29 novembro 2007

INÉRCIA ESTATÍSTICA

Folha de S. Paulo

Indicadores como o IDH avançam no ritmo ditado por décadas, e não pelos governos; falta cuidar do saneamento básico

A estatística surgiu associada com os negócios de Estado, como sugere sua raiz etimológica, no século 18. Foi no 20, porém, que ela se tornou ferramenta indispensável para revelar tendências profundas da organização social, que não se perturbam com oscilações conjunturais. Tal é a razão de indicadores como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano): o que importa é a série histórica, e não o último dado.
Basta essa reflexão para desqualificar muito da festividade em torno da notícia de que o Brasil entrou para o grupo dos países com IDH alto, ao alcançar a marca de 0,800 em 2005 (o ponto máximo da escala é 1). A nação que mais se aproximou disso foi a Islândia, com 0,968. Há outros 68 países entre Islândia e Brasil, último entre os melhores (por ter cravado a "nota de corte" do primeiro pelotão). Sete deles são da América Latina. O pior dos piores, na 177ª posição, é Serra Leoa, com um IDH de 0,336.
Outra razão para não comemorar o que não deve ser comemorado, no Brasil, está no avanço de meros 11 milésimos em cinco anos (em 2000, o escore nacional havia sido 0,789). Como mostrou o repórter Antônio Gois nesta Folha, é o mais baixo progresso qüinqüenal do país (1,4%) desde 1975, quando o IDH brasileiro andava em 0,649. De 1995 a 2000, a progressão fora de 4,8%.
Comparações ano a ano são injustificadas, diz o Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud), autor do relatório do IDH. Variações no índice ou mudanças de classificação nesse horizonte temporal podem resultar de modificações na metodologia, e não de fenômenos reais.
Foi o caso da alta na expectativa de vida no Brasil, que para o IDH avançou de 70,8 a 71,7 anos. Em verdade, houve uma revisão de critérios entre 2004 e 2005. O acréscimo real, diante disso, seria de apenas 0,2 ano -e não de 0,9-, indicando melhora mais modesta na saúde.
Os componentes que mais ajudaram o Brasil no IDH foram o PIB per capita pelo critério de paridade de poder de compra (que passou de US$ 8.195 a US$ 8.402) e a taxa de matrícula no ensino fundamental, médio e superior (de 85,7% a 87,5%). Nestes dois casos, a estatística mascara as questões principais.
O PIB per capita nada diz sobre a ainda péssima distribuição de renda no país. A taxa de matrícula oculta o grave problema da qualidade. Com algum otimismo, ao menos se pode dizer que ambas as questões se tornaram objeto de políticas públicas mais focalizadas, como os de renda mínima e o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação).
Pior é a situação do saneamento básico, crucial para a saúde pública. Outro relatório, da Fundação Getúlio Vargas, indica que a cobertura da rede de esgoto progrediu mísero 1,59% ao ano de 1992 a 2006. O governo Lula, que tanta atenção dá a diminutas variações estatísticas, tem aí uma boa oportunidade para realizar algo que, de fato, seria inédito na história deste país.

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