04 abril 2008

MAITÊ PROENÇA

A vida como ela é
Folha de S. Paulo

Em livro, a atriz Maitê Proença fala sobre seus dramas, como o assassinato da mãe pelo pai, o suicídio dele, o uso de drogas e um aborto aos 16

Nenhuma novela de televisão daria conta da vida de Maitê Proença, 48, que está muito mais para Nelson Rodrigues. Resumir seus dramas neste texto parece injusto, mas obrigatório para escrever sobre seu livro "Uma Vida Inventada" - uma mistura de ficção à sua surpreendente biografia -, que ela lança em São Paulo.
Aos 12, Maitê tem a mãe assassinada pelo pai por adultério. Enfrenta a condenação da família por atuar como testemunha de defesa dele. Aos 16, faz um aborto. Presencia a morte de um irmão por problemas com bebida. Prestes a ganhar seu primeiro papel de destaque, sofre um acidente e fica um ano sem trabalhar. No auge do sucesso, ouve do pai, internado com câncer no cérebro, o pedido para que desligue os aparelhos. Recusa-se e, dias depois, ele se mata. Tudo isso, e histórias do uso de drogas e outras viagens, está no livro.
Maitê conta que não falava publicamente do passado até "um programa de auditório" resolver, ao vivo e sem sua prévia autorização, abrir sua vida "ao Brasil inteiro numa tarde de domingo", o que a deixou "chocada". Foi o "Domingão do Faustão", em 2005.
A atriz diz ainda que a história que se sabe sobre seu envolvimento com Lima Duarte é fruto "da versão dele, que gosta de florear a realidade". Confira.


FOLHA - Você mesclou biografia à ficção. Mas, mesmo quando faz ficção, cria uma relação com sua vida [a protagonista teve a mãe assassinada pelo pai, como Maitê].
MAITÊ PROENÇA -
Você acha, mas essa mulher vai para a África, tem um hospital. Minha vida adulta se conhece. Então não sou eu. É lógico que há fatos ali, e estão sempre sendo tocados pela ficção, essa é a brincadeira do livro. Tem um jogo de pistas falsas para que nunca se saiba o que é real e o que não é.

FOLHA - Uma das razões para ter criado o jogo entre ficção e realidade foi ter concluído que seria difícil inventar uma história tão surpreendente quanto à da sua vida real?
MAITÊ -
Não sei. Você quer dizer que minha carreira literária acabou aqui [risos]? Mário Quintana disse que em toda obra dele não há uma só palavra que não seja sobre ele. A gente pode se utilizar da nossa vida para fazer literatura. Não há demérito nisso. Há assuntos de que trato no livro dos quais nunca falaria publicamente.

FOLHA - Na "ficção", a menina, como você, tem a mãe assassinada pelo pai, e há detalhes do dia do crime. Foi um modo de tratar de um fato tão dolorido na terceira pessoa?
MAITÊ -
Esse é um tipo de resposta que não posso dar, porque não vou falar disso em entrevistas. Escrevi um livro que trata desses assuntos. Fui o mais genuína que pude. Falar sobre isso é vulgarizante. Não sou o tipo que sofre a perda do namorado na capa da "Caras", da "Quem". Não é para ser falado. Mas posso usar esse material que conheço profundamente para fazer literatura.

FOLHA - Apesar de deixar para a menina ficcional a morte de sua mãe, você não se poupou de falar de outros dramas na primeira pessoa, como o aborto aos 16 anos...
FOLHA -
[interrompendo] Mas falo sobre isso [o assassinato, na primeira pessoa].

FOLHA - Mas na primeira pessoa fala mais sobre a condenação que sofreu por ter ficado ao lado de seu pai após o assassinato, o pedido para que fizesse nele a eutanásia e seu suicídio. O assassinato é mencionado, mas na terceira pessoa é aprofundado. Isso quer dizer que os outros dramas estão mais bem resolvidos do que a morte de sua mãe?
MAITÊ -
O leitor vai ter que deduzir. O que queria dizer está no livro, não posso falar sobre isso, não desejo. Se for minha amiga íntima, falo longamente se quiser. Não publicamente.

FOLHA - Você diz que o trabalho de atriz funcionou como terapia, para que conseguisse se emocionar.
MAITÊ -
Achava que estava de passagem pela carreira. Um belo dia vi que era uma pessoa embrutecida, com dificuldade para me sensibilizar. De repente, a atriz me passou uma rasteira, tinha a desculpa do personagem, que podia estar triste, magoado. A Maitê não, o personagem podia.

