Folha de S. Paulo
Petista defende presidente venezuelano das críticas por querer ficar no poder
Presidente compara seu colega da Venezuela a primeiros-ministros da Europa que governaram durante longos períodos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que não é possível criticar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, por falta de democracia e que naquele país o que não falta é "discussão". Lula voltou a defender o presidente venezuelano daqueles que o criticam por querer permanecer mais tempo no poder.
"Podem criticar o Chávez por qualquer outra coisa, inventem uma coisa para criticar. Agora por falta de democracia na Venezuela não é. Estou há cinco anos no poder e vou chegar a oito anos, eu participei de duas eleições (...). E na Venezuela já teve três referendos, já teve três eleições não sei para quê, quatro plebiscitos, ou seja, o que não falta é discussão", disse Lula, ao final de um evento no Itamaraty.
A Venezuela enfrentou protestos de estudantes e entidades sociais contra a reforma constitucional proposta por Chávez -na qual ele pode adquirir o direito à reeleição por tempo indefinido.
Um dos momentos de maior tensão, na semana passada, ocorreu quando um grupo armado abriu fogo contra os estudantes no campus da Universidade Central da Venezuela. Entre as propostas da reforma está a instituição da reeleição ilimitada. O projeto foi emendado por deputados chavistas e aprovado pela Assembléia Nacional do país.
"Eu acho que na democracia é assim: a gente submete aquilo que a gente acredita ao povo e o povo decide e a gente acata o resultado. Porque senão, não é democracia", disse Lula.
Lula voltou a falar dos que se "queixam" que Chávez quer um terceiro mandato. Para o presidente, ninguém fez o mesmo sobre a ex-premiê britânica Margaret Thatcher, que ficou no poder entre 1979 e 1990.
Confrontado com a diferença dos casos, pelo fato de que o Reino Unido é uma monarquia parlamentarista na qual o governo pode ser questionado e substituído a qualquer momento, Lula reagiu, irritado.
"Distinto por quê? É continuidade. Não tem nada de distinto. Muda apenas o sistema, o regime: de regime parlamentarista para regime presidencialista, mas o que importa não é o regime, é o exercício do poder. Ninguém se queixa do Felipe González que ficou tantos anos, ninguém se queixa do Miterrand que ficou tantos anos, ninguém se queixa do Helmut Kohl que ficou quase 16 anos", afirmou, invocando respeito à autonomia e a soberania de cada país.
Novamente, Lula não levou em conta que a Espanha e a Alemanha (caso dos ex-premiês González e Kohl, respectivamente) serem parlamentaristas. E François Mitterrand presidiu a França por dois mandatos presidenciais (1981-1995), tendo sido reeleito dentro das regras constitucionais.
Dentro de pouco mais de duas semanas, os venezuelanos serão submetidos a um referendo sobre a reforma constitucional proposta por Chávez logo depois de sua reeleição com 62% dos votos, em dezembro passado.
"Se nós dermos menos palpite nas regras do jogo dos outros países e olharmos o que nós estamos fazendo, todos nós sairemos ganhando", disse Lula.
O presidente começou a falar sobre Chávez ao ser questionado por jornalistas se sentiu-se constrangido devido à contenda entre Chávez e o rei Juan Carlos, no fim de semana, em reunião de cúpula no Chile.
"Não fico constrangido e não há nenhuma razão para ficar constrangido. Somos um conjunto de países democráticos, que fazemos uma reunião democrática, onde todos têm direito de falar, tema livre, aquilo que lhe interessa. E não há divergência apenas entre o rei Juan Carlos e o Chávez. Há muitas divergências entre outros chefes de Estado", minimizou Lula.
Na cúpula de Santiago, o venezuelano fez várias críticas ao ex-premiê espanhol José Maria Aznar. Chamou-o inclusive de "fascista" . O rei Juan Carlos, então, rebateu: "Por que não te calas?". O mandatário venezuelano acusa Aznar de ter apoiado o golpe de Estado frustrado que tentou derrubá-lo do poder, em 2002, na Venezuela.
Para Lula, no entanto, "não houve exagero" por parte de Chávez. O presidente resumiu assim o bate-boca. "Houve uma fala do Chávez que o rei achou que era demais, que era uma crítica ao ex-primeiro-ministro da Espanha que tinha apoiado o golpe venezuelano no primeiro momento. Essas coisas acontecem. Obviamente, a diferença qual é? Que o rei estava na reunião. Quem falou "cala-te" foi o rei, não foi um de nós, porque, entre nós, nós divergimos muito. Fazemos uma reunião como em qualquer país civilizado. Como é que você pensa que são as reuniões do G-8? Que você chega lá e todo mundo tem um protocolo formal, que tem de rir na hora certa? Não."
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