FERNANDO DE BARROS E SILVA
A semana foi do petróleo, mas duas fotos chamaram atenção: 1. A do travesti Rogéria seminu (ou seminua, como queiram), o que provocou o cancelamento da exposição do fotógrafo Luiz Garrido no Salão Negro da Câmara; 2. A da garota Jessica, presa com outros oito jovens da zona Sul carioca, acusados de formar uma quadrilha de "elite" de traficantes de ecstasy.
São imagens distintas e histórias de relevância desigual, mas juntas dizem algo sobre o "zeitgeist" (o espírito do tempo) do Brasil atual.
Invocou-se na Câmara, para censurar o retrato de Rogéria, o dever de preservar a criança e o adolescente de "tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor". Ora, aplicada a lei, a maioria dos ilustres congressistas estaria vetada para visitação, de crianças ou de marmanjos.
A foto de Rogéria sugere uma irreverência quase "naïve", nada tem de chocante ou vexatório e exibe de modo discreto parte daqueles pêlos que, como canta Chico Buarque, só a bailarina que não tem.
O excesso de moralismo ocupa o lugar da falta de moralidade. É o caso de parafrasear Theodor Adorno: o Congresso é permissivo no trato da verba pública e pudico com os costumes; o contrário seria melhor.
O estatuto do adolescente não vale mais para Jessica, 18 anos. Todos os grandes jornais a estamparam algemada. "A bela do tráfico", carimbou um deles.
A mídia alimenta e satisfaz as perversões consentidas pela "sociedade do espetáculo". E, ao expor - aí sim - a garota a abusos de tratamento violento e desumano, ainda ajuda a criar a ilusão de que a lei é igual para todos. Não é. Pobre ou preta, Jessica teria direito às algemas, não à foto na capa: estaria no porão, sob os cuidados de praxe da polícia. O caso e sua cobertura pela mídia são sintoma de regressão social, nunca de avanço democrático.
A proibição de uma imagem e a hiperexposição da outra traduzem um momento do país. E vem referendar as taras conservadoras dos "homens de bem".
Nenhum comentário:
Postar um comentário