FOLHA - Você está fora das novelas desde 2005. Escrever se tornou mais terapêutico do que atuar?
MAITÊ -
Vou fazer a próxima das sete, mas realmente esse trabalho está mais espaçado. Não gosto muito da palavra "terapêutico", há muitos anos não faço análise. Mas não sei te responder. Talvez não tivesse feito o livro se um dia... Vou dizer uma coisa, veja bem como vai usar para não ficar mal para mim... Não, não vou contar.

FOLHA - Ah, Maitê, não se faz isso com um jornalista [risos]...
MAITÊ -
[risos] Vou deixar você roendo todas as suas unhas.

FOLHA - Vai sair aquilo que contar.
MAITÊ -
Um belo dia [em 2005], fui a um programa de auditório ["Domingão do Faustão"] para divulgar algo. Mas o programa não era para divulgar, era uma surpresa para mim [o quadro "Arquivo Confidencial"]. Lá pelas tantas, estou lá surpreendida, e o apresentador resolveu abrir a minha história, elementos íntimos, para o Brasil numa tarde de domingo. Fiquei muito chocada. Jamais, em 27 anos de carreira, havia revelado certos assuntos, porque uma carreira não se faz com a piedade de ninguém. Sou uma pessoa reservada, tenho pudores, acho que determinados assuntos são para a intimidade. Essa pessoa não fez isso por mal, fez porque não pensou nas conseqüências que teria para a vida. O que ocorreu foi que toda a imprensa, com todas as suas matizes de cor, resolveu que podia meter a colher, e ficou difícil. Você escuta as pessoas falando nas suas costas, suposições, invenções, não é agradável. Uma vez que isso aconteceu, passaram-se três anos, e achei que estava na hora de tratar desses assuntos. Foi por meio da literatura. E continuarei não falando.

"Lima Duarte gosta de florear a realidade"

Maitê diz que "gosta muito" do ator, mas história de seu envolvimento com ele é "fantasia"

A atriz, que interrompeu uma gravidez e ouviu do pai pedido para que desligasse os aparelhos, apóia a legalização do aborto e da eutanásia

FOLHA - Você conta ter feito aborto aos 16. É a favor da legalização?
MAITÊ -
Sim. Sou a favor de que pessoas de baixa renda, em vez de espetar agulha de tricô, tenham acesso à saúde pública e acompanhamento psicológico, porque é sempre um trauma.

FOLHA - Após ter recusado o pedido de seu pai para fazer nele a eutanásia, defende sua legalização?
MAITÊ -
Sim. A gente deve dispor do próprio corpo da forma que bem entende. As pessoas sabem mais das suas dores do quem quem vê de fora. É muito arrogante [sobe a voz] um juiz do Supremo Tribunal Federal dizer o que deve ser feito em um contexto tão íntimo, onde há um médico, uma família sofrendo e alguém implorando para interromper sua dor.

FOLHA - Você diz não ter sido aceita por colegas quando entrou na Globo. Hoje "mocinhas bonitas que ganham fortunas" são bem vistas?
MAITÊ -
O Rio é a terra dos superlativos. Você tem que falar "queriiida!", "meu amooor!", "sua bolsa é chiquééérrima!". Tira o superlativo, você tem um carioca mudo. Não entendia que no camarim havia um figurinista que precisava que babasse o ovo dele minimamente. Quando entendi, ficou fácil. Hoje estou tranqüila, dá trabalho ter um personagem para as câmeras e outro nos bastidores.

FOLHA - Quando se tornou escritora, mudou sua relação com colegas?
MAITÊ -
Algo mudou sim, para melhor. Tanto por parte do público, quanto da classe artística.

FOLHA - É como se tivesse passado a ser considerada inteligente?
MAITÊ -
É, talvez achassem que eu era muito burra. Ficam tão surpresos, já perguntaram se era eu mesmo que escrevia minhas crônicas. Descobriram que não era tão burra assim.

FOLHA - Apesar de temas duros no livro, não falou sobre algo já público, sua relação com Lima Duarte.
MAITÊ -
Imagina se fosse contar todos os amores, seria outro livro, do tipo que abomino. E, apesar de o Lima contar a história do jeito dele, é um homem brilhante que vive no mundo da fantasia. Gosta de florear a realidade. A versão do Lima é uma, e a minha é a história de uma amizade muito importante.
Enquanto meu pai morria, fiz uma novela ["O Salvador da Pátria", 89] em que a gente tinha uma relação de amor. A única pessoa para quem contei sobre o processo da morte do meu pai, fora meu marido, foi o Lima. Criamos esse elo. Gosto muito dele, o resto é fantasia de sua cabeça. Mas deixo, o que vou fazer? Qual é a importância? Deixa ele sonhar, colorir a vida, não me ofende, pode contar como quiser.

Um comentário:

Anônimo disse...

aeee... vlw pela reportagem! ^^
bjins*