CLÓVIS ROSSI
Depois que Luiz Inácio Lula da Silva decretou que era "bravata" tudo o que passou a vida dizendo quando estava na oposição, o bom senso recomenda que se tomem com pinças todas as suas declarações. Podem ser desclassificadas depois, ao sabor das conveniências. É o que acaba de ocorrer com a sua tese -de resto correta- de que é "brincar com a democracia" a tentativa de seus bajuladores no PT de forçar um terceiro mandato.
Todas as declarações que Lula fez anteontem a propósito dos esforços de seu amigo Hugo Chávez para perpetuar-se no poder servem, à perfeição, para o próprio Lula.
Se ninguém reclamou de que François Mitterrand, por exemplo, ficou 14 anos na Presidência da França, por que deveria reclamar se Luiz Inácio Lula da Silva ficar 12 anos na Presidência do Brasil (ou 16 ou 20 ou até morrer)?
Claro que o argumento parte de uma premissa falsa. Mitterrand não mudou as regras do jogo com ele em andamento para permanecer 14 anos no Eliseu. A regra era um mandato de sete anos com direito à reeleição. Ponto.
Se também ninguém reclamou por Felipe González ter ficado 14 anos como presidente do governo espanhol, ninguém deveria reclamar se Lula ficar um pouco mais ou um pouco menos, certo?
De novo, a premissa é falsa. A regra do jogo na Espanha é o parlamentarismo que pressupõe, sim, reeleições indefinidas, mas com a hipótese de um voto de desconfiança derrubar o governante até no primeiro ano, sem qualquer trauma, o que não acontece no regime presidencialista.
Ao contrário do que diz Lula, o problema não é "a continuidade". É, entre tantos outros, mudar a regra do jogo depois de ter jurado defendê-la. Mas, como se viu desde que renegou todas as "bravatas" de oposicionista, desdizer o que disse não é problema para Lula.
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