maioria dos seres humanos, para preservar as relações mais próximas. Se um(a) amigo(a) me dá um presente de que não goste, digo: "Legal!". Se faz um prato insosso, digo: "Uma delícia!".
Uma vez, admirado com a nova cor do cabelo da minha namorada vaidosa, fiquei calado. Mas, antes de sair, ela deu aquela voltinha e perguntou: "Como estou?" A resposta que dei -a única que ela queria ouvir- foi: "Está maravilhosa!"
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