19 novembro 2007

SUJEIRA NA IGREJA

FRANCESCO SCAVOLINI


A função do magistério eclesiástico é guiar o povo de Deus, mas parece que alguns guias perderam, eles mesmos, o rumo

"Quanta sujeira existe na igreja! Até mesmo no meio daqueles que, sendo sacerdotes, deveriam pertencer inteiramente a Deus". Essas palavras foram pronunciadas pelo então cardeal Ratzinger durante a meditação da Via Sacra no Coliseu, em Roma, na Sexta-Feira Santa de 2005, poucos dias antes da morte do papa João Paulo 2º.
É provável que, com as referidas palavras, o futuro papa quisesse referir-se não somente aos casos de abuso sexual envolvendo o clero mas também aos desvios e erros doutrinários com graves conseqüências éticas e morais para a vida da igreja e da sociedade.
É bom lembrar que o reconhecimento de erros e abusos não ficou só no papel, pois a Santa Sé tem punido exemplarmente os responsáveis, tendo também confirmado para toda a igreja que os delitos de abuso sexual devem ser tratados como crimes hediondos também perante as autoridade civis. Infelizmente, parece que, no Brasil, algumas das autoridades da Igreja Católica nem sempre seguem o exemplo da Santa Sé.
Por exemplo, se essas autoridades tivessem punido e afastado o padre Lancelotti uns anos atrás, quando ele, violando as normas canônicas, apoiou pública e abertamente, tanto em 2000 como em 2004, a candidata a prefeita Marta Suplicy (Marta, que defendia e defende ainda hoje o aborto, o divórcio, o casamento entre homossexuais, a descriminalização das drogas, foi fazer até comício dentro da igreja do padre Lancelotti, no altar, tendo ao lado o mesmo padre, que pedia votos para ela), teriam certamente cumprido sua tarefa de preservar o povo católico e a sociedade de gravíssimos desvios éticos e morais, poupando também a igreja do grave escândalo que a atinge.
De fato, a principal função do magistério eclesiástico é a de guiar o povo de Deus no caminho da fé. Contudo, parece que alguns desses guias perderam, eles mesmos, o rumo. Vou citar somente um exemplo.
Em agosto de 2005, no cume da crise de corrupção que aturdia o governo, o presidente Lula, buscando o apoio da igreja, enviou uma carta à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em que, reafirmando explicitamente o seu catolicismo, não só tomou posição em defesa da vida em todos os seus aspectos e em todo o seu alcance mas também prometeu que o seu governo não tomaria nenhuma iniciativa que contradissesse os princípios cristãos.
Música para o ouvido dos bispos e do povo católico, não fosse que, um mês mais tarde, o governo Lula decidiu apresentar ao Congresso, por meio da ministra Nilcéa Freire, o projeto para a liberação do aborto.
Esse projeto, incorporado ao texto do substitutivo da então relatora Jandira Feghali, está em tramitação no Congresso e permite a descriminalização total e absoluta do aborto (sim, caro leitor, se o referido projeto for aprovado pelo Congresso, qualquer bebê poderá ser eliminado até poucos minutos antes do nascimento sem que os matadores sejam punidos).
E o católico Lula, será que foi punido por ter enganado a igreja ? Não, caro leitor, mesmo depois de tudo isso, mesmo depois de ter sancionado a lei que permite a manipulação e a destruição de embriões humanos, mesmo depois de ter recentemente chamado de hipócrita a igreja, o católico Lula, bem como o católico Lancelotti, não foi punido pela igreja.
Lula, aliás, foi premiado com a recente visita do ex-arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, que foi celebrar missa para o presidente e uns poucos convidados na capela do Palácio da Alvorada e, durante a homilia, comparou Lula a Jesus (será que esqueceram o documento da CNBB de 12 agosto de 2005, em que está escrito: "É preciso buscar as raízes históricas da perversa cultura de corrupção implantada no país. Ela se nutre da impunidade, acobertada pela conivência, que se torna cumplicidade, incentivada por corporativismos históricos, habituados a usar em benefício de interesses particulares as estruturas do poder público"?).
Quero terminar este artigo com as palavras de Bento16 que concluíram a meditação da nona estação da referida Via Sacra: "Senhor (...) a veste e o rosto tão sujos da Tua igreja nos atordoam. Porém, somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Te traímos cada vez depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos. Tem piedade da Tua igreja (...) Te levantaste de novo, ressurgiste e podes novamente nos levantar também. Salva e santifica a Tua igreja. Salva e santifica todos nós".

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