Sabe o que mais assusta na história da menina de 15 anos jogada às feras no Pará? É que a delegada, Flávia Pereira, e a juíza, Clarice de Andrade, são mulheres. Sem contar a governadora, Ana Júlia Carepa. Eu adoraria saber se elas têm filhas, se têm cachorros ou gatos. E como os tratam.
Duas mulheres. Uma delegada que deve preservar a segurança e a ordem. Uma juíza responsável pelo cumprimento das leis e pela garantia dos direitos individuais. E ambas conseguem olhar para aquela criança mirrada e infeliz, suspeita de um crime banal, e tratá-la pior do que a um bicho danado.
Quando rapazes de classe média ateiam fogo a um índio que dormia na rua em Brasília e quando outros esmurram uma empregada doméstica num ponto de ônibus no Rio, já é sinal de doença, mas da classe média, das famílias. O que ocorre no Pará é pior: a doença é do próprio Estado, contaminando seus agentes e os cidadãos - por que calaram diante dos gritos desesperados?
A desculpa era que ela seria maior de idade. Ah, bem! Ou que se prostituía. Ah, bem! Então pode? Não, não pode. Seria monstruoso de qualquer jeito. Ter 15 anos, ser pequena e frágil, só torna tudo pior. L., 15, foi largada pelos pais incapazes e pelo tio irresponsável. Vivia pelas ruas. Não é ré, é uma vítima da pobreza e da ignorância. O Estado tinha o dever de salvá-la, mas foi seu pior algoz. Jogou-a às feras, numa cela cheia de homens. Aplicou-lhe queimaduras, fome e violência sexual. A quem recorrer?
Juízes e advogados "finos" de São Paulo e do Rio são ágeis para criticar a polícia por algemar presos grã-finos diante de câmeras de TV. Ou para inundar os jornais defendendo a "decisão técnica" do Supremo que liberou o banqueiro Cacciola para ter um vidão na Europa. E agora, senhores, o que têm a dizer sobre delegadas e juízas capazes de tal atrocidade? Que tipo de punição "técnica" elas merecem?
28 novembro 2007
AO ESTADO, ÀS FERAS
ELIANE CANTANHÊDE
